Lino Tavares
“O Papa renunciou”. Imagine o prato cheio que representa uma manchete como essa, nesta era de grandes avanços nos meios de comunicação, algo inimaginável quando o Papa Gregório XII abdicou do cargo no distante ano de 1415, em circunstâncias semelhantes. Renunciar um posto de poder é uma decisão drástica, traumática, que só pode ser considerada razoável quando praticada por motivo de saúde, algo que impeça o renunciante de exercer com o vigor físico exigido o cargo de que se acha investido. Fora dessa hipótese, não passará de ato de covardia, motivado pelo medo de enfrentar presumíveis adversidades à vista; esperteza, que consiste em abrir mão do restante de um mandato para se candidatar a outro de maior relevância, ou safadeza, representada por aquela renúncia ardilosa que tem como objetivo calculado escapar da prestação de contas de algum mal-feito praticado no exercício do cargo.
Um exemplo típico de renúncia inspirada no medo foi a de Jânio da Silva Quadros, que renunciou a Presidência da República em 25 de agosto de 1961, sem jamais ter explicado os reais motivos dessa desistência ao trono do Planalto, deixando a nítida impressão de que se acovardou diante da reação de grupos de interesse, contrariados com algumas atitudes despóticas
do “Homem da vassoura” que implicava até com ‘briga de galos’ e uso de biquíni na praia, além da ‘ousadia’ de condecorar o guerrilheiro esquerdista Che Guevara, no tempo em que ainda se acreditava que ‘comunista comia criancinha’. Já a renúncia fundada na esperteza, representada por aqueles que renunciam o cargo que ocupam para se candidatar a outro mais importante, tem no tucano José Serra um exemplo clássico, quando renunciou a prefeitura de São Paulo, descumprimento a promessa de exercer seu mandato até o fim, para concorrer a governador do Estado,
No que diz respeito àquela ‘renúncia safada’, que tem por objetivo escapar de punições inerentes a ilicitudes praticadas, temos o exemplo recente do senador Renan Calheiros, que, depois de haver renunciado à presidência do Senado para não ser cassado, retorna ao posto, ungido pelo voto de seus colegada da mesma laia, como se fosse outra pessoa, totalmente regenerada dos atos indignos que, pouco tempo atrás, fizeram-no deixar o trono do Senado como um ‘gato fujão’. Na área do esporte, não existe exemplo mais latente de ‘renúncia safada’ do que a praticada por Ricardo Teixeira, que renunciou o trono da CPF, herdado do sogro João Havelange, sob suspeita de enriquecimento ilícito e outras maracutaias, que começavam a pesar em demasia sobre seus ombros.
Bento XVI, que alega falta de vigor físico motivado pela idade avançada, para continuar comandando os interesses da Igreja da forma como julga conveniente, pode até ter alguma dose de razão no argumento usado para deixar o chamado “Trono de São Pedro”, da noite para o dia, surpreendendo o mundo e roubando em parte a cena da folia carnavalesca, notadamente no Brasil, a maior nação católica do mundo, mundialmente conhecido como “o país do carnaval”. Não conseguirá, contudo, convencer os observadores mais sagazes de que a forma simplista e pouco consistente, com que tenta explicar essa renúncia histórica que chega às raiais do inusitado, seja suficiente para evitar ilações consubstanciadas numa suposta “causa velada” reinante nos bastidores do Vaticano, não revelada por Sua Santidade, para evitar danos à imagem do catolicismo, hoje batendo de frente com os avanços do liberalismo social que, aos olhos da Igreja, sob o pontificado do Papa renunciante, têm sido visto como uma espécie de “libertinagem pecaminosa” inaceitável.