Sexo, Livros e Rock And Roll 3Debby Lenon

Baseado na musica, Gimme Shelter do álbum Let it Bleed dos Rolling Stones

 

Parte 1 – Murdock e Patty

 

Conhecer Murdock e Patty mudou muito meu conceito sobre o mundo e o amor. Eles eram um casal fora do comum que aguçavam minha curiosidade juvenil. Murdock era um jovem negro enquanto Patty era caucasiana. Além da idade o ponto em comum entre eles era que ambos faziam parte do movimento contra cultura hippie. Sim foi justamente no caminho para Woodstock que os conheci.

Eu e minha irmã Jessy passamos os três dias da “paz” com eles, rimos muito das aventuras de Murdock fugindo da policia e dos Panteras Negras, afinal não eram todos os negros que olhavam para o casal com bons olhos. Cada um com sua gente pensavam a maioria.

Numa das noites de Woodstock, enquanto ouvíamos a maravilhosa voz de Janis Joplin, Jessy e eu engolíamos mais uma pílula de anfetamina quando percebemos que Murdock e Patty haviam desaparecidos. O casal estava alguns metros afastados num local reservado, onde não podiam ser vistos direito. Eu e Jessy nos aproximamos silenciosamente e percebemos o que estavam fazendo.

Ambos estavam nus, Murdock estava sobre Patty e num movimento de vai e vem introduzia seu ser nela. Estavam drogados, bem mais drogados do que eu e minha irmã. Jessy me cutucou para que saíssemos de lá, mas eu me recusei queria ver aquele ato de amor. Aquela pele negra brilhava com o suor que minava dos poros do rapaz. Aquelas mãos negras sobre a pele clara da mulher.

Comecei a sentir um calor subir pelo meu corpo e ruborizar meu rosto. Eu nunca havia me sentindo daquele jeito. Conforme os corpos dos amantes se mexiam, ficava obvio que ambos entravam num êxtase. Eu desejava ser tocada daquele jeito. Quando pensei que nada mais me chocaria Patty entrou num frenesi e começou a gemer cada vez mais alto. Em seguida o silêncio. Ambos se levantaram e se vestiram. Fiquei quieta escondida atrás das arvores.

No ultimo dia do festival, Murdock aproximou-se com aquele lindo sorriso largo. Ele era bem mais alto que eu, me convidou para dar uma volta e me levou para um lugar bem distante, ele não era homem de muita conversa, foi logo me agarrando e beijando. Eu não recusei, estava querendo aquilo e ele sabia, tinha me visto espionando.

Diferente do que eu tinha visto com Patty, não houve um cobertor nem mesmo carinho. Eu conheci um animal e gostei daquilo, gostei do toque de macho, dos movimentos bruscos e das palavras baixas que ele falava ao meu ouvido. Não demorou muito para que ele atingisse o frenesi, para mim…

Woodstock acabou, voltei para casa com Jessy e nunca lhe disse uma palavra do que havia acontecido. O sonho havia acabado, como os momentos de felicidade que eu havia passado ao lado de minha irmã e de um casal de hippies. Minha realidade agora era outra. Surras de cinto, cheiro de álcool insuportável acompanhado de um homem gordo e loiro sobre mim todas as noites.

 

Parte 2 – O Livro

 

Era meu aniversário. Acreditava que ele seria como todos os outros apenas eu, minha mãe, Jéssy e o meu padrasto. Por volta do meio dia o carteiro bateu a minha porta, meu padrasto atendeu e recebeu uma encomenda em meu nome. Abri o pacote e dentro havia um livro. O senhor dos Anéis. Folheei e percebi uma folha de caderno. Era uma carta de Patty. Começava com um oi, feliz aniversário e espero que goste do presente. Resumia um papo que tivera com Jessy durante os shows de Woodstock e que ela e Murdock estavam pensando numa solução para nossos problemas.

O livro contava a saga de seis homens que tentavam vencer o mal e para isso precisavam destruir um anel. Aquele presente mudou minha vida de certa forma, a esperança que comecei a ter ao ler aquelas páginas me trouxe mais forças para suportar a violência daquela casa. Minha rotina não mudou, apenas acrescentei o livro a ela.

Por coincidência do destino no dia que havia terminado de ler O Senhor dos Anéis, chegou uma carta de Patty. Eu a recebi. Dentro do envelope um pouco de dinheiro e um bilhete que dizia para irmos morar com ela e Murdock em nova York.

Não esperei por mais tempo, naquela noite eu e Jessy arrumamos nossas roupas numa sacola e fomos para a rodoviária. Antes mesmo de o meu padrasto me violentar na frente da minha irmã novamente, enquanto minha mãe fingia que não sabia de nada.

Jessy estava receosa em deixar nossa mãe. Sem ela eu não sairia da casa, eu sabia que assim que aquele calhorda não tivesse mais a mim, ele começaria a violentar minha irmã. Eu tive todo o cuidado de queimar o endereço dos envelopes e levar comigo a carta e o livro. Não deixara rastro.

A vida em Nova Iorque era totalmente diferente. Não havia mais o cheiro de cachaça, o peso de um corpo indesejável em cima do meu, minha irmã não chorava mais baixinho durante a noite e eu estava trabalhando numa barraca com Patty. Ambas fazíamos bijuterias com tecidos, couros e pedras.

Murdock nunca mais tentou nada comigo, talvez porque Patty contara o que acontecia comigo em casa, ou provavelmente porque ele era realmente apaixonado pela namorada. Aquele dia ele agiu daquela maneira por conta de tantas drogas que usamos. Éramos uma família feliz.

 

Parte 3 – Gimme Shelter

 

Nunca irei me esquecer daquele dia. Estávamos no Autódromo de Altamont era 06 de Agosto de 1969. Queríamos muito ver o show dos Rolling Stones, nós estávamos felizes por fazer parte de tudo aquilo, havia muitas pessoas. Estavam todos agitados e a banda tinha contratado um grupo de motoqueiros conhecidos como Hells Angels eles mais provocavam a multidão do que protegiam o grupo.

Estávamos próximo ao palco que era super baixo, deixando os músicos próximos aos fãs. Eu quase conseguia tocar o líder da banda. Foi quando minha irmã percebeu a presença de uma pessoa entre os motoqueiros. Era ele, meu padrasto. Tentamos sair de lá antes de sermos notadas, mas já era tarde demais.

Ele havia nos visto. Enquanto um dos integrantes tentava me pegar, um outro já arrastava Jessy por entre a multidão, Patty tentou impedir, mas foi empurrada pelo meu padrasto. Murdock reagiu apontando alguma coisa para aquele monstro. Não conseguiu. Um motoqueiro surgiu por trás com uma faca em punho golpeando e fazendo com que ele caísse, logo a gangue estava sobre ele, esfaqueando-o e chutando-o. Patty olhava tudo de perto, gritava pedindo ajuda. O vocalista da banda parou de cantar Under My Thumb e ficou olhando horrorizado, aquela violência.

A policia chegou, o cara que golpeou Murdock foi preso, mas não chegou a cumprir pena. A policia acreditava que Murdock havia começado a briga e que o motoqueiro estava apenas cumprindo seu dever de proteger a banda.

Os músicos partiram de helicóptero. Fiquei procurando minha irmã por entre aquela multidão. Não encontrei Jessy e só depois do funeral de Murdock é que tive noticias dela.

Talvez fosse coincidência, talvez um aviso.

Aquele show levava o nome de uma musica que trazia uma mensagem apocalíptica. E foi sim o fim do mundo. O mundo do jovem Murdock, morto pela selvageria de um grupo de motoqueiros que se sentia donos do mundo e da verdade, morto pela vingança de um homem que pensava que suas enteadas eram seus brinquedinhos sexuais.

Infelizmente não era apenas sobre a guerra política que a musica falava. Era sobre a guerra das ruas. Vivíamos numa era muito violenta. E até hoje quando olho para minhas netas brincando no chão da sala eu lembro daqueles dias. Elas podem ter sorte de viver no mundo de hoje, porém sabem que vivemos num mundo fraco, cheio de violência e preconceito.

Em setembro de 2001 eu comentei com minha filha que havia visto a inauguração das torres e presenciava naquele momento sua destruição com milhares de mundos destruídos. Assim como vi o mundo de um amigo ser destruído também. Meu neto está ouvindo Rolling Stones no computador dele. Vou falar para ele pesquisar sobre a musica Gimme Shelter quem sabe ele não encontra alguma referencia aos meus amigos. Como era mesmo o nome verdadeiro de Murdock?

 

Debby Lenon estudou letras e é escritora

 

Clique aqui e leia mais de Débora Gimenes/ Debby Lenon

1 thoughts on “Sexo, Livros e Rock And Roll

  1. Eduardo Ramicelli says:

    Como pode um ser humano ter tanta percepção assim, meus parabens , vc se supera cada vez mais, dá gosto de ler suas palavras; mande mais e mais pois preciso desse alimento para me convencer que estou satisfeito.

    Obrigado

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