Será que o Homem precisa ser enganado para reagir positivamente?
Muita gente ainda acha que sim e apóia a manipulação das carências geradas pelo tanto que o Homem desconhece de si mesmo. Os lucros são nada desprezíveis. Entretanto, o Ocidente ? sempre a testa das grandes transformações ? parece que irá despertá-lo do seu sono mal-dormido e milenar. Enquanto se dá prosseguimento à antiga e vantajosa tarefa de ocultar o passado, como se essa atitude fizesse parte da prescrição de um medicamento adocicado para um mal congênito ainda não esclarecido, a velocidade e a quantidade das informações correntes dificultam cada vez mais a pretensão antiga.
A convicção de que tal procedimento encerra o que há de melhor para a Humanidade é controversa. Sua defesa apaixonada deixou cicatrizes ainda doloridas na sensibilidade humana. Mas nem só por isso, o que já seria o bastante, a resistência não se curvou. A pretensa verdade foi propagada, imposta, encadernada e distribuída ao longo do tempo como se história fosse. A versão oficial da sua origem é parte da sua doutrina, portanto, é impositivo que o estudo e o ensino tradicional de história se dêem sob a ótica da fé. Parte-se do princípio de que se o que está escrito é o pilar da nossa cultura, devemos acatá-lo sem indiscrições.
Por isso, a bíblia é considerada como fonte legítima pelo entendimento cristão de história e este tem sido o padrão para os historiadores ocidentais. O sentimento de correção do historiador religioso pode ser compreendido no âmbito agostiniano da filosofia da história. Foi o cristão Agostinho de Hipona (354-430) o criador deste ramo da filosofia que imprimiu o sentido cristão na história ocidental. Agostinho é considerado como o arquiteto do projeto intelectual da Igreja Católica. O ensino, como parte da educação, foi o primeiro passo do cristianismo na antiga Europa. As primitivas tribos européias, origem das atuais nações do mundo europeu, foram civilizadas pelos cristãos objetivando a formação de um único e coeso grupo ideológico. O antigo ideal universal helenístico, dos gregos ? um único governo, um único povo e uma única cultura para o mundo ? parecia ter se encontrado na vitória cristã. A interação entre a Igreja e o Estado, a partir do século IV, estampou na consciência pública a impressão de legalidade da qual o cristianismo desfruta até hoje no meio popular. A maioria dos cristãos se pensa certa, também, por causa disso.
O que os renomados historiadores defendem, na verdade, não é a história, mas a filosofia religiosa que está impregnada nela. O entendimento é que se a história é parte da educação, a educação é parte da nossa cultura religiosa, logo, a filosofia religiosa que impregna a história estaria isenta de satisfações a quem quer que fosse. Embora não seja aceitável, é perfeitamente compreensível tal entendimento, porque toda a intelectualidade ocidental se formou no seio do cristianismo. O natural é a acomodação, ainda que ao longo do tempo tenha havido protestos da parte de poucos. O que se pode e se deve estranhar é a aceitação incondicional, não a rejeição e protestos da parte de alguns.
Reação é um sintoma positivo e saudável no caminho da evolução. Tanto que vamos encontrá-la na inspiração para dois milênios de ocultação da versão mundana do surgimento do cristianismo, na teoria de Platão. O filósofo expressa em sua obra, República, na qual retrata o governo que lhe parecia ideal na época, um conceito que hoje é moralmente inaceitável, mas comumente aplicado.
O governo tem o direito de mentir se o interesse público assim o exigir. Em particular, inculcará a mentira real que apresenta este admirável mundo novo como uma dádiva divina. Em duas gerações, isto passaria a ser acreditado sem protestos, pelo menos pela plebe. (Platão, 428-348 a.e.c.)
A coexistência pacífica entre o inaceitável e o comumente aplicado tem suas origens aí, num tradicional moralismo de fachada que ninguém ignora. Vale lembrar que o neo-platonismo compôs a filosofia cristã a despeito das possíveis diferenças entre ambas. Por sorte, a constituição humana não permite a nossa espécie a mentira absoluta. Daí o polígrafo, o famoso detector de mentiras. Por mais sinceramente engajados que estivessem os nossos renomados historiadores ? existe o auto-engano ? os vestígios da versão incômoda não puderam ser completamente apagados.
Seguindo estes vestígios, como se fossem pegadas na areia de uma praia deserta, chega-se a outra conclusão. Isto significa que quando a gente sabe o que procura, os livros acabam contando. Há quem garanta que a sabedoria contida no âmago das religiões escapa ao olhar malicioso. Seria isto que a personagem Jesus Cristo quis dizer quando pediu que nos tornemos como crianças. No entanto, a qualquer investigador o olhar malicioso é fundamental. Estas pegadas nos levam, sem mistério algum, aos vencedores gregos sob a alcunha de cristãos. Estavam ocultos pela excessiva exposição. Ninguém acreditaria.
Argumenta-se que não existe base histórica para se afirmar que a origem do cristianismo é grega e não judaica. Por laços emocionais e familiares e por uma imperativa convicção ideológica, os renomados historiadores se viram na obrigação de confirmar o que a própria história com o seu silêncio deixou de fazê-lo. No entanto, alguns elos sempre se rompem quando os esforços de convicção ultrapassam os limites da honestidade intelectual. Sem medo de pensar, o professor de teologia, historiador e filósofo Bruno Bauer (1809-1882) já havia concluído por esta específica falsidade na história. No entanto, muitos historiadores conquistam múltiplas licenciaturas com a finalidade de dar prosseguimento à ideologia cristã e sobrevida ao conceito cristão de história.
Nada existe de permanente a não ser a mudança. (Heráclito, 540-470 a.e.c.)
A idéia de que só a mudança não muda, é bem a propósito das conclusões que a história nos traz. Quando num processo de mudança da consciência coletiva, as reações da situação têm a capacidade de fortalecer seu oposto. É assim que funciona. Em vista disto, e da consciência de que no início deste processo o novo modelo ainda não existe, maior é o conforto no compartilhar das ideias. O preenchimento das lacunas deixadas na história pela fé religiosa, é que vai ajudar na concepção do novo design, quando conclusões de historiadores isentos se banharem sob as luzes independentes das demais disciplinas. Quando cinco por cento de cada sociedade se convence da necessidade de mudança, ela já está acontecendo. Não adianta mais fugir do passado.
Ivani de Araujo Medina é um Homem com a percepção do descompasso existente entre a história e o favorecimento ideológico ao cristianismo.
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