(*) Nelson Valente
A população escolarizada no Brasil é deficiente, existindo o fato já bastante divulgado de 4 milhões de crianças dos sete aos 14 anos estarem fora das escolas. Para que o país consiga vencer os graves problemas sociais que atravessa, inclusive o da educação, será preciso que se comece na infância a corrigir tais distorções.
O incremento do hábito de leitura seria um dos primeiros passos. Os pais devem considerar o livro como um instrumento com que a criança tenha um relacionamento íntimo, no qual vai aprender lições que ajudarão muito na sua formação posterior.
Se uma criança não possui o gosto pela leitura na infância, na adolescência ou na fase adulta as coisas se tornarão difíceis. No exterior existem cadeiras de literatura infantil até em nível de pós-graduação.
No Brasil, já tivemos nos Institutos de Educação o curso de literatura infantil, mas foi estranhamente desativado. Isso demonstra o quanto a nossa literatura infanto-juvenil é desprezada pelas autoridades.
O pré-escolar é o grande momento onde deve haver um estímulo à leitura. Essa relação deve ser bem natural, e de forma lúdica, tanto em casa quanto na escola. Mas temos uma grande preocupação com o que a criança realmente deseja. Afinal, o que ela pensa sobre os títulos que estão à sua disposição? Sendo ela a maior interessada, é justo que se faça um levantamento nacional sobre as aspirações do nosso público infantojuvenil, isso evitaria o pseudodidatismo que pode ser detectado em muitas obras.
A literatura infantojuvenil tem ocupado um grande espaço nos meios de comunicação de massa, nos últimos anos, devido a fatores históricos como, por exemplo, o bicentenário de nascimento dos irmãos Grimm, o “julgamento” do Lobo Mau por um tribunal de Veneza e o relançamento do desenho animado Branca de Neve e os Sete Anões, apresentado pela primeira vez há 60 anos.
Aqui no Brasil, a literatura infantojuvenil parece ter alcançado finalmente o seu merecido lugar, com a consolidação das livrarias especializadas que, apesar do pequeno número, mostram que já temos um público definido e interessado. As vendas crescem de modo constante e expressivo.
Também o surgimento da crítica especializada, nos principais órgãos de imprensa, tem contribuído muito para desmistificar uma falsa realidade, antes lida como verdadeira – a de que a literatura infantojuvenil era um gênero de segunda categoria.
É preciso, também, que o programa Salas de Leitura, das entidades oficiais, seja reconhecido como um dos caminhos para o incentivo à literatura infantojuvenil, para que seja ampliado. Essa foi uma das poucas oportunidades em que o governo federal, através do MEC, se preocupou com o assunto.
Se antes tínhamos que nos sujeitar à tradução de obras estrangeiras, hoje o que se vê é outra realidade. Desde que pais, professores e pedagogos passaram a se preocupar com o conteúdo dos livros dirigidos às crianças, surgiu em nosso meio editorial o que se pensou que fosse um fenômeno, um boom, mas na verdade, era o florescimento dos nossos competentes autores e ilustradores.
Foi nesse período que surgiu a chamada “corrente realista” na literatura infanto-juvenil. A preocupação moralista e também pedagógica deu lugar aos temas ligados à nossa perspectiva sociocultural. Passou-se a questionar a realidade brasileira por intermédio de um humor feito com bastante seriedade. A questão da fantasia ou realidade deixou de ser relevante, o que importava (e ainda importa) era a criança vista como um ser humano e não como um pré-adulto, ou um adulto miniaturizado.
E onde entra Monteiro Lobato, depois do surgimento dessa corrente?
Simplesmente ele é imbatível. A literatura infantojuvenil brasileira tem nele o seu divisor de águas. Apesar de ter sido um escritor conservador para os adultos, Monteiro Lobato era modernista para as crianças. E foi o primeiro a criar a fantasia “abrasileirada”, sem trenós, neves e outros elementos estranhos à nossa realidade, numa época em que o pouco que produzia era uma cópia de modelos estrangeiros.
A função social da literatura infantil ultrapassa a sua própria expectativa, pois é na infância que se forma o hábito ou gosto pela leitura.
A existência hoje de uma literatura infantojuvenil brasileira amadurecida é um fato que merece a maior consideração.
Vivemos o mundo da eletrônica, com todas as facilidades momentâneas. A nossa literatura infantojuvenil precisa conviver com os novos tempos. No rádio e na TV, infelizmente, também existe uma quase total ausência de espaço para a literatura infantojuvenil. É preciso que a mídia eletrônica seja estimulada a participar desse importante processo.
(*) professor universitário, jornalista e escritor
O politicamente correto muitas vezes só atrapalha. Fui criado na infância lendo as histórias do Sitio do Pica-Pau Amarelo e visitei o local que inspirou Monteiro a escrever. Isso é censurar um bem da nossa literatura, um absurdo. Abraços.