A formação de professores no Brasil tem vivido sucessivas alterações e reformulações normativas e, em decorrência disso, têm surgido muitas dúvidas e perplexidades sobre a interpretação da legislação no momento da contratação de docentes.
A prática tem demonstrado que as situações de desconforto legal persistem, provocando interpretações variadas e muitas vezes impossibilitando a contratação de professores em regiões carentes de profissionais licenciados.
O assunto tem histórias que se repetem no tempo sem uma posição definitiva, como a Deliberação nº 89, de 17 de junho de 1982, que, entre outras abordagens, concedia autorização precária, por dois anos, para o exercício do magistério nos 1º e 2º graus, para candidatos que não possuíssem, ainda, registro de professor, mas declarações de conclusão em estabelecimento de 2º grau ou de licenciatura em faculdade.
Concedia-a, também, para outros que, não reunindo as condições citadas, diante de situações especiais que justificassem uma necessidade, neste caso, com autorização do CEE. Posteriormente, a Deliberação 93/82 criou mais exceções para os municípios com ausência comprovada de cursos de licenciatura de nível superior.
Em 1985, a Deliberação nº 114 fortalecia a precariedade da autorização sempre que uma declaração do estabelecimento de ensino e da mantenedora apontasse o candidato que se desejava contratar. A Deliberação nº 177/92 continuou regulamentando as autorizações precárias, fixando prazos e condições para a contratação de professores não legalmente habilitados.
Em 1995, o CEE, em sua Deliberação nº 212, tratou outra vez da questão ao fixar novas normas para a concessão de autorização para lecionar nos 1º e 2º graus, tendo em vista “a comprovada carência de professores habilitados em disciplinas específicas da formação especial”, possibilitando que profissionais graduados em nível superior fossem autorizados, precariamente, a lecionar as disciplinas que fizessem parte do seu currículo, com um mínimo de 160 horas de carga horária, agora por um prazo de três anos.
O Parecer CEE nº 139/99 (N) definiu normas para implantação de programas especiais de formação pedagógica de docentes diante da carência de professores habilitados, suprindo esta necessidade, em caráter especial, baseando-se nos termos da Resolução CNE nº 02/97, que dispõe sobre “Programas Especiais de Formação Pedagógica”, para portadores de diploma de nível superior e que se relacionavam com a habilitação pretendida. Resolução CNE/CP nº 2/97.
Art. 1º. A formação de docentes no nível superior para as disciplinas que integram as quatro séries finais do ensino fundamental, o ensino médio e a educação profissional em nível médio, será feita em cursos regulares de licenciatura, em cursos regulares para portadores de diplomas de educação superior e, bem assim, em programas especiais de formação pedagógica estabelecidos por esta Resolução.
Parágrafo único. Estes programas destinam-se a suprir a falta nas escolas de professores habilitados, em determinadas disciplinas e localidades, em caráter especial.
A Deliberação nº 256/00 do CEE concedeu autorização precária, por dois anos, a portadores de diploma de Pedagogia, para, sem a devida habilitação, lecionarem na Educação Infantil e, por outro lado, nas quatro últimas séries do Ensino Fundamental, no Ensino Médio e na Educação Profissional de nível técnico, aos portadores de Diploma de Graduação que, no histórico escolar, apresentassem uma carga horária mínima de 160 horas na disciplina que pretendiam lecionar e que não tivessem concluído programa de formação pedagógica.
Finalmente, o Conselho Estadual de Educação do Estado de São Paulo, por meio da Indicação n° 53/2005, de 14 de dezembro de 2005, apresentou orientação ao Sistema Estadual de Ensino do Estado a respeito da qualificação necessária dos docentes para ministrarem aulas de Filosofia, Sociologia, Psicologia, Matemática, Física, Educação Artística e disciplinas da Educação Profissional, tendo em vista a absoluta carência de docentes habilitados, à semelhança do Estado do Rio de Janeiro, observadas as exigências legais, função que caberá à Secretaria de Educação na qualidade de mantenedora das escolas do estado.
Vale lembrar que a Lei 9.394/96 – LDB, ao tratar dos profissionais de educação no seu Art. 61, estabelece:
“Art. 61 – A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos:
I – a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço;
II – aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e em outras atividades.”
O legislador deixou expressa na lei a figura da experiência prática associada à formação teórica, tratando-se de um princípio orientador para decisões concretas em situações diversas.
Os professores de fato são habilitados quando concluintes dos cursos de formação superior, quer de licenciatura ou não, que se capacitam a atuar em áreas do conhecimento; os primeiros, devidamente habilitados em suas licenciaturas e, os segundos, por meio do treinamento em serviço ou em programas de formação pedagógica.
Além da disciplina específica de sua licenciatura, o professor poderá ainda lecionar outras disciplinas que pertençam à mesma área de sua formação.
Não se tratando de professor habilitado, a autorização para lecionar dependerá da análise do currículo do interessado pela autoridade responsável no Sistema de Ensino, seja em estabelecimento privado ou a própria Secretaria de Educação, quando para escolas do Estado, que poderá criar formas alternativas de acesso, a fim de, em caráter emergencial, atender aos anseios da população.
Vivemos, portanto, ao contrário do que prega o discurso oficial,um processo de “desprofissionalização” do magistério. Finalmente, após longos cinco anos de solicitações e resistências, o próprio CNE colocou em sua pauta de discussões a discussão da Resolução nº 02/97, que permite aos graduados de qualquer área se licenciarem professores, mediante uma complementação pedagógica de 540 horas, das quais 300 horas como estágio.
Espera-se, com isso, que também seja revisto e revogado o item IV da Resolução, que cria os institutos superiores de educação e que estabelece como um de seus objetivos realizar “programas especiais de formação pedagógica, destinados a portadores de diploma de nível superior que desejem ensinar nos anos finais no ensino fundamental ou no ensino médio, em áreas de conhecimento ou disciplinas de sua especialidade, nos termos da Resolução CNE nº 02/97”.
É bom salientar que a carga horária estudada pelos alunos nas Licenciaturas que precederam a entrada nos “Programas Especiais”, nas disciplinas objeto da habilitação, foi considerada satisfatória pelos professores.
Na relação anexa, estão especificadas as cargas horárias das disciplinas estudadas pelos alunos, nas Licenciaturas que antecederam a entrada nos “Programas Especiais”. Pode-se verificar que é atendida a exigência legal de sólida base de conhecimentos na disciplina referente à habilitação pretendida.
Conforme dispõe a Resolução 02/97, compete à Instituição verificar a compatibilidade entre a formação do candidato e a disciplina para a qual pretende habilitar-se:
Resolução 02/97
“Art. 2º – …
Parágrafo único – A instituição que oferecer o programa especial se encarregará de verificar a compatibilidade entre a formação do candidato e a disciplina para a qual pretende habilitar-se”.
A mencionada Resolução enfatiza, ainda, sob o ponto de vista pedagógico, a necessidade de assegurar o caráter interdisciplinar e a integração de conhecimentos.
Ora, licenciados aceitos à época, antes que os Conselhos definissem normas restritivas, eram portadores de formação em área afim e intimamente ligada à habilitação oferecida nos “Programas Especiais…”.
Vale esclarecer que, a Resolução CNE/CP 02/97 tinha objetivo expresso de suprir a falta de professores habilitados em determinadas disciplinas e localidades, em caráter especial, procurando seguir a orientação presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN nº 9394/96, qual seja, a de proporcionar via de acesso ao magistério aos portadores de diplomas de cursos superiores distintos de licenciaturas.
Assim, esperar-se-ia que nas localidades onde existisse falta de professores habilitados em Química e Matemática, por exemplo, e houvesse engenheiros químicos e mecânicos pretendendo ingressar na carreira do magistério, seria possível proporcionar-lhes a via de acesso, habilitando esses profissionais para o magistério, inclusive para ingresso regular na carreira, por meio de concursos.
Tomava-se como pressuposto que os profissionais detinham sólida formação na disciplina em que desejavam atuar, adquirida em sua formação inicial, o que colaboraria para agregar qualidade à Educação Básica.
A referida resolução não deveria ser utilizada para justificar uma “via rápida” ou “alternativa” aos cursos de licenciatura, dado que seu objetivo era o de conferir habilitação equivalente àquela que legitima o ingresso na carreira do magistério (a licenciatura, de graduação plena), fazendo com que todos os professores tivessem acesso aos planos de carreira do magistério, extinguindo a exótica figura do professor leigo com diploma de nível superior ou até mesmo pós-graduação.
É certo que, além de ter possibilitado uma interpretação inadequada de “via rápida” para formação docente, a Resolução CNE/CP 02/97 acabou sendo utilizada, diferentemente da sua verdadeira intenção, para a “plenificação de licenciatura curta”, o que, sem dúvida, trata-se de outra forma inadequada de fazer uso dos seus dispositivos. A esse respeito, a resolução em tela está baseada no Parecer CNE/CP 04/97, o qual afirma
Enfocando este aspecto, faz-se necessário lembrar os problemas desencadeados com a instalação da licenciatura curta nos anos 70, que procurava também atender à falta de professores, mas produziu, e produz ainda, efeitos negativos sobre sua formação, tanto no que se refere à preparação nos domínios específicos das disciplinas científicas, quanto no pedagógico.”
Assim, os alunos com diplomas de licenciatura, curta ou plena, que ingressaram em programas de complementação pedagógica não satisfizeram os requisitos do quadro legal de referência.
Portanto o ato jurídico sob cujo manto foram realizados não é perfeito, decorrendo daí que seu certificado não gerou direito.
Este entendimento está alinhado não apenas com a norma expressa no Parecer CNE/CP 04/97, mas também com a jurisprudência que se firmou a partir do Parecer CNE/CES 741/99 e se fez presente em diversos pareceres, entre eles os Pareceres CNE/CP 26/2001 e CNE/CP 25/2002.
A LDBEN nº 9394/96 instituiu como graduação habilitadora dos profissionais da Educação Básica a licenciatura, de graduação plena (Art. 62, Art. 67 e Art. 87 – Art. 62.
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a ser oferecida em nível médio, na modalidade normal.
Oportuno esclarecer que o CNE normalizou essa formação, ao determinar que ela deve conferir habilitação específica em área própria, para a docência nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio (Resolução CEB/CNE 03/97, artigo 3°, III).
Se assim é para a formação regular, assim também deve ser para os programas especiais de formação docente, os quais devem conferir habilitação específica em área própria, para a docência nas séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio.
Embora não haja uma norma explícita para determinar quais cursos superiores de bacharelado (ou denominação específica) conferem sólida formação teórica a quais cursos de licenciatura, é razoável pensar que a comparação de históricos escolares seja feita e possa identificar conteúdos básicos comuns.
É lícito supor que um curso de Engenharia confira sólida formação teórica em matemática, por exemplo, mas ela poderá ser facilmente investigada a partir do estudo da trajetória do estudante.
Esta também será a justificativa de invalidar a participação de alunos já detentores do título de licenciatura, dado que obrigatoriamente já deveriam ter tido formação pedagógica, que seria redundante caso a repetissem no aludido programa especial.
Não será difícil concluir que a delegação de competência à instituição não lhe conferia poder para habilitar profissionais em áreas genéricas ou impróprias. Neste caso, há que se opor reconhecimento ao ato jurídico praticado e caberá à instituição comprovar, por ocasião do reconhecimento do curso, que sua prática não usurpou a autonomia que lhe fora conferida a pretexto do caráter emergencial que revestia a iniciativa.
Nelson Valente é professor universitário, jornalista, escritor e amigo inestimável
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Meu caro amigo Giba, boa noite!!!
Mais um excelente texto de Nelson Valente, gostei!!!
Neste país o que mais cresce é a deficiência, estamos crescendo em ritmo contrário!!!
Todas as coisas importantes e necessárias como, educação, saúde, saneamento… estão ficando ao Deus dará, ainda bem que Deus é bom conosco.
Parabéns pela excelente postagem!
Grande abraço e muita paz!!!