Evangelhos Apócrifos
Parte I
A Narrativa
Capítulo 1
Dúvida de Abraão sobre os ídolos
LIVRO DAS revelações de Abraão, filho de Therach e neto de Nachor, filho de Serug e neto de Reus, filho de Arphaxad e neto de Sem, filho de Noé e neto de Lamech, filho de Mathusalém e neto de Enoch, filho de Jared.
2 Nos dias em que eu burilava os deuses do meu pai Therach, bem como os deuses de Nachor, seu irmão, eu me perguntava quem seria o Deus forte, em verdade; eu, Abraão, naquele tempo indagava sobre a minha sorte, pois que eu estava a modelar os objetos de culto do meu pai Therach, com os seus deuses de madeira e pedra, de ouro e prata, de bronze e ferro.
3 Assim, um dia dirigi-me aos ofícios do templo; lá verifiquei que o deus de pedra Merumat estava caído e jazia aos pés do deus de ferro Nachom.
4 Diante desse espetáculo, perturbou-se o meu coração, pois eu considerava o meu pensamento que eu sozinho não tinha condições de recolocá-lo no seu lugar, pois que ele era feito de um grande e pesado bloco de pedra.
5 Assim, procurei o meu pai para dar-lhe notícia do ocorrido. Ele então foi contigo até lá.
7 Enquanto juntos o removíamos, para recolocá-lo no seu lugar, eis que se lhe despencou a cabeça, no momento em que eu a segurava.
9 Quando meu pai viu assim derrocada a cabeça de Merumat, disse-me: “Abraão!”
10 Eu respondi: “Aqui estou.”
11 Ele então falou-me: “Vai até em casa e traze-me um cinzel”. E eu lho trouxe.
12 Então ele esculpiu um outro Merumat, de outra pedra, mas sem cabeça; sobre ele então assentou a cabeça que se havia desprendido, e fez em pedaços o corpo do primitivo Merumat.
Capítulo 2
O destino dos deuses
1 Ele fez mais cinco outros deuses, e entregou-nos, incumbindo-me de ir vendê-los nas ruas.
2 Arreei o jumento de meu pai, e sobre ele os carreguei.
3 Assim, dirigi-me à estalagem para vendê-los. Comerciantes de Fandana, Síria, estavam de passagem por lá, dirigindo-se ao Egito, a fim de comprar papiro do Nilo.
4 Entrei em conversação com eles. Nesse momento, um dos camelos blaterou.
5 O asno levou um tremendo susto e saiu em disparada, jogando longe os deuses, e três deles quebraram-se, restando apenas dois inteiros.
6 Quando os sírios viram que eu trazia ídolos, falaram-me assim: “Por que não nos disseste que trazias ídolos? Pois nós os teríamos negociado, antes que o asno se espantasse com o grito do camelo. Assim, eles não se teriam danificado.
7 “Entrega-nos, pois, ao menos, os deuses restantes. Nós te ressarciremos pelo preço justo os que se quebraram, e preço igualmente justo pagaremos pelos que permaneceram intactos.”
8 Eu, porém, sentia-me profundamente perturbado em meu coração, por ter que levar ao meu pai o preço dessa venda.
9 Lancei os três que se quebraram no rio Gur, e eles mergulharam ao fundo. E já não mais existiam.
Capítulo 3
Reflexões de Abraão
1 Estando eu ainda a caminho, perturbava-se-me o coração e a minha mente ficou intranqüila.
2 No meu íntimo eu dizia assim: mas que má ação está o meu pai a cometer!
3 Não é ele muito mais o deus dos seus deuses? Pois eles são formados pelos seus cinzéis e tornos, produtos da sua arte. Pois, não deveriam eles adorar o meu pai, por serem nada mais do que obra grosseira das suas mãos?
4 Que espécie de engano existe, portanto, nas obras de meu pai?
5 Merumat caiu ao chão, e, no seu próprio templo, nunca mais pôde levantar-se; eu mesmo não consegui movê-lo, até que veio meu pai, quando então juntos o levantamos.
6 E sendo ainda fracas as nossas forças, despencou-se-lhe a cabeça. Meu pai então adaptou-a sobre outro ídolo de pedra, por ele confeccionado, sem cabeça.
7 Os outros cinco deuses foram maltratados pelo burro; eles não puderam nem por-se a salvo, nem fazer mal ao asno, embora este os tivesse arruinado; e nem emergiram do rio os seus cacos.
8 Eu disse no deu coração: sendo assim, como pode o ídolo Merumat do meu pai salvar a um homem, ou escutar a súplica de um vivente, ou valer-lhe de alguma forma, pois que inclusive possui a cabeça de uma pedra estranha sobre um corpo feito de outra?
Capítulo 4
Conversação de Abraão com o seu pai
1 Enquanto eu assim meditava, cheguei à casa de meu pai; dei água e feno ao jumento, tomei o dinheiro e entreguei-o a meu pai Therach.
2 Ao vê-lo, ele ficou satisfeito e disse: “Abençoado sejas, Abraão, pelos meus deuses, pois que trouxeste o preço da venda dos ídolos, não ficando em vão o meu trabalho.”
3 Eu falei a ele: “Meu pai Therach, escuta! os deuses são em verdade abençoados por ti, porque tu és deus para eles, pois tu os criaste. A bênção deles é muito mais maldição, e vã é a sua ajuda. Se eles mesmos não puderam ajudar-se, como poderiam auxiliar a ti, ou abençoar a mim?
4 “Eu fui de bom proveito para ti neste momento, pois por minha diligência trouxe-te o dinheiro dos ídolos despedaçados.”
5 Ao ouvir essas minhas palavras, ele encheu-se de profunda ira contra mim, pois eu pronunciara palavras graves contra os seus deuses.
Capítulo 5
Abraão zomba dos ídolos
1 Eu me afastei, refletindo sobre a ira de meu pai. Pouco tempo depois, ele me chamou: “Abraão!”
2 E eu disse: “Aqui estou.”
3 Ele falou: “Recolhe agora os cavacos da madeira da qual talhei deuses de pinho, enquanto estavas fora. Prepara-me com eles um almoço!”
4 Enquanto eu ajuntava os cavacos da lenha, encontrei no meio deles um pequeno ídolo, que jazia no cisco à minha esquerda, e trazia a seguinte inscrição na testa: “deus Barisat”.
5 Mas não falei a meu pai que encontrara entre o gravetos o deus de pau Barisat.
6 Quando coloquei os gravetos ao fogo para o preparo da comida de meu pai, e desejando afastar-me em procura do alimento, coloquei Barisat junto do fogo recém aceso, e disse-lhe:
7 “Fica atento, Barisat, para que o logo não se apague até a rainha volta! Se ele se extinguir, sopra-o, para que de novo arda!”
8 E assim, eu me afastei para realizar o que tencionava.
9 Na minha volta, encontrei Barisat caído de costas, com os seus pés mergulhados no fogo, e tremendamente queimado.
10 Vendo isso, desatei a rir, e disse de mim para mim: sim, Barisat, podes tranqüilamente alimentar o fogo e cozer o alimento.
11 Enquanto eu assim pensava e ria, ele se consumiu devagar na brasa e virou cinza.
12 Então levei o almoço para meu pai, e ele comeu.
13 Dei-lhe também vinho e leite; ele bebeu e ficou satisfeito e louvou o seu deus Merumat.
14 Eu falei a ele: “O pai Therach, não exaltes o teu deus
Merumat! Não o glorifiques de modo algum! Louva muito mais o teu deus Barisat! Ele atirou-se a si mesmo ao fogo para cozinhar o teu almoço; assim, pois, ele te ama muito mais.”
15 Perguntou-me meu pai: “Onde está ele agora?”
16 Eu respondi: “Ele ardeu em cinzas na labareda e converteu-se em pó.”
17 Ele falou: “Grande é poder de Barisat. Irei hoje confeccionar um outro, e amanhã ele preparará o meu almoço.”
Capítulo 6
A nulidade dos ídolos
1 Ao ouvir eu, Abraão, tais palavras de meu pai, não contive o riso no meu íntimo; e no fundo da alma suspirei com grande ira e indignação.
2 E falei: “Como pode enfim um artefato de meu pai, uma imagem feita por sua mão, prestar-lhe ajuda?
3 “Como pode ser assim? Deverá o nosso espírito submeter-se à irracionalidade e à tolice? Na realidade, o nosso corpo subordina-se à alma, e a alma subordina-se ao espírito!
4 Eu refletia: convém ter paciência com o mal. Mas eu desejo oriental o meu pensamento para o que é puro, e assim exporei claramente a meu pai o que eu penso.
5 Falei: “O pai Therach! Seja a quem for que possas demonstrar esse louvor divino, em qualquer caso, não és razoável na tua mente.
6 “Vê, os deuses do teu irmão Haran, que se encontram-no templo sagrado, são muito mais dignos de veneração do que os teus.
7″Considera bem, Zucheus, deus de teu irmão Haran, merece muito mais reverência do que o teu deus Merumat; àquele é feito de ouro, e por isso é tido em alto apreço pelo povo.
8 “Se ele envelhecer pelos anos, poderá ser refundido. Porém, se o teu deus Merumat se deteriorar, ou se quebrar, não poderá ser renovado; ele é feito de pedra.
9 “O mesmo acontece com o deus Joavan.
10 “O Barisat, por sua vez, ardeu no fogo, virou cinza, e já não existe mais.
11 E tu dizes: Vou hoje fazer um outro, que preparará amanhã o meu almoço’.”
12 Ele ficou completamente aniquilado.
Capítulo 7
O Deus incomparável
1 “Em verdade, mais digno de veneração que todas as imagens é o fogo, pois muitas coisas que de resto a nada se submetem, a ele se entregam. Os objetos facilmente perecíveis servem à derrisão de suas chamas.
2 “Todavia, ainda mais digna de veneração é a água, porque ela vence o fogo e também aplaca a sede da terra.
3 “Mas a esse ainda não chamo Deus; ela submete-se à terra, para a qual se inclina.
4 “Digo que mais digna de veneração é a terra, que sobrepuja; a natureza da água.
5 “Mas a ela também não chamo Deus, porque ela é ressecada pelo sol e serve às edificações do homem.
6 “Mais digno de veneração ainda que a terra digo que é o sol, pois com os seus raios ilumina o mundo universo.
7 “Mas nem a este eu chamo Deus, pois o seu curso é obscurecido pela noite e pelas nuvens.
8 “Nem a lua e as estrelas eu chamo Deus, porque, a seu tempo, no decurso da noite, perdem a sua claridade.
9 “Ouve isto, meu pai Therach, pois vou anunciar-te o Deus que tudo tem criado, não àqueles que consideramos corvo deuses!
10 “Onde está ele então? O que é ele? Quem deu o vermelho ao céu, ouro ao sol e claridade à lua e ás estrelas?
11 “Quem secou as terras no meio das muitas águas? Quem colocou a ti mesmo no mundo? Quem veio em meu socorro, na confusão do meu pensamento?
12 “Que Deus por si mesmo possa se nos revelar!”
Capítulo 8
Revelação de Deus
1 Enquanto eu falava essas coisas a meu pai, no pátio da minha casa, ouviu-se a voz de alguém que era muito forte, vinda do céu, em meio a um turbilhão de fogo, e chamou: “Abraão! Abraão!”
2 Eu respondi: “Aqui estou.”
3 Ele disse: “Tu procuras o Deus dos deuses, o Criador, no intimo de teu coração. Eu o sou.
4 “Afasta-te de teu pai Therach! Abandona a casa, para que também tu não encontres a morte nos pecados da tua casa paterna.”
5 Encaminhei-me para a saída. Não havia ainda chegado ao portão do pátio, quando aconteceu um tremendo estalo de trovão, com fogo caindo do céu, que queimou a meu pai, sua casa e tudo quanto nela se encontrava, até o chão a quarenta côvados de profundidade.
Parte II
Capítulo 9
Abraão deve oferecer sacrifícios
1 Veio então uma voz, dizendo-me por duas vezes: “Abraão! Abraão!”
2 Eu respondi: “Aqui estou.”
3 Ela falou: “Eu o sou. Não tenhas medo! Pois anteriormente aos mundos eu sou um Deus forte, que outrora criou a luz do mundo.
4 “Eu sou o teu escudo; eu sou o teu amparo.
5 “Vai, e separa para mim uma novilha de três anos, e uma cabra de três anos, uma ovelha de três anos, uma rola e uma outra pomba! oferece-me um sacrifício perfeito!
6 “Nessa oferenda, vou mostrar-te a idade do mundo e revelar-te-ei inúmeros segredos. Tu verás grandes coisas, tais que até agora nunca viste, porque suspiraste por mim, e eu te escolhi por meu bem-amado.
7 “Resguarda-te, porém, dos alimentos que procedem do fogo, da bebida de vinho e da unção do óleo, por quarenta dias!
8 “Só depois disso oferecer-me-ás o sacrifício, conforme te ordenei, no lugar que eu te indicar, no alto de uma montanha!
9 “Então eu te mostrarei a constituição dos tempos, criados por minha Palavra; depois, dar-te-ei conhecimento daqueles que ainda virão, e que hão de trazer o bem, ou o mal, às gerações dos homens.”
Capítulo 10
A aparição do Anjo
1 Enquanto eu ouvia a voz que me dizia tais palavras, eu olhava ora de um lado, ora de outro.
2 Não se percebia sequer a respiração de um homem, de sorte que muito me assustei no meu íntimo, e o meu espírito abandonou-me. Fiquei como que petrificado e caí ao solo, não possuindo mais forças para ter-me em pé.
3 E enquanto eu assim jazia com a face por terra, ouço falar a voz do Santo:
4 “Vai, Javel, em nome da minha força indizível! Levanta-me esse homem! Faze com que se recupere do seu pavor!”
5 Então veio a mim o Anjo, que Ele me mandava, com a semelhança de um homem; tomou-me pela mão direita, recolocou-me sobre os meus pés e disse:
6 “Abraão, ergue-te, ó amigo de Deus, que por ti mostrou predileção! Não te deixes mais subjugar pela humana angústia!
7 “Fui enviado a ti para te fortalecer, para abençoar-te em nome de Deus, criador do céu e da terra, Ele que tanto te amou.
8 “Tem coragem! Apressa-te para junto dele!
9 “Dele eu recebi o nome de Javel, e eu movimento tudo o que comigo existe no sétimo plano abaixo do firmamento. O meu poder procede desse nome indizível que está em mim.
10 “Cabe-me também impedir, segundo a Sua palavra, que os seres vivos querubínicos se lancem ameaçadoramente uns contra os outros; e aos portadores do Seu trono devo instruir no canto da sétima hora noturna dos homens.
11 “Cabe também a mim colocar Leviatã sob freios. As ameaças e os ataques daquele réptil estão sob a minha vigilância.
12 “Também a mim compete acabar com o Hades e exterminar aqueles que se fixam nos mortos.
13 “Sou também àquele a quem foi ordenado incendiar a casa de teu pai, junto com ele próprio, porque tributava adoração aos mortos.
14 “Fui agora enviado a ti para abençoar-te, e para abençoar a terra que para ti reservou o Eterno, a quem invocas-te; por amor à ti dirijo agora os meus passos sobre a terra.
15 “Abraão! Vamos! Anda sem temor! Alegra-te e exulta! Eu estou contigo, porque o Eterno preparou para ti uma glória sem fim.
16″Pois vai, e cumpre o sacrifício que te foi ordenado!
17 “Eu fui designado para estar contigo e com a geração que de ti procederá; e junto comigo abençoa-te também Miguel eternamente.
18 “Tem confiança! Vai!”
Capítulo 11
Companheiro de viagem de Abraão
1 Então, recuperando-me, eu vi àquele que me segurava pela mão direita, e que me havia posto sobre os pés.
2 Seu corpo assemelhava-se a uma safira, sua face a um crisólito, os cabelos de sua cabeça eram como a neve, o diadema de sua cabeça era como o arco-íris e sua vestimenta semelhante à púrpura; na sua mão direita portava um cetro.
3 Ele dirigiu-me a palavra: “Abraão!” Eu respondi: “Aqui estou eu, teu servo.”
4 Ele falou: “Não te assustes nem com o meu olhar, nem com as minhas palavras, para que não se perturbe o teu espírito.
5 “Agora vem comigo! Eu caminharei contigo, permanecendo visível até a hora do sacrifício; mas terminado o sacrifício, ficarei invisível para sempre.
6 “Anima-te, e vem!”
Capítulo 12
Viagem ao monte Horeb
1 Assim nós partimos, e juntos permanecemos durante quarenta dias e quarenta noites. Não comi pão, nem bebi água, porque o meu alimento era contemplar o Anjo que estava comigo, e a minha bebida era a sua palavra.
2 Assim chegamos à montanha de Deus, o Horeb famosíssimo.
3 Eu falei ao Anjo: “Ó tu, cantor do Eterno! Nenhuma oferenda eu trago comigo nem vejo sobre a montanha um altar. Como poderei eu aqui realizar um sacrifício?”
4 Falou-me ele: “olha ao teu redor!”
5 Então, voltando-me, vejo que por trás seguiam-nos todos os animais predeterminados para o sacrifício: a novilha, a cabra e a ovelha, a rola e a outra pomba.
6 Disse-me o Anjo: “Abraão!” E eu respondi: “Aqui estou.”
7 Falou-me: “Abate! Os animais do sacrifício parte-os em duas metades! Coloca-as lado a lado! As aves, porém, essas não ferirás.
8 “Confia as vítimas aos homens que eu te indicarei, quando aqui estiverem ao teu redor; eles constituem o próprio altar sobre a montanha, para oferecerem aqui um sacrifício ao Eterno.
9 “Dá-me entretanto a rola e a outra pomba! Vamos subir nas asas dos pássaros, para permitir que vejas o céu, a terra, o mar, os abismos, as entranhas da terra, o jardim do Éden, seus rios, enfim, o mundo inteiro, em sua órbita e sua plenitude; tudo haverás de ver.”
Capítulo 13
O sacrifício de Abraão
1 Eu tudo cumpri, de acordo com as palavras do Anjo, entregando aos anjos, que compareceram junto de nós, os animais esquartejados; os pássaros todavia foram tomados pelo Anjo Javel.
2 Entretanto, eu esperava pelo sacrifício vespertino.
3 Então pousou sobre os cadáveres um animal alado impuro, e eu o afugentei.
4 Falou-me então o animal impuro: “O que fazes tu, Abraão, nestas alturas sagradas, onde não se come nem se bebe, e onde não existe alimento humano algum, onde porem àqueles [anjos] destroem cada coisa pelo fogo e a ti mesmo hão de queimar?
5 “Abandona o homem que está contigo e foge! Porque, se ascenderes às alturas, ali eles te aniquilarão.”
6 Enquanto eu ouvia a voz daquela ave, falei ao Anjo: “O que significa isso, meu Senhor?”
7 Ele disse: “isto é a impiedade; isto é Azazel.”
8 Então ele disse ao pássaro: “Sobre ti caia o opróbrio, li Azazel!
9 “Pois a parte de Abraão está no céu, a tua porém está na terra.
10 “Se a está escolheste, e a ela preferiste para morada da impureza, o eterno e forte Senhor fez de ti um habitante da terra; e por teu intermédio acontece todo espírito mau da mentira, da ira e da discórdia, nas gerações dos homens sem Deus.
11 “Pois Deus, o Eterno, o Poderoso, não permitiu que os corpos dos justos fossem entregues às tuas mãos; somente através deles é que deveria ser assegurada a vida dos justos e a perdição dos impuros.
12 “Escuta, amigo! Tem vergonha diante de mim!
13 “Pois não possuís o poder de tentar a todos os piedosos.
14 “Afasta-te deste homem! Não poderás pervertê-lo, porque ele é teu inimigo, inimigo também de todos àqueles que te seguem e que amam aquilo que é do teu agrado.
15 “Pois olha, as vestes que foram tuas no paraíso, a ele foram reservadas, e a corrupção que era dele recaiu sobre ti.”
Capítulo 14
A eleição de Abraão
1 O Anjo falou-me: “Abraão!” Eu respondi: “Aqui estou, teu servo.”
2 Ele disse: “Saibas desde este momento que o Eterno te escolheu, Ele, a quem tu amas!
3 “Tem ânimo! Usa agora do poder, na forma como te ordeno, contra àquele que injuria a verdade!
4 “Sim, como poderia eu deixar de insultar àquele que espalhou pela terra os segredos do céu e que se rebela contra o Todo Poderoso?
5 “Dize-lhe: ‘Sejas tu o carvão aceso do forno sobre a terra! Vai-te agora, Azazel, para os campos desertos do mundo!
6 “A tua parte é o reinado sobre àqueles que contigo estão, àqueles que outrora nasceram com as estrelas e as nuvens; também sobre os homens que são a tua herança, que da tua existência procederam. Pois a prática da justiça é tua inimiga.
7 ‘Desaparece da minha presença, em nome da tua da nação!’.”
8 Eu então pronunciei as palavras do Anjo, conforme a sua instrução.
9 Depois ele falou: “Abraão!” eu disse: “Aqui estou, teu servo.”
10 Disse o Anjo: “Ah, e não lhe respondas de forma alguma! Pois Deus tem outorgado a ele o poder sobre àqueles que lhe respondem.”
11 Então o Anjo pela segunda vez me disse: “Não lhe dês resposta alguma, por mais que ele te dirija a palavra, para que não venha a sua vontade a prevalecer sobre ti!
12 “Foi-lhe dada pelo Deus eterno uma vontade forte. Não discutas com ele!”
13 Eu cumpri conforme o Anjo me ordenou, e, por mais que ele me tenha interpelado, não lhe retruquei nada absolutamente.
Capítulo 15
Viagem aérea de Abraão
1 E aconteceu que, ao pôr do sol, viu-se uma fumaça, como a fumaça de um forno.
2 Os anjos que se ocuparam com as partes do sacrifício subiram pela coluna fumegante do forno.
3 A mim o Anjo tomou com a sua mão direita e colocou-me sobre a asa direita da pomba; ele mesmo assentou-se sobre a asa esquerda da rola. Essas pombas não tinham sido abatidas e retalhadas.
4 Assim, ele transportou-me até os limites das chamas do fogo.
5 Então subimos nas alturas, como em meio a muitos ventos, em direção ao céu, que se fixava no alto do firmamento.
6 Nos espaços daquela altura, por onde subíamos, eu vejo uma luz poderosa, indescritível, e no meio da luz um fogo imenso, e dentro dele uma multidão, sim, uma grande multidão de figuras impressionantes, todas elas mudando constantemente de aparência e forma, e que caminham, se transformam, adoram, e pronunciam palavras que eu não entendo.
Capítulo 16
A visão de Deus
1 Eu falei ao Anjo: “Por que me trouxeste até aqui? Já nada mais posso enxergar, pois sinto-me enfraquecido, e o meu espírito abandonou-me.”
2 Disse ele: “Permanece junto de mim! Não tenhas medo! E aquele que agora percebes estar se aproximando de nós, clamando em alta voz ‘O Senhor é santo, santo, santo’, é o Eterno, que tanto amor revelou por ti.
3 “A ele próprio, contudo, tu não podes ver.
4 “Não deixes, todavia, que o teu espírito seja dominado pela fraqueza, diante dessa voz poderosa! Eu estou contigo, para te fortalecer.
Capítulo 17
1 Enquanto ele ainda falava, apareceu um fogo que nos envolveu, e no meio desse fogo uma voz, como a voz de muitas águas, semelhante ao bramido do oceano no embate das ondas.
2 O Anjo, juntamente comigo, inclina a cabeça em adoração.
3 Eu, porém, desejava precipitar-me de volta para a terra; o lugar elevado onde nos encontrávamos, ora permanecia a prumo, ora inclinava-se para baixo.
4 Ele falou: “Abraão adora, e profere o canto que eu te ensinei!” Já não havia mais terra à vista sobre a qual se pudesse cair.
5 Então, em adoração, pronunciei o canto que ele me ensinara.
6 Ele disse: “Fala sem interrupção!” E enquanto eu proferia o canto, ele mesmo o recitava junto comigo:
7 “Eterno, Poderoso, Santo, Deus, único Senhor!
8 “Tu, que por ti mesmo subsistes, irrefragável, imaculado, Inchado, Puro, imortal, Perfeito em ti mesmo, irradiante!
9 “Não gerado de Pai e Mãe, Sublime, Ardente, Único!
10 “Amante dos homens, Bondoso, Benigno, Zeloso comigo, em verdade Paciente!
11 “Eli, que quer dizer Meu Deus’, tu, o Eterno, Forte, Santo, Sabaot, tu, o Excelentíssimo, EI, EI, EI, EI, Javel!
12 “Tu és Aquele por quem a minha alma suspirava, ó Eterno, Protetor, Luminoso como o fogo! Tu, cuja voz é como o trovão e cujo olhar é igual ao raio, Onividente, que escutas as orações daqueles que te louvam, e que recusas os pedidos dos que criam obstáculos; obstáculos através de suas provocações.
13 “Tu, que eliminas o caos no mundo, a desordem do mundo corrompido, composto de bons e de maus! Pois tu renovas o mundo dos justos.
14 “O Luz, que antes da aurora brilha sobre as tuas criaturas, para que se faça dia sobre a terra!
15 “Na tua morada celeste outra luz não é necessária a não ser o brilho indizível da tua Face.
16 “Acolhe pois a minha oração! Alegra-te com ela, bem como com o sacrifício que tu mesmo preparaste através de mim, que a Ti procurava.
17 “Acolhe-me na tua Graça! orienta-me! Ensina-me! Revela ao teu servo as coisas todas, conforme a tua promessa!”
Capítulo 18
O trono de Deus
1 Enquanto eu ainda recitava o canto, levanta-se o logo que estava sobre a fortaleza.
2 Escutei uma voz semelhante ao rugido do mar, e ela não cessava em meio à abundância do fogo.
3 E quando o fogo, ascendendo ao alto, se afastava, vejo abaixo dele um trono ígneo, e em derredor dele seres de muitos olhos, executando àquele canto, e abaixo do trono quatro seres de fogo também cantavam.
4 A aparência deles era igual; cada um tinha quatro faces: uma era a de um leão, outra a de um homem, outra a de um louro, e outra a de uma águia.
5 Quatro cabeças assentavam-se sobre os corpos, de sorte que as quatro criaturas possuíam juntas dezesseis cabeças. Cada uma tinha seis asas, nos ombros, nos flancos, nas coxas.
6 As duas asas dos ombros cobriam as suas faces, as duas asas das coxas cobriam os seus pés, as duas asas do meio abriam-se para voar para a frente.
7 Quando terminaram o canto, olharam uns para os outros, e começaram a ameaçar-se.
8 Ao perceber que se ameaçavam entre si, o Anjo que me acompanhava deixou-me, e caminhou até eles, e desviou o Semblante de cada um daqueles seres vivos da face que lhes ficava de frente, de sorte que não pudessem mais ver mutuamente os seus rostos ameaça-dores.
9 Ele ensinou-lhes o Canto da Paz, que tem sua origem no Eterno.
10 Enquanto eu ali permanecia sozinho a observar, vejo atrás aqueles seres vivos um carro que possuía rodas de fogo, e cada roda era cheia de olhos no seu redor e sobre as rodas havia um trono, que eu olhava, e este era coberto de fogo, e fogo jorrava ao seu redor; era um fogo indescritível, um fogo multifário.
11 Ouço então a sua Voz santa, como sendo a voz de um homem.
Capítulo 19
A visão do céu de Abraão
1 E uma voz chegou até mim, bem do meio do fogo. Ela disse: “Abraão! Abraão!”
2 Eu respondi: “Aqui estou, Senhor!”
3 Ele falou: “Observa agora os planos abaixo do firma-mento em que te encontras! Vê, como em nenhuma das camadas, nem em parte alguma existe outro a não ser Ele, a quem procurava e que te distinguiu com o seu amor!”
4 Enquanto ele ainda falava, vejo abaixo de mim abrirem-se os planos, e contemplo o céu.
5 E no sétimo firmamento, em que eu me encontrava, vi um fogo vasto, e luz e orvalho, e uma multidão de anjos, e uma glória de esplendor invisível pairava sobre àqueles seres que eu via; e mais nenhum outro ser eu via ali.
6 Da montanha sobre a qual eu estava, olhei para baixo, para o sexto plano, e lá vi outra multidão de anjos, espíritos sem corpo, que cumpriam as ordens dos anjos de fogo, do sétimo firmamento, no qual, pairando sobre eles, eu me encontrava.
7 Neste firmamento não existiam outras Forças que tivessem outra forma a não ser a dos anjos de puro espírito, e que pudessem comparar-se à Força que eu vi no sétimo firmamento.
8 Então ele mandou que se removesse o sexto firmamento.
9 Nesse instante, eu vi, no quinto firmamento, como as potências estelares obedeciam às ordens; a elas pertenciam igualmente os elementos da terra.
Capítulo 20
Descendência de Abraão
1 O Eterno, o Forte, falou pára ruim: “Abraão! Abraão!”
2 Eu respondi: “Aqui estou.”
3 Disse Ele: “De cima, olha as estrelas que se encontram abaixo de ti! Conta-as para mim e dize-me o seu número!”
4 Eu disse: “Como posso fazer isso? Eu sou um homem de pó e cinza.”
5 Ele falou-me: “Semelhantemente ao número das estrelas, farei da tua descendência uma nação e um povo para mim, separados da herança que compartilho juntamente com Azazel.”
6 Eu disse: “Eterno, Forte, Único! Possa o teu servo falar na tua Presença! E não permitas que a tua ira se inflame contra o teu eleito!
7 Antes que me conduzisses para o alto, Azazel me injuriava.
8 Como então agora, não estando ele na tua Presença, entras em entendimento com ele?”
Capítulo 21
A visão da terra
1. Falou-me Ele: “Olha para o firmamento abaixo dos teus pés! Reconhece agora nesse plano a obra da criação, as criaturas que nela se encontram e o mundo que para elas foi preparado!”
2 Eu olho para baixo, e vejo seis céus e tudo o que neles se contêm, a própria terra e os seus frutos, e tudo o que sobre ela se move, os seus espíritos, e a força dos seus homens, e as ações ímpias das suas almas e suas obras boas, bem como o principio das suas ações, as regiões inferiores, e dentro delas a condenação, o abismo, suas penas.
3 Lá eu vi o mar e suas ilhas, os seus animais e seus peixes, o Leviatã, seu domínio, seu lugar, suas cavernas, o mundo que sobre ele se estende, sua agitação, e a ruína do mundo por causa dele.
4 Lá eu vi as correntes de água, suas fontes, suas curvas.
5 Lá eu vi o Jardim do Éden, suas frutas, a fonte do rio que dele brota, as árvores, suas flores, e os homens que procedem com justiça.
6 Nele eu vi também os abundantes alimentos e o bem-estar.
7 Eu vi igualmente uma grande multidão de homens, mulheres e crianças, estando a metade à direita e metade à esquerda da visão.
Capítulo 22
O povo escolhido
1 Eu falei: “ó Eterno, Forte, Único! O que significa esse quadro das criaturas?”
2 Disse-me Ele: “isso é o decreto da minha vontade sobre os viventes; assim agradou aos meus olhos; a partir desse momento, ordeno-lhes pela minha Palavra.
3 “Foi assim que determinei desde o princípio para o ser, e que desde sempre esteve projetado na imagem que estava diante de mim, anteriormente à sua existência, imagem essa que agora acabaste de ver.”
4 Eu disse: “Poderoso, Furte, Eterno!O que é a multidão desse quadro, uns de um lado e outros de outro lado?”
5 Ele falou-me: “Os do lado esquerdo são a massa das gerações anteriores e das que ainda depois de ti virão; uns deles são destinados ao julgamento e à renovação, outros à vingança e à perdição, no fim do mundo.
6 “Os do lado direito são o povo que eu me reservei dentre os povos que a Azazel pertencem.
7 “Eles constituem o povo que determinei que haverá de nascer de ti, e que trará o nome do meu povo.”
Capítulo 23
Queda em pecado de Adão
1 “Agora, volve-te mais uma vez para a visão, e olha quem foi aquele que outrora desencaminhou Eva, e o que foi o fruto da árvore! Também deverás saber o que será da tua geração e do teu povo, e o que ainda lhe acontecerá no fim dos tempos!
2 “E aquilo que não consegues entender eu te revelarei; pois tu és muito agradável aos meus olhos. Eu desejo dizer-te o que eu guardo aqui no meu coração.”
3 Eu olhei de novo para a visão, e os meus olhos percorriam o Jardim do Éden.
4 Lá eu vi um homem, muito grande e sobremodo robusto, de aparência incomparável, abraçando uma mulher, que ao homem se igualava em aparência e porte.
5 Ambos estavam sob uma árvore do Éden, e o fruto dessa árvore se assemelhava a uma uva vinífera; e atrás da árvore encontrava-se um ser parecido com uma serpente, e possuía mãos e pés como um homem, e asas nos ombros, seis na sua direita e seis na sua esquerda.
6 Eles seguravam as uvas em suas mãos, e ambos delas comiam, enquanto se abraçavam, segundo eu vi:
7 Perguntei: “Quem são àqueles que mutuamente se abraçam? E quem é aquele que junto deles se encontra? E que fruta é essa que eles consomem, ó Eterno, Forte, Único?”
8 Ele falou: “isso é o mundo dos homens, e aquele é Adão, e aquilo é o seu apetite sobre a terra.
9 “E aquela é Eva. Aquele porém que entre ambos se encontra significa a ausência de Deus; a sua ousadia termina em perdição, em Azazel.”
10 Eu falei: “Eterno, Forte, Único! Porque a ele um tal poder, a ponto de levar à ruína a raça humana em suas fibras sobre a terra?”
11 Ele disse-me: “Os que desejam o mal — quanto odeio isso naqueles que o praticam — a esses eu entreguei no poder dele, obrigando-se eles a amá-lo.”
12 Eu falei: “Eterno, Forte, Único! Por que tu quiseste que no coração dos homens o mal fosse tão desejado?
13 “Encolerizas-te com aquilo que desejaste, com aquele que pratica o que nenhum proveito traz à tua criação.”
Capítulo 24
Espelho do mundo
1 Ele falou-me: “Encolerizo-me com as nações por tua causa, e pior causa do teu povo, que depois de ti será segregado e que, tal como vês na imagem, é oprimido por um peso.
2 “Assim, eu te revelo aquilo que virá, o muito que ainda acontecerá nos últimos dias.
3 “Observa agora tudo isso na visão.”
4 Eu olhei atentamente, e lá eu vi o que existiu antes de mim na criação.
5 Eu vi Adão, e junto dele Eva, com eles também os pérfidos adversários; e Caim, que através do Adversário cometeu o delito; e o Abel assassinado, e a desgraça que aquele sobre-veio através do infame.
6 Lá eu vi também a impudicícia e aqueles que a procuravam, a poluição e o desejo dela, bem com o fogo da iniqüidade nas partes mais profundas da terra.
7 Lá eu vi o latrocínio, e àqueles que o cometiam, bem como a aplicação do seu castigo, e sua sentença na grande corte do julgamento.
8 Então eu vi homens nus, como suas faces voltadas umas contra as outras, e suas vergonhas, sua paixão mútua e seu castigo.
9 Eu vi também os cobiçosos, portando em sua mão o título de cada transgressão; o seu silêncio, a sua solidão, entregues a desgraça.
Capítulo 25
Espelho do mundo
1 Ali eu vi a imagem do ídolo da cólera, semelhante às obras talhadas em madeira, fabricadas por meu pai.
2 Sua estátua era um bronze reluzente, e diante dele um homem em adoração; e em frente um altar, tendo por cima um menino degolado, na presença do ídolo.
3 Eu perguntei: “Que espécie de ídolo é este? O que é enfim o altar? Pois a sua beleza se parece com o esplendor que se encontra sob o teu trono.
4 “O que é o templo que estou vendo, tão magnífico em arte? Pois a sua beleza se parece com o esplendor que se encontra sob o teu trono.”
5 Ele falou: “Ouve, Abraão! Aquilo que estás vendo, o Templo,o altar, a magnificência, representam para mim o Santuário erigido em nome da minha glória, onde se recolhem todas as orações dos homens, bem como o aparecimento de reis e profetas, e tudo o que determino em matéria de sacrifícios para o meu povo, que de ti haverá de proceder.
6 “Todavia, a estátua que viste, é a minha cólera, à qual me incita o povo que nascerá de ti.
7 “Contudo, o homem que viste como o degolador é aquele que incita aos sacrifícios criminosos; tudo isso é um testemunho do Juízo Final, já no início da criação.”
Capítulo 16
A predestinação
1 Eu falei: “Eterno, Forte, Único! Por que motivo dispuseste que tudo assim deveria ser? E agora tudo tornas manifesto.”
2 Ele falou-me: “Ouve, Abraão! Entende o que eu vou te dizer! Responde-me quando eu te perguntar!
3 “Por que o teu pai não prestou atenção à tua voz e não abandonou a diabólica idolatria, até que ele pereceu, e com ele toda a sua casa?”
4 Eu respondi: “Eterno, Forte, Único! isso aconteceu por não ter ele nenhuma intenção de dar-me ouvidos; eu, por meu lado, também não aceitei as suas obras.”
5 Ele então disse-me: “Escuta, Abraão! Assim como a vontade do teu pai está nele, e como está em ti a tua, assim está em mim a determinação da minha Vontade, preparada para todo o tempo futuro, antes que tu a conheças e antes que vejas o porvir com os teus olhos.
6 “Na visão podes constatar o que será daqueles que procederão do teu tronco.”
Capítulo 27
A história de Israel
1 Eu olhei e vi. Aquela imagem começou a movimentar-se, e do seu lado esquerdo saiu a população dos pagãos, que assaltaram aos do lado direito, homens, mulheres e crianças. A uns eles degolavam, a outros faziam prisioneiros.
2 Eu vi corno se precipitavam na direção deles, procedentes de quatro portões, e corno eles incendiavam o Santuário, e dentro dele saqueavam os objetos sagrados.
3 Eu falei: “Eterno, Único! O povo que de mim se originou, e que tu acolheste, será espoliado pelas hordas dos pagãos.
4 “Uns os matam, outros os prendem como a estranhos. Lançam fogo ao Santuário, roubam e destroem os objetos preciosos do seu interior.
5 “Eterno, Forte, Único! Cessem agora as obras da maldade, realizadas com fúria nefanda! Mostra-me agora, de preferência, aqueles que cumprem o que mandaste, em obras de justiça! Pois isso está em teu poder.”
6 Ele falou-me: “O tempo da probidade acontecer-lhes-á por primeiro, através do exemplo de reis e homens piedosos. De antemão eu os criei, predeterminando que alguns deles os governem.
7 “Mas destes sairão também homens que só pensarão em seu proveito próprio. Foi isso que eu te mostrei, e foi isso que viste.”
Capítulo 28
O tempo do mundo
1 Eu disse: “Forte, Eterno, Único! Santo pela tua própria força!
2 “Ouve com clemência a minha súplica! — Foi por isso que até aqui me trouxeste —. Dá-me pois esclarecimento!
3 “Pois que me transportas-te para as tuas alturas, revela a mim, teu predileto, tudo quanto eu possa perguntar-te. Acontecerão ao longo do tempo essas coisas que eu vi?”
4 Ele então mostrou-me a massa do seu povo, e disse-me: “Através dos quatro portões que vês, serei por eles provocado, e assim também por suas ações acontecerá a minha vingança.
5 Pois do lado do quarto portão, de cem anos e de uma hora dos mundos — está mesma corresponde a cem anos — há de reinar a desgraça por obra dos pagãos.”
Capítulo 29
As horas dos mundos
1 Eu disse: “Eterno, Poderoso, Único! E a quanto tempo corresponde uma hora dos mundos?”
2 Ele disse: “Determinei doze horas para esse período do mundo perverso, que deverá instalar-se no reino dos pagãos e na tua própria descendência. Da forma como vês, assim será até o fim dos tempos.
3 “Calcula e compreende! observa a visão!”
4 Eu olhei, e vi um homem, procedente do lado esquerdo dos pagãos; homens, mulheres e crianças saíam do mesmo lado, grandes multidões, que a ele prestavam adoração,
5 E vejo ainda: muitos vinham do lado direito, e alguns deles injuriavam àquele homem e outros o golpeavam; outros porém o adoravam.
6 Eu vi como estes o adoravam. Então Azazel se aproximou e o adorou, e beijou a sua face; depois andou-lhe à volta e postou-se atrás dele.
7 Eu falei: “Eterno, Poderoso, Único! Quem é àquele homem insultado e golpeado, que recebeu a adoração também dos pagãos e de Azazel?”
8 Ele falou: “Escuta, Abraão! O homem que viste, injuriado e batido, e depois adorado, é a trégua que será concedida pelos pagãos ao teu povo, naqueles últimos dias, nessas doze horas da era dos ímpios.
9 “Porém, no duodécimo ano do final dos tempos por mim estabelecido, eu colocarei em evidência esse homem da tua geração, que viste sair do meu povo.
10 “A ele seguirão todos àqueles que em suas mentes se convertem, e eles haverão de unir-se, de acordo com o que estabeleci.
11 “Tu viste que muitos saem do lado esquerdo da imagem; eles dão a entender que muitos dentre os pagãos têm esperança nele.
12 “E aqueles da tua descendência que viste, do lado direito, uns espancando-o e maldizendo-o, outros adorando o homem, significa: muitos escandalizar-se-ão com ele.
13 “Ele, no entanto, provará os da tua geração que o adoram, naquela duodécima hora do final, para abreviar o tempo da impiedade.
14 “Antes que comece o florescimento do tempo da piedade, virá o meu julga-mento sobre os pagãos sem lei, através do povo da tua descendência, que reservei para mim.
15 “Naqueles dias, manda-rei sobre todas as criaturas da terra dez pragas, através da desgraça, doenças, aflições do coração.
16 “Assim, por causa da iniqüidade e da corrupção da criação, que provocaram a minha ira, muitas coisas farei recair sobre todas as gerações dos homens.
17 “Da tua geração sobrarão homens piedosos, em número que conservarei em segredo; eles então, em nome da minha majestade, ocuparão o lugar que previamente lhes preparei, e que viste vazio no quadro.
18 “Eles viverão e se fortalecerão, através de sacrifícios e de duns de justiça e verdade, na era dos piedosos.
19 “Alegrar-se-ão sempre em mim; destruirão aqueles que os destruíram, insultarão aqueles que os injuriaram.
20 “E hão de cuspir no rosto daqueles que outrora os caluniaram, e destes mesmos na verdade eu também zombo. Eles olharão a minha Face e alegrar-se-ão com o meu povo, e acolherão lodos aqueles que, arrependidos, voltarem para mim.
21 “Fica atento, Abraão, ao que viste, e considera o que ouviste!
22 “Discerne o que reconheceste! Volta agora para a tua herança! Eu estarei contigo para sempre.”
Capítulo 30
As dez pragas dos pagãos
1 Enquanto ele ainda falava, eu já me encontrava sobre a terra.
2 Eu disse: “Eterno, Forte, Único!
3 “Já não estou mais na glória em que estive lá no alto, e aquilo que o meu coração procurava entender, não entendi.”
4 Ele falou-me: “O que tanto desejavas em teu coração eu te explicarei, pois grande foi a tua vontade de ver as dez pragas que preparo para o mundo dos pagãos, tendo-as previsto com antecedência, para o decurso das doze horas sobre a terra.
5 “Escuta! O que te antecipo ocorrerá da forma seguinte: a primeira praga será a desgraça de uma grande estiagem, a segunda a virulência do fogo em muitas cidades, a terceira, terríveis epidemias dos animais, a quarta, fome do mundo e do seu povo, a quinta, a desordem entre os governantes, terremotos, a espada.
6 “A sexta, massas de granizo e de neve, é sétima, o sepultamento como o de animais selvagens, a oitava, troca destruição pela fome e pela peste; a nona, o castigo da espada e a retração na miséria, a décima, trovões, vozes e arrasadores.”
Capítulo 31
O julgamento do mundo
1 “Então, das nuvens eu tocarei as trombetas e enviarei o meu escolhido, que traz consigo todo o meu poder, em medida igual.
2 “Ele então chamará de todas as nações o meu povo pisoteado, e eu aniquilarei pelo fogo os seus detratores como seus dirigentes neste mundo.
3 “Hei de entregar ao escárnio, nos tempos vindouros, todos aqueles que me cobriram de zombaria.
4 “Pois eu os destinei para alimento .do fogo do inferno, e para isso, considerando que eles circulam sem cessar pelos ares, enchi os seus corpos de vermes naquele mundo subterrâneo.
5 “Neles será reconhecida a justiça do Criador, por lodos aqueles que escolheram a minha vontade e por todos aqueles que conservaram vivos os meus mandamentos.
6 “Estes exultarão e se rejubilarão com a ruína dos homens que me abandonaram, e que correram atrás de ídolos e de suas iniqüidades.
7 “Eles deverão apodrecer no corpo do verme maligno Azazel, e pelo fogo da língua de Azazel serão queimados.
8 “Eu ainda esperava que eles voltassem para mim; mas não me tributaram o seu amor.
9 “Louvaram muito mais ao Estranho, aderindo aquele a quem não estavam destinados.
10 “Assim, eles abandonaram o Senhor poderoso.”
Capítulo 32
Escravidão de Israel no Egito
1 “Portanto, Abraão, presta agora atenção e olha! Caminha contigo a tua sétima geração.
2 “Eles vão para a terra estranha; lá serão feitos escravos e contra eles será praticado o mal, mesmo que seja apenas por uma hora dos tempos maus do mundo.
3 “Eu, porém, julgarei àquele povo a que eles servem como escravos.” Fim