Fundador da gigante do software se aposenta nesta sexta-feira e deixa um legado de inovação na indústria de tecnologia. Microsoft, porém, não vive sua fase mais vibrante
Por Camila Fusco
EXAME
Foram mais de 30 anos à frente da maior empresa de software do mundo. Criador de um império de cerca de 50 bilhões de dólares, 78 000 funcionários em 105 países, Bill Gates deixa o dia-a-dia da Microsoft nesta sexta-feira (27/06), seguindo os planos de aposentadoria que anunciou em junho de 2006.
Gates, como se sabe, vai se dedicar à Fundação Bill & Melinda Gates, criada há oito anos para atuar em projetos filantrópicos nas áreas de saúde e educação. O executivo, porém, permanece como presidente do conselho da empresa e continua envolvido em projetos definidos pelo CEO, Steve Ballmer, e pelo time gerencial da Microsoft.
“A saída de Bill Gates será mais simbólica do que efetiva para a empresa, ao passo que há dois anos ele já preparava uma transição bem sedimentada de comando para Ballmer. Mas sob o aspecto da presença dele no mercado de tecnologia esta é uma mudança e tanto. Microsoft é sinônimo de Bill Gates e vice-versa. Ele foi, sem dúvida, um dos homens mais influentes da segunda metade do século 20”, diz Laura Didio, analista-sênior e líder de pesquisas do Yankee Group.
William H. Gates II nasceu em 1955 em Seattle, estado de Washington. Filho de pai advogado e de uma professora universitária, descobriu a vocação para a programação de computadores aos 13 anos. Diz a história que ele desenvolveu seu perfil inovador a partir dessa idade e muitas vezes quando sua mãe o chamava para jantar junto com as duas irmãs ele respondia que “estava pensando”. Passava pela cabeça do jovem Bill formas de resolver jogos de estratégia, o que ajudou a desenvolver sua forma astuta de criar e negociar.
A disposição em aceitar os riscos – como aqueles dos jogos de estratégia da adolescência – continuou característica de Gates e tomou sua forma mais profunda quando ele decidiu abandonar o curso na Universidade Harvard para apostar em um projeto incerto e pouco palpável para a época: criar uma empresa de software. Foi na universidade, em 1973, que conheceu Steve Ballmer, o atual CEO da Microsoft, e desenvolveu uma versão da linguagem de programação BASIC para o primeiro microcomputador, o Altair 8800. Gates acreditou que ali existia uma oportunidade de negócio e dois anos depois, deixou Harvard para dedicar suas energias à novata Microsoft junto com Ballmer e com o amigo de infância Paul Allen.
Embora para muitos a decisão de deixar parecia absurda, a iniciativa de Gates se mostrou acertada três anos depois, quando a Microsoft faturou seu primeiro milhão de dólares. “Ele foi um dos primeiros a reconhecer que a programação de códigos poderia virar um negócio independente no futuro. Naquela época em que a Microsoft nasceu (1975), o software ainda era algo atrelado às máquinas em que rodavam. Gates acreditava que era possível criar um software para diferentes computadores em um momento em que a maioria pensava no contrário. É inegável que ele foi um dos principais impulsionadores da indústria de software”, afirma Paul Degroot, analista da consultoria norte-americana Directions on Microsoft, especializada na empresa.
A habilidade de Gates negociar com parceiros também foi fundamental para a história de crescimento da Microsoft, a começar pelo contrato fechado com a IBM, em 1981, que resultou na inclusão do sistema operacional MS-DOS 1.0 nos PCs da empresa. Ao longo do tempo, parcerias com praticamente todos os fabricantes de computador do mundo todo para embutir o sistema operacional Windows em suas máquinas deram à Microsoft liderança absoluta, que hoje detém 90% desse mercado.
Um homem, uma cultura
Bill Gates nunca foi um show man. Embora seu nome por si só já movesse legiões de aficionados por tecnologia para suas palestras – especialmente por sua genialidade e pelas contribuições inovadoras da empresa que criou –, nunca foi o mais carismático entre os presidentes de empresas de TI. Sempre manteve o perfil “geek” de sempre, ou seja, do garoto de poucas palavras fanático por descobrir o que há de novo em tecnologia.
Mas essa falta de espírito pop-star, característica de outros nomes da indústria como Steve Jobs, da Apple, ou Larry Ellison, da Oracle, em nada atrapalhou a construção do espírito Microsoft entre seus funcionários. A disseminação do espírito de busca pela inovação, que é o que Gates atribui à Microsoft, veio não apenas por marketing interno, mas pelo exemplo de que é possível chegar a essa inovação com a mão na massa.
“Bill Gates poderia ter se aposentado ou se afastado há muito tempo do dia-a-dia corporativo. A Microsoft é uma empresa auto-sustentável e lucrativa e não havia necessidade de ter a presença do executivo todos os dias. Mas ele queria e fazia isso por prazer, acreditava que inspirava os engenheiros”, diz Degroot.
A Microsoft foi uma das primeiras empresas a também adotar o modelo de opções de compras de ações para os funcionários. A companhia abriu o capital em março de 1986 e o boom no mercado de software resultou em valorização expressiva nos papéis ao longo do tempo, suficiente para enriquecer boa parte deles. No entanto, seguindo o modelo de Gates, a maioria preferiu permanecer na empresa.
“Costumamos a dizer que em 1999 a Microsoft era uma das empresas com maior número de voluntários do mundo, ao passo que já era grande o número de funcionários que estavam ricos por causa das ações, mas que trabalhavam por acreditar que a empresa poderia atingir mais. Bill Gates tem papel fundamental nisso”, complementa.
Fase de transição
Em um vídeo apresentado na última feira Consumer Electronic Show, em janeiro desse ano em Las Vegas, Bill Gates apresentou um vídeo divertido sobre como seria seu último dia na Microsoft e sobre seu futuro como aposentado. Diversas personalidades, de Bono Vox, vocalista do U2, ao cineasta Steven Spielberg e ao candidato democrata Barack Obama participaram do vídeo estimando como seria o momento de Gates deixar o dia-a-dia da corporação.
Mas o cenário divertido do vídeo de homenagem não reflete exatamente a realidade da Microsoft, neste momento em que Bill Gates deixa a companhia. A Microsoft acaba de sair de um processo desgastante e falho de compra do Yahoo, por cerca de 48 bilhões de dólares e tem se debatido para acelerar suas iniciativas na área de internet, onde enfrenta o pesado concorrente Google. Além disso, o modelo de software como serviço, em que o usuário paga uma assinatura mensal para acessar seus programas via internet, desafia a venda de licenças, pelo qual a internet enriqueceu.
“Nesse momento em que o navegador de internet é computador, a Microsoft precisa se reinventar É um dos momentos de maior fragilidade pelo qual a empresa já passou”, diz Adam Braunstein, analista sênior da consultoria norte-americana Robert Frances Group. O Microsoft Office Live, pacote de produtividade que a empresa ofereceu no modelo de assinatura e fornecimento via internet é o primeiro passo para a empresa nessa área, que nem de longe está perto de pioneiras nesse modelo, entre elas a Salesforce.com, que inaugurou praticamente a cultura do software como serviço com seus sistemas de gestão de relacionamento com o cliente.
Além da concorrência com o Google e do desafio de se consolidar nessa era em que a internet ganha importância considerável no dia-a-dia do usuário, a Microsoft tem como desafio continuar inovando em seus próprios softwares. O tão aguardado Windows Vista, lançado em 2006, não conseguiu emplacar tanto por aspectos técnicos – como a grande demanda por hardware – quando por não trazer atrativos suficientes para desbancar seu antecessor, o Windows XP. É tarefa para a Microsoft como conseguir sendo ícone em inovação em software, dizem os especialistas.
Aspectos de sucessão também recaem sobre a empresa. Neste momento em que a Microsoft se questiona por quais caminhos deve seguir para sustentar suas receitas, questiona-se também se Steve Ballmer é o melhor para liderar a companhia e dar o fôlego inovador que a empresa necessita. A amizade de Ballmer e Gates tem mais de 30 anos, praticamente a duração da Microsoft e todas as decisões estratégicas sobre o rumo da empresa deverá continuar sobre o crivo de Gates, que continua como presidente do conselho. A impressão que se tem é que muito pouco vai mudar se Ballmer continuar como CEO.
São poucas as respostas que existem para tamanhas dúvidas sobre o futuro da Microsoft. A empresa continuará dominando o mercado de sistemas operacionais daqui a dez anos? Conseguirá melhorar o posicionamento no mercado de internet? Não há exatidão em qualquer uma dessas questões. O que se sabe é que não são poucos os desafios e que, mais do que nunca, as circunstâncias o mercado, a importância da internet e as necessidades dos usuários começam a incomodar o gigante, que muito tempo caminhou sossegado.
Fonte: Portal Exame