Josimar Álvaro dos Santos
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Sei que é difícil de entender e até mesmo de aceitar que um pastor que alcançara muitas vidas para Jesus, agora apareça negando tudo aquilo que outrora pregava. Quero deixar claro que ninguém faz isso porque acha legal negar as coisas. Jamais quis ser repudiado por meus amigos e admiradores. Não acordei numa bela manhã de sol e decidi me tornar um agnóstico, foi um processo difícil! A cada descoberta ou a cada desconstrução produzida nesta busca, eu sentia um aperto no peito ao mesmo tempo que tal conhecimento me deslumbrava.
Muitos religiosos quando são confrontados com novos pensamentos, decidem fechar os olhos para não perderem o que construíram até o momento. Nas faculdades teológicas denominacionais, para que os alunos não sejam despertados ao conhecimento secular e ao livre pensamento, dificulta-se a leitura de livros progressistas e “liberais” afirmando que tais literaturas são perigosas e heréticas.
Minha conversão ao protestantismo se deu pelo intenso desejo da verdade. Sempre desejei ter encontrado na Igreja Presbiteriana a mais pura das verdades. Nunca fui desonesto com minha igreja devido minhas dúvidas em relação a algumas questões. Dúvidas todos temos e muitas delas não manifestamos para não colhermos os frutos amargos de árvores fundamentalistas.
Acreditei com devoção em tudo que pregava. Desejava intensamente formar uma igreja verdadeiramente bíblica, que honrasse a Deus em sua prática, mas, infelizmente, nunca consegui tal proeza. A igreja nunca se permitiu ser pastoreada de fato e sua liderança nunca esteve à altura de seu próprio discurso. Uma prova disso é a sede de sangue que algumas delas demonstraram possuir ao promoverem uma matéria repugnante contra mim num jornal da cidade e, como se não bastasse, distribuir panfletos pela cidade com o mesmo conteúdo.
Sofri muito ao tentar construir uma igreja minimamente decente. Poucos eram os membros dispostos a isso, os quais sempre agasalharei em meu coração, mesmo que me desconsiderem hoje.
Minhas decepções com a igreja me fizeram retomar a busca pelas respostas das questões polêmicas dos tempos de faculdade e de outras que foram surgindo durante minha vida pastoral. Foi então que conheci Nietzsche, filho e neto de pastor. Um filósofo que conhecia profundamente a bíblia e a teologia. Nietzsche me apresentou respostas consistentes e libertadoras através do seu O Anticristo e o Humano demasiado humano, que me salvaram do medo e da insegurança. Depois dele vieram outros como Schopenhauer, Bertrand Russell, Sócrates, os pré-socráticos e muitos outros. Até mesmo nossos contemporâneos, Richard Dawkins e Michel Onfray têm me influenciado muito. Claro que foram leituras muito superficiais, mas suficientes para trazerem respostas que não adquiri durante meus anos de leituras religiosas.
Alguns grupos também foram importantes nesse processo de mudança. O grupo irreligiosos, a LiHS (Liga Humanista Secular) e o The Clergy Project (Projeto Clero), criado pela Freedom From Religion Foundation e a Fundação Richard Dawkins. Todos tiveram um papel fundamental em minha vida nesse recomeço.
Desculpem-me pela sinceridade, mas cansei-me de servir uma igreja que ostenta ideais calvinistas, que crê na dupla predestinação, uma doutrina que afirma que Deus cria algumas pessoas já predestinadas ao inferno e outras ao céu. Numa definição simplista, que somos seres desprovidos de escolhas, incapazes de tomarmos nossas próprias decisões. Uma teologia que diz que o ser humano faz tudo o que Deus já predeterminou e nada mais. Não deixando espaço algum para o livre arbítrio. Me cansei de buscar uma explicação para isso. Não posso conceber a ideia de um deus que cria seres pensantes para proibi-los de pensar, criativos para proibi-los de criar e com corações para proibi-los de amar como bem entenderem. Não posso mais me alimentar de conceitos que subestimam a inteligência humana e que condenam aqueles que simplesmente balbuciam algumas contestações.
Estou enfastiado desse pensamento que julga como maior pecado o espontâneo ato de duvidar. Nunca olhei para a dúvida como sendo pecado, apenas como um ato de prudência e sobriedade. Posso afirmar que em minha caminhada como religioso nunca encontrei pecado mais malévolo que os dogmas. O dogma é o pai da intolerância, o fomentador de discórdias e guerras.
Sei que existem correntes que acreditam no livre arbítrio, mas isso só piorou minha situação. Não conseguia entender a bíblia apresentando um deus diferente a cada escorregar de versículos. Quem estuda a bíblia sabe do que estou falando. Em toda sua extensão ela apresenta um deus camaleão, que muda de “cor” conforme muda o agente do discurso.
Me indigna o fato de todas as denominações religiosas afirmarem que detêm a prerrogativa da verdade absoluta sobre a vida. Hoje as vejo como uma casa de almas pobres e ignorantes, que não conseguem ver que a única verdade absoluta é que não há verdade absoluta ao alcance dos nossos olhos. Se existe uma teia de pensamentos absolutos sobre a vida, ela transcende ontologicamente.
No divino retratado pelo humano, Hegel já dizia que este tem em sua natureza contradições, que está constituído de duas forças que determinam movimentos de direções opostas que existem ao mesmo tempo e resultam em um terceiro movimento de uma nova direção. É o problema da dialética da teodicéia, onde encontramos uma tese e uma antítese. A tese bíblica afirma que Deus é absolutamente bom em sua natureza, que não há maldade em seu pensamento, nem pecado em suas atitudes e que jamais criaria o mal. Também sustenta que ele é um ser onipotente, onisciente e onipresente, e que nada acontece no mundo senão pela sua soberana vontade. A antítese contrapõe esse argumento, deduzindo que, se tudo que existe, só pode existir pelas mãos de Deus, então Deus criou o mal e se não deseja eliminá-lo, ele próprio é mau. Mas como já dizia Hegel, duas proposições contrárias não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Uma proposição precisa ser eliminada, pois elas se contrapõem. Um novo movimento de uma nova direção se faz necessário diante desse dilema e é claro que esse novo movimento precisa ser construído fora do mundo bíblico e religioso.
Este nó, que os teístas judaico-cristãos não conseguem desatar é mais uma prova que o ser humano é incapaz de definir deus e seus atributos e que a bíblia, efetivamente, reverbera suas antinomias. Habacuque que o diga! Em Hc.1:13 ele deixa transparecer seu conflito quanto à teodicéia: “tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a opressão não podes contemplar; por que, pois, toleras os que procedem perfidamente e te calas quando o perverso devora aquele que é mais justo do que ele?”
Foi este conflito filosófico que me fez cair aos pés de grandes pensadores como Epicuro, que, caprichosamente, levantou a questão paradoxal acerca da relação de deus e o mal.
Enfim! Quero que todos compreendam que não estou me expondo com a intenção de me desfazer da igreja, também não é por arrogância ou insolência. Eu entendi que precisava fazer isto para não continuar prisioneiro do medo, pois quando nos rendemos a ele, temendo as perdas por causa do preconceito, somos acometidos pela angústia e a depressão que suga toda nossa alegria de viver.
Agora, quero ajudar outros pastores, padres e demais líderes religiosos a reencontrarem a alegria da vida.
Um carinhoso abraço a todos,
Josimar Álvaro dos Santos é diretor de cerimônias humanistas da Liga Humanista Secular do Brasil.
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