Acompanhe a entrevista que o Ex-presidente da República Jânio Quadros concedeu ao Jornalista Nelson Valente
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Nelson Valente – Falou-se muito no caso das Guianas, dizendo que o senhor queria chamar a atenção do mundo para o Brasil. É verdade que o senhor pretendia interferir nas Guianas?
JÂNIO QUADROS – “Não estava pensando em chamar a atenção do mundo para o Brasil, pensava era no Brasil mesmo. Aquela época as Guianas eram apenas três colônias quase ultrajantes para a civilização latino-americana pois colocadas lá em cima nas bordas de nossas fronteiras, numa área de grande Interesse estratégico e econômico. As Guianas estão muito próximas do petróleo. Abandonadas pelas metrópoles, que apenas as exploravam, mostravam se sem destino. A Guiana Francesa iria produzir mais uma republiqueta. A Guiana Holandesa iria produzir uma segunda republiqueta. A Guiana Inglesa, então, estava nas mãos de um líder de extração Indiana que não inspirava confiança. No seu ódio aos Ingleses cometia excessos que no meu entender poderiam tornar-se perigosos. O que me passou pela cabeça foi negociar com as respectivas metrópoles as três Guianas para acabar por incorpora-las. Plácido de Castro fez mais ou menos o mesmo com o território do Acre que hoje é estado”.
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Nelson Valente – Então o senhor mandou fazer mesmo aqueles estudos sobre a possibilidade de anexação das Guianas.
JÂNIO QUADROS – “Apenas acuso os Portugueses de não terem atravessado os Andes e chegado ao Pacifico. Minha única queixa da colonização portuguesa é essa?”
Eloá – “Jânio, Dr. Natali está no telefone”.
JÂNIO QUADROS – “Meu bem, você não quer dizer ao Natali que eu o chamo depois?”
Eloá – “Ele vai a um enterro às duas horas”.
JÂNIO QUADROS – “E daí? Não é meu enterro”.
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Nelson Valente – Presidente, a vida de cassado é boa?
JÂNIO QUADROS – “Fui cassado, mas nunca me considerei cassado. Sempre mantive contatos políticos de toda espécie e natureza, cassado ou não. Isso até já me custou quatro meses de confinamento em Corumbá. Só Hélio Fernandes e eu recebemos essa distinção. Tentei advogar, mas minha atividade política havia afugentado meus clientes. Ficava muito difícil voltar ao Fórum porque eu já não conhecia ninguém”.
Nelson Valente – … e todo mundo conhecia o senhor…
JÂNIO QUADROS – “…e me sentia envelhecido. Eu vivia num ambiente de marcado constrangimento. Passei a escrever e ultimamente a pintar”.
Nelson Valente – Quantas propriedades o senhor tem?
JÂNIO QUADROS – “Esta casa”.
Nelson Valente – Mas é uma casa que, e casa de campo ao mesmo tempo.
JÂNIO QUADROS – “E tenho uma meia dúzia de casas para renda. Não tenho muitas preocupações com o futuro. (sorri) Sem ter dado o golpe o Baú, casei-me com a filha única de pais rico. A menos que a natureza me defraude, chamando-me antes, posso ficar sentado à espera de alguma coisa”.
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Nelson Valente – Solidão?
JÂNIO QUADROS – “Sim, me sinto um pouco só. Essa solidão decorre do fato de ver desaparecerem à esquerda e à direita os homens que representaram muito a minha vida, ainda que eu não tenha representado muito na vida deles. Honestamente, não identifico nenhum inimigo, mesmo dentre os mortos. Se Costa e Silva me suspendeu os direitos políticos já deve ter prestado cotas a alguém bem mais poderoso do que eu. Minhas discrepâncias com Carlos? Bem já foram acertadas também. Nunca detestei o Carlos, apenas não quis a distância. Perdi Oscar Pedroso Horta, perdi o Quintanilha, perdi Milton Campos, Queiroz Filho. Fernando Ferrari… Fulano e Beltrano me fazem falta. (cortando rapidamente para não parecer nostálgico) Acho que respondi a sua pergunta”.
Nelson Valente – O senhor foi o último presidente a ser imitado na televisão). Como a que a censura funcionou no seu governo?
JÂNIO QUADROS – “Sou inteiramente a favor da liberdade de imprensa, mas isso não exclui a responsabilidade. Era preciso encontrar um Justo termo. Talvez eu pedisse a sindicatos de jornalistas órgão assim, para elaborar um texto legal que permitisse a responsabilização. O que não é possível é a imprensa marrom, a imprensa que calunia ou mente, determinada imprensa que só explora escândalos, crimes, sem nenhuma função educativa num país como o nosso. Acho que uma Lei de Imprensa prudente, mas de responsabilização rápida é uma necessidade nacional”.
Nelson Valente – Nem Jefferson nem Lincoln acreditavam nisso.
JÂNIO QUADROS – “Pois sim, mas hoje não há justiça mais rápida para responsabilizar quem difama pelo rádio ou pela televisão do que nos Estados Unidos”.
Nelson Valente – JK foi “o grande presidente que esse país teve”?
JÂNIO QUADROS – “Eu discordava muito de Juscelino, tendo em vista o processo pelo qual governava, pois para permanecer em Brasília fez concessões de toda espécie. Não sou capaz dessas coisas, não chego a essas concessões. Em outras palavras: não devo ser muito bom político porque não consigo vergar. Prefiro estalar e quebrar a vergar”.
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Nelson Valente – Questão de estilo. Ou de estalo?
JÂNIO QUADROS – “Discordei também da velocidade que imprimiu as obras de Brasília e do gravame que impôs ao povo por causa dessas obras. Eu teria tocado Brasília em outro ritmo. Quando andei pela Austrália fui visitar Camberra. Se não me engano o Príncipe George, que depois seria George VI, inaugurou Camberra em 1922. Visitei essa cidade em 1962. Quarenta anos depois boa parte dos Ministérios ainda era constituída de casas de madeira. O governo australiano projetara Camberra como obra de várias gerações e vários governos. Faria com vagar”.
Nelson Valente – reforma agrária
JÂNIO QUADROS – “Quando eu era presidente tive a ideia do crédito agrícola para o posseiro, o sitiante, o pequeno agricultor. Falei com o João Batista Leopoldo Figueiredo: “Como o pequeno produtor não chega ao Banco do Brasil que tal fazermos uma experiência? Vamos por dois estados bem pobres, como o Maranhão e o Piauí. Mande o Banco do Brasil comprar várias peruas e organizar alguns funcionários. A perua caminha ao longo das estradas, para e pergunta: “Essas vaquinhas são suas? Esses porquinhos são seus? E essas cabras?” “São, sim senhor.” “Se você tivesse mais vacas, porcos e cabras não acharia melhor?” “E o dinheiro?” “O dinheiro nós damos. Eu sou do Banco do Brasil.” “Mas eu não sei assinar.” “Põe o dedão aqui,” “Olha, você tem 500 contos pra comprar mais vaquinhas. porquinhos e cabrinhas.” Fizemos essa experiência e nenhum desses empréstimos deixou de ser pago. Nenhum! O pobre paga seus empréstimos”.
Nelson Valente – E?
JÂNIO QUADROS – “Um dia o João chegou para mim: “Nós podemos perder dinheiro com isso! O Banco do Brasil está acostumado a trabalhar com outras taxas e outras condições”. “João, no momento em que você me disser que o Banco do Brasil perdeu dinheiro vai me fazer muito feliz. O Banco do Brasil existe para correr este risco. O Banco do Brasil não é um banco privado”.
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Nelson Valente – Jango?
JÂNIO QUADROS – “Jango era um homem acomodado, com uma grande medida de indiferença por tudo que o cercava, porque não tinha nenhuma objetividade. Castelo Branco foi para o governo com o propósito de reestabelecer a ordem no Brasil. Não o conseguiu porque seu governo foi muito perturbado. General Costa e Silva, sem embargo de suas diferenças pessoais comigo, começava a tomar o caminho de uma liberalização crescente em relação ao regime que herdara. Aí adoeceu. Esta moléstia teve atribuições políticas muito graves. Veio o governo Médici e agora o governo Geisel. Todos nós nos perguntamos: “Até quando”?
JÂNIO QUADROS – “Houve ainda um erro maior, tão sério e tão grave que me levou a considerar a hipótese de não tomar posse. O povo elegera como vice-presidente o Sr. João Goulart, com quem eu não tinha relações de nenhuma espécie. Lá estava eu representando uma corrente política e o vice-presidente da República representando outra que acabava de ser batida fragorosamente nos comícios da Praça Pública. Minha política econômica necessariamente me alijaria boa parte da popularidade. Era uma política de sacrifícios. A 204 caiu como um gravame nos ombros do povo, mas ou eu a adotava ou íamos para a insolvência. O processo inflacionário infrene era o preço que pagávamos por Brasília, preço que ainda estamos pagando”.
Nelson Valente – O que era a 204?
JÂNIO QUADROS – “Desvalorizava o cruzeiro, estabelecendo um novo valor, o que aumentava enormemente com suas repercussões o índice de custo de vida, embora possibilitasse uma melhoria vital nas exportações. Ao mesmo tempo eu gravava o preço dos combustíveis, do trigo e do papel, tomando uma cautela que podia (e devia) servir de exemplo: mandei antes oficiais superiores do Exército conferir os estoques de petróleo, óleo, trigo e papel a fim de evitar que aqueles que possuíam esses estoques se locupletassem com os novos preços. O governo promoveu uma espécie de confisco desses estoques para que fossem vendidos aos preços anteriores. Ninguém pôs no bolso um níquel! Um de meus melhores amigos aqui em São Paulo amanheceu com oficiais do Exército na sua usina”.
Nelson Valente – O senhor disse que a 204 atingiria o povo, mas a resistência maior foi da classe dominante. Os interesses da classe dominante seriam outra força?
JÂNIO QUADROS – “Sem nenhuma dúvida”.