(*) Por: Lino Tavares
Todos sabemos que futebol é um termo ‘importado’ do Inglês “football” (pé-bola), que define esse esporte praticado basicamente com o uso dos pés, mas que admite também a utilização das demais partes do corpo, exceto os membros superiores (braço, antebraço e mão). Mas essa exclusão não é assim tão derradeira, haja vista a existência, no campo do jogo, de um jogador diferenciado na forma de atuar, chamado goleiro, arqueiro ou “goalkeeper”, como se dizia antigamente, que é um “trabalhador tipicamente braçal” nos limites da grande área. Como seus companheiros de time, o goleiro é considerado um jogador de futebol, embora na prática ele só corresponda por inteiro a essa definição , quando abandona a grande área – onde pode tudo, menos fazer faltas – e vai para o campo da luta, desprovido do privilégio de jogar com a mão.
Quase todos os goleiros fazem isso. Uns de maneira frequente, outros de forma moderada, principalmente naqueles momentos derradeiros de um final de jogo, quando um gol de empate ou desempate pode significar a conquista de um título, a fuga de uma eliminação ou do humilhante rebaixamento de divisão. Dentre esses “aventureiros”, que abandonam o posto de goleiro por uma boa causa, o mundo da bola possui um que pode ser classificado como o mestre dos mestres na arte de se tornar o 11º primeiro jogador da equipe na difícil missão de atacar. Reporto-me a um paranaense de Pato Branco, nascido em 23 de janeiro de 1973, chamado Rogério Mück Ceni, a quem vou logo classificando aqui, pleno de razões para isso, como o verdadeiro fenômeno do esporte bretão.
Diferentemente do emprego do termo “fenômeno”, em relação ao ex-atleta Ronaldo Nazário, que é simples manifestação de carinho, no caso de Rogério Ceni a definição coaduna plenamente com aquilo que esse atleta sui generis representa no contexto do futebol mundial. Tendo chegado à marca dos 100 gols, atuando como goleiro, fazendo inveja a muitos atacantes de ofício, o ídolo são-paulino Rogério Ceni pode ser considerado uma espécie de “Papa da bola”, porque, como o Sumo Pontífice, torna-se único no mundo, naquilo que faz.
Sem querer diminuir a grandeza e a importância do milésimo gol de Pelé, alcançado num jogo contra o Vasco da Gama, numa cobrança de pênalti (lamentavelmente, a meu juízo), esse que selou o centésimo gol de Rogério Ceni, guardadas as proporções, tem mais a dizer em termos de raridade e plasticidade. Afinal, o gol marcado pelo “goleiro goleador” foi uma obra prima, representada por uma magistral cobrança de falta com barreira, enquanto o assinalado pelo “Rei” foi um “tiro a queima roupa”, praticamente sem chance de defesa para o guardião dos “três paus”. A raridade – nem precisaria dizer – consubstancia-se no fato de que 100 gols marcados. na carreira de um goleiro têm maior relevância do que 1000 gols assinalados na de um atacante. Ou não tem ?
(*) Lino Tavares é jornalista diplomado, colunista na mídia gaúcha e catarinense, integrante da equipe de comentaristas do Portal Terceiro Tempo da Rede Bandeirantes de Televisão, além de poeta e compositor.