Ivani de Araujo Medina

Você acredita que o Homem desconheça a própria origem depois de tantos conhecimentos que acumulou e continua a acumular? Não me refiro ao surgimento da vida, da inteligência etc., mas ao exclusivo surgimento da nossa própria espécie. Eu não. Evidentemente a manutenção desse mistério tem lá seus interessados e o principal deles é a própria organização humana.

A-Evolução-Humana
Na base da organização humana está a religião, e a religião precisa de seus mistérios para continuar reinando na imaginação humana. Existem algumas teorias que passam ao largo dessa interpretação. Por exemplo, aquela que diz que o homem primitivo por temor aos fenômenos naturais passou adorá-los e a cultuá-los como deuses. Teria sido uma consequência natural do desenvolvimento da inteligência humana diante do desconhecido e o início da religião.
Poderia ter sido, não fosse um detalhe interessante: o pensamento abstrato depende do desenvolvimento de uma parte do cérebro chamada neocórtex, cujo nome “novo cérebro” já é bastante inquiridor. O neocórtex está presente em todos os mamíferos, no entanto, nos hominídeos primitivos que estão na raiz da espécie humana apresentou um desenvolvimento repentino e desconcertante, tendo em vista o lento processo da evolução. Isto não ocorreu em nenhuma outra espécie de mamíferos, o que desperta muita atenção.
O anatomista norte-americano C. Judson Herrick descreveu o desenvolvimento do neocórtex nos seguintes termos: “Seu crescimento explosivo em fase tardia da filogenia é um dos casos mais extraordinários de transformação evolutiva na anatomia comparada” (SAGAN, p. 85). Foi esse crescimento surpreendente do neocórtex que nos tornou quem somos. Neocórtex, novo cérebro ou a nova camada que envolve o cérebro arcaico nos fez cientistas.
O progresso da expansão do novo cérebro foi afastando o homem primitivo do meio natural, levando-o para fora do sistema apropriado vigente no planeta. “A expulsão do Éden parece ser uma metáfora para alguns dos principais acontecimentos biológicos na evolução humana recente” (SAGAN, p. 88). O diâmetro do crânio havia aumentado muito para acompanhar o desenvolvimento do novo cérebro. “O fechamento incompleto do crânio ao nascimento, as fontanelas, muito provavelmente representa uma acomodação imperfeita a essa recente evolução cerebral.” (SAGAN, s/data, p. 85). No entanto, Sagan rejeitava como teoria científica aquilo que a História escrita apresenta como fato.
Segundo a epopeia mesopotâmica, a criação do Homem se deve aos deuses (gente longeva de outras paragens) que o criaram para fazê-lo de escravo para aliviar a pena dos seus iguais cativos, condenados por conspiração. Algo bem mais antigo e que nada tem a ver com os “homenzinhos verdes” criados no século XX. Esta ode serviu de base à bíblia. Nada de obra de um Deus bondoso que teria concebido o Homem, na pessoa de Adão, para que fosse feliz no paraíso, e que por desobediência perdera a oportunidade.
“Há mais de um século, quando foi decifrada a escrita das tábuas descobertas nas ruínas da antiga Mesopotâmia, percebeu-se que certos textos relatavam a história bíblica da Criação, um milênio antes de ser compilado o Velho Testamento. Os mais importantes foram os textos encontrados na biblioteca do rei assírio Assurbanipal, em Nìnive (cidade famosa na Bíblia); eles registram uma história da Criação semelhante e igual em certos trechos a do Gênesis. George Smith, do Museu Britânico, reuniu essas tábuas com os textos da Criação e publicou, em 1878, O Gênesis Caldeu; George Smith estabelecia, conclusivamente, que existia, de fato, um texto acadiano com a história do Gênesis no velho dialeto babilônico, tendo precedido o texto bíblico em pelo menos mil anos. Nas escavações de 1902 e 1914, foram descobertas tábuas com a versão assíria da Epopeia da Criação em que o nome de Assur, o deus nacional assírio, substituiu o babilônico Marduk. Descobertas subsequentes estabeleceram a antiguidade do texto épico e também sua indiscutível origem suméria” (SITCHIN, p. 48, 49) Segundo a bíblia, Abraão nasceu na cidade de Ur, capital da Suméria.
E assim a antiga narrativa sumeriana explica cruamente o surgimento do gênero humano e lança uma luz tênue ao porquê da sua inadaptação ao planeta; suas mazelas emocionais intermináveis e profundas; a adoração memorável aos seus criadores, com os quais buscam se identificar; a ideia de “filhos de deus” etc. Todo o problema humano teria se originado dessa “solução” ancestral perpetrada por terceiros e que fez do homem primitivo um ser híbrido e sem lugar. Não por um suposto senhor do universo cheio de boas intenções, claro. Errático em si mesmo, o Homem criou lendas para tornar a própria existência viável e suportável, tendo como modelo e desiderato os seus criadores.
“Se eu quisesse sacudir esta árvore com as mãos, não o conseguiria. Mas o vento, que não vemos, flagela-a e verga-a para onde quer. Nós somos flagelados e vergados, do pior modo, por mãos invisíveis […]. Quanto mais quer crescer para o alto e para a claridade, tanto mais suas raízes tendem para a terra, para baixo, para a treva, para a profundeza – para o mal. […]. Queres alcançar as livres alturas, a tua alma está sequiosa de estrelas. Mas também os teus maus impulsos têm sede de liberdade. Sair para a liberdade, querem os teus cães ferozes; latem de alegria em seu porão, quando o teu espírito visa a abrir todas as prisões”. (NIETZSCHE, 1967, Da árvore do monte)
O professor Richard Elliot Friedman, titular de hebraico e literatura comparada da Universidade da Califórnia, doutor em teologia por Harvard e membro do Bilblical Colloquium, entre outras qualificações, faz comentários muito a propósito em sua obra O desaparecimento de Deus: um mistério divino.
“Deus desaparece na Bíblia. Leitores religiosos e não religiosos por certo irão achar tal afirmação surpreendente e intrigante, cada qual por suas próprias razões. Confesso, de minha parte, que a acho estarrecedora. A Bíblia se inicia, como todo mundo sabe, num mundo em que Deus está ativamente e visivelmente envolvido, mas não é assim que termina”. (FRIEDMAN, 1997, p. 19)
Mas não é mesmo, e a vontade de ir para céu para ficar junto de Deus corrobora com a ideia. Justamente com aquilo que a própria religião nega. A invenção da etimologia para o termo “religião” por Lactâncio, “religare”, religar o homem a Deus, pois na bíblia o homem já esteve ligado pessoalmente ao criador, antepõe o sentido figurado à literalidade da narrativa do Gênesis. O que não é novidade, pois sempre acontece quando é conveniente manter a escuridão.
“Deus cede (transfere? abre mão?) cada vez mais o controle visível dos acontecimentos aos seres humanos. Ou será que são os humanos que o tomam? Ou será que não é nenhuma das duas coisas, mas sim que, da mesma forma como as crianças crescem e se separam dos seus pais, também o tema da história bíblica é o crescimento, o amadurecimento e a separação natural dos humanos de seu pai e criador”. (FRIEDMAN, 1997, p.72)
Na disputa entre o cérebro arcaico e o cérebro novo pode estar a resposta para as doenças psicóticas como a esquizofrenia, por exemplo, entre outras de menor gravidade. Poderia ser o resultado da hiperatividade de algum centro do complexo reptiliano (aquele que pode matar a sangue frio), ou de algum defeito de algum ponto do neocórtex cuja função seja a de reprimir o complexo reptiliano (SAGAN, p. 59). A aventura biológica que teria originado a Humanidade ao conceber seres utilitários instituiu uma espécie de loteria às avessas a essa descendência terrena. “Orai e vigiai”.

Segundo Sagan, o neocórtex representa cerca de 85% do cérebro, o que é certamente um índice de sua importância em relação ao tronco cerebral, complexo reptiliano e sistema límbico. Essa diferença do “quase Deus” é o grande problema das ideologias, especialmente da religiosa, uma vez que os 15% do cérebro arcaico estariam no mundo que lhes é próprio, e a maior parte, os 85% que as concebe, não.

“Embora o original diga claramente que falta aos humanos só um pouco de Deus (em hebraico elohim), alguns tradutores ficaram de tal forma perturbados com a frase que acharam por bem trocar Deus por “anjos”. (FRIEDMAN, 1997, p.115)
Segundo a religiosidade mesopotâmica, na medida em que o homem segue a moral divina, do “deus” que habita nele, pode contar com a sua proteção, pois é “filho do seu deus”. Quando fraqueja o “deus” se irrita e se aparta dele permitindo que a desdita o atinja (CONTENEAU, p. 105). Como explicação para a existência da religião está perfeito. O deus pessoal, no fundo, é o próprio indivíduo imerso no desconhecimento das próprias potencialidades e delas impossibilitado por não saber como acessá-las.

Não há interesse de liberar o acesso direto. Aí se manifestou tentativas como o budismo (comparável ao sistema digital), o gnosticismo (comparável ao sistema analógico) na sua forma original do autoconhecimento etc. Aí está o reduto do Cristo interior (a negação do Jesus histórico e de todos os atletas espirituais concebidos para simbolizar uma realidade oculta) cujos conhecimentos hão de ir muito além das trivialidades daqui, creio eu.

Referências
CONTENEAU, Georges. A Civilização de Assur e Babilônia. Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1979.
FRIEDMAN, Richard Elliot. O desaparecimento de Deus: um mistério divino. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
NIETZSCHE, Friedrich W. Assim falou Zaratrustra. Rio de Janeiro: Ediouro, 1967.
SAGAN, Carl. Os dragões do Éden. São Paulo: Círculo do Livro, s/ data.
SITCHIN, Zecharia. Gênesis revisitado: as provas definitivas de que os extraterrestres estiveram entre nós. 8 ed. Rio de Janeiro: Best Seller, 2005.

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