Quer psíquica como fisiologicamente, o nome de “instintos” é sinônimo de ou envolve em si os conceitos de reflexos incondicionados, necessidades e apetências, e os de reflexos condicionados, hábitos e tendências
1) À diferença de vários outros psicólogos de sua época, Freud não quis aventurar-se a dar-nos uma classificação detalhada dos instintos.
Preferiu remontar-se às fontes instintivas, para ali descobrir os instintos primitivos susceptíveis de serem subdivididos posteriormente em maior número.
Começou concebendo dois grupos primitivos de inclinações instintivas as chamadas de conservação do ego-indivíduo (como as da fome, sede, sono, autoproteção, defesa e subsequentes atividades de procura do alimento, fuga, ataque, etc.) e as inclinações sexuais, chamadas de conservação da espécie ou de procriação.
Estabeleceu, porém, entre essas duas espécies de instintos um vínculo de união, atribuindo também aos primeiros um determinado colorido de prazer sexual ou libidinoso.
Desta forma e durante muitos anos concluiu que toda a vida humana dominada por este par de instintos o de auto-conservação do indivíduo e o sexual ou de procriação da espécie.
Mas, preocupado pela etiologia da neurose, deixou de prestar atenção aos instintos do primeiro grupo, por considerá-los pouco perigosos como provocadores patológicos, uma vez que suas exigências não podiam ser negadas, reprimidas ou recalcadas durante muito tempo, sem causar grave risco físico para a própria vida.
Foi por isto que concentrou toda sua atenção no instinto procriativo ou sexual, desenvolvendo sua minuciosa teoria da “libido”.
2) Foi durante a I Guerra Mundial que teve ocasião de estudar as chamadas “neuroses de guerra”, vendo-se obrigado a voltar sua atenção para a agressão recalcada como fator determinante da gênese da neurose.
Considerou, assim, como necessária a existência de um novo instinto: o agressivo, não só como de autodefesa, mas sim, da agressão pelo prazer da agressão.
A este tipo de instinto deu o nome de “instinto de morte” ou “Tânatos” considerando-o como uma tendência destrutiva de toda vida orgânica, para regressar ao estado inorgânico de onde viera.
A seguir terminou desdobrando o instinto de auto-conservação em duas parcelas: numa ajuntou todos os aspectos positivos deste instinto como a nutrição, defesa, afirmação, conquista, posse, etc. e junto com o instinto sexual formou um novo instinto mais genérico, dando-lhe o nome de instinto de vida ou “Eros” na segunda parcela, reuniu todos os elementos negativos de agressividade e destrutibilidade do ser humano e, com eles, formou o conceito do novo instinto que chamou de instinto de morte ou “Tânatos”.
Eros substituía agora os antigos conceitos de libido e sexualidade, ampliando-os mais ainda para todas as tendências positivas e construtivas do ser humano, e Tânatos englobava os conceitos de sadismo e masoquismo, juntamente com todas as tendências negativas e destrutivas.
3) Mas esta natureza bipolar das tendências humanas, agora redescobertas por Freud, nada tinha de novidade, pois vários séculos antes, Santo Tomás de Aquino, com base em Platão e Aristóteles, já considerava o psiquismo humano bipolarmente dividido em duas linhas de ação: a das “paixões concupiscíveis”, entre as quais prevalecia como a mais forte de todo o instinto sexual e a das “paixões irascíveis”, entre as quais se destacava como a principal de todas a ira ou agressividade.
E representando a Psicologia ortodoxa ou acadêmica, afirmava Watson, também, que toda nossa vida afetiva e emocional tinha por causa primária estas três emoções básicas: o medo, a cólera-ira e o amor ou em outras palavras, a inibição, a agressividade e a dedicação.
O medo (reação auto-conservadora) e a cólera (irritação agressiva), como formas de auto-afirmação, prendem-se ao imperativo do poder, que tem como fundamento o instinto-necessidade de preservar e expandir a vida.
E o amor a si, outra forma de auto-conservação e o amor aos outros que se vincula em termos biológicos, ao instinto-necessidade da procriação, que nutre e garante a sobrevivência da espécie, que nada mais é que o prolongamento e conservação do próprio indivíduo através do tempo e do espaço.
4) Mas qual é mesmo a natureza de todos esses instintos?
Os filósofos gregos e, com eles, a filosofia escolástica tradicional, supunham-nos, como faculdades anímicas da alma sensitiva, do mesmo modo que a vontade e o intelecto eram considerados como faculdades da alma racional; ora esta teoria caiu em desuso após o aparecimento da Psicologia experimental.
Freud, impressionado pelo aspecto libidinoso de suas teorias, colocou a energia-libido na base de todos os instintos.
Todavia como energia universal a energia-libido ainda não foi detectada pela ciência experimental e como energia sexual nada mais é do que uma produção normal das glândulas gonodais, que impulsionam os instintos; mas ela não passa de um produto do instinto sexual procriativo.
Após as pesquisas do sábio russo, Pavlov, parece-nos que a coisa veio a simplificar-se da seguinte maneira.
Em sentido fisiológico, os chamados instintos primários nada mais são do que “certas séries de reflexos somáticos ou biológicos, inatos e incondicionados, filogeneticamente estereotipados em forma de automatismo e que, em geral, apresentam um fim utilitário para o indivíduo ou para a espécie”.
De certa forma não existe solução de continuidade entre as funções reconhecidamente fisiológicas e as chamadas instintivas.
Se a micção e a defecação nada mais são que reflexos incondicionados regidos pela necessidade de eliminação de coisas inúteis ou nocivas, a fome, a sede, respiração, etc., também devem ser considerados como outros tantos reflexos automáticos comandados pela necessidade de assimilação, que responde à lei da carência, bases biológicas do “instinto” de nutrição ou de auto-conservação.
Somente por mero artifício, poderíamos considerar a sucção do peito materno como de natureza instintiva e o ato de deglutição e a onda peristáltica que se lhes segue através do tubo digestivo, como de natureza simplesmente reflexológica.
Tais reflexos incondicionados provém da memória “herdada-genética ou Código de Vida”, como os reflexos condicionados, os hábitos, provém da memória adquirida. Na área psíquica existem também diversas necessidades e apetências que obedecem a reflexos semelhantes, em parte incondicionados e em parte condicionados.
Tais a necessidade de segurança, e a necessidade de afetividade e amor, que Adler e Freud preferiram designar com o nome de instinto de autoafirmação ou de poder e instinto sexual ou libido.
Em outra ordem de coisas, tanto na área fisiológica como na psíquica, a repetição dos atos (e também dos reflexos) vem acrescentar mais uma qualidade ao conceito reflexológico dos instintos: a de tendência e de hábitos, como verdadeiras forças adicionais, psíquico-fisiológicas, que também atuam no comportamento.
Daí que os termos de necessidade e apetência que originam os reflexos incondicionados, e os de tendência e hábito que são resultantes dos reflexos condicionados, sejam quase sempre formas sinônimas do conceito usual atribuído à palavra instinto e vice-versa, dando-se aos primários e aos segundos os de secundários.
Uns e outros estão ligados estruturalmente à área do inconsciente subcortical, inato e inconsciente, o ID de Freud, os arquétipos de Jung, bem como ao inconsciente cortical, adquirido, que corresponde aos reflexos condicionados de Pavlov, ao polígono de Grasset e leva incluídos os “recalques” da escola psicanalítica, com a “censura crítica” do Superego, etc.
Portanto, quer psíquica como fisiologicamente, o nome de “instintos” é sinônimo de ou envolve em si os conceitos de reflexos incondicionados, necessidades e apetências, e os de reflexos condicionados, hábitos e tendências, mas desprovidos de toda significação de forças anímicas ou psíquicas, que lhes emprestaram os cultores da Psicologia filosófica ou racional.
Nelson Valente é jornalista, professor universitário e escritor. Pesquisador nas áreas de psicanálise, comunicação, educação e semiótica. É mestre em Comunicação e Mercado e doutor em Comunicação e Artes. O autor também é especialista em Legislação Educacional, Psicanálise,Teoria da Comunicação e Tecnologia Educacional e já publicou 26 (vinte e seis) livros sobre o ex-presidente Jânio Quadros e outros sobre educação, parapsicologia, psicanálise e semiótica, no total de 125 (cento e vinte e cinco) livros e alguns no prelo. Ex-presidente da Academia Blumenauense de Letras/ALB, Acadêmico. Membro da Sociedade dos Escritores de Blumenau/SEB.
4 thoughts on “Freud, e a Teoria dos Instintos”
Jessé Nunes says:
Bastante interessante e esclarecedor esse post. No final das contas, as teorias behavioristas e psicanalistas apenas olham para lados diferentes de uma mesma moeda. Embora o behaviorismo tenha contribuído bastante para um campo onde foram criados vários tipos de instintos.
Meu caro amigo Giba, tem coisas que só Freud explica… ainda bem… se tudo é movido por estes instintos, que bom seria se eles fossem no sentido da fraternidade, amor, caridade… e não agressividade, neurose e ódio… Parabéns pela excelente postagem! Abraços e muita paz!!!
Giba, complementando, os instintos sexuais descritos por Freud são os mais reprimidos , visto que a religião e a moral da sociedade concorrem para isso. Mas, é aí que o mecanismo de censura torna-se mais falho, permitindo assim que apareçam sintomas neuróticos. Explicando a sua teoria da sexualidade, Freud afirma que há sinais desta logo no início da vida extra uterina, constituindo a libido.
A libido envolve do nascimento à puberdade, períodos de gradativa diferenciação sexual. A primeira fase é chamada de período inicial, onde a libido está direcionada para o próprio corpo, oral e analmente. A segunda fase, o período edipiano, que se caracteriza por uma fixação libidinal passageira entre os 4 e os 5 anos, também conhecida como "complexo de Édipo", pelo qual a libido, já dirigida aos objetos do mundo exterior, fixa a sua atenção no genitor do sexo oposto, num sentido evidentemente incestuoso. Por fim o período de latência, iniciado logo após a fase edipiana, só irá terminar com a puberdade, quando então a libido toma direção sexual definida.
Esses períodos ou fases são essenciais ao desenvolvimento do indivíduo, se ele as resolver bem será sadio, porém qualquer problema que porventura ele tiver em superá-las, certamente iniciará um processo de neurose.
Último dos pilares da psicanálise, a transferência, é também uma arma, um trunfo usado pelos psicanalistas para ajudar no tratamento do paciente. Naturalmente, o paciente irá transferir para o analista as suas pulsões, positivas ou negativas, criando vínculos entre eles. O tratamento psicológico deve, então, ser entendido como uma reeducação do adulto, ou seja, uma correção de sua educação enquanto criança".
Assim, Freud desenvolveu um método de tratamento que se pode igualar a uma "arqueologia da alma", onde o psicanalista busca trazer à luz as experiências traumáticas passadas que provocaram os distúrbios psíquicos do paciente, fazendo com que assim, ele encontre a cura.
Olá Giba, Olá amigo, O instinto existe sempre, independente da intelectualidade, mas o homem o despreza. O instinto também pode conduzir ao bem. Ele quase sempre nos guia e algumas vezes com mais segurança do que a razão. Nunca se transvia. O instinto seria sempre infalível, se não fosse falseada pela má educação, pelo orgulho e pelo egoísmo. O instinto não raciocina; a razão permite a escolha e dá ao homem o livre-arbítrio. O instinto varia em suas manifestações, conforme as espécies e às suas necessidades. Nos seres que têm a consciência e a percepção das coisas exteriores, ele se alia à inteligência, isto é, à vontade e à liberdade. Costuma-se dizer que os instintos, quando se desviam de sua trajetória considerada normal, é convertidos em pulsão, impulso do inconsciente que leva o indivíduo à ação com o objetivo de anular um estado de tensão. Diante de alguém que nos desperta uma atração sexual, a pulsão nos conduz a um ato concreto, caracterizado como objetivo sexual. Biologicamente, o instinto tem por fim a reprodução humana; psicanaliticamente, o foco na manutenção da espécie é substituído pela centralização na questão do prazer e, deste ângulo, os psicanalistas vêem o que se considera perversidade como mera pulsão, pois o que se realiza não é nada além da necessidade de relaxar uma tensão sexual. Assim, desse ponto de vista, essa forma sadia de união sexual não evidencia uma perversidade do instinto. Porém, isto não significa que não existam desvios sexuais, que extrapolam a conduta sexual normal e igualam o homem ao animal, ou melhor, muitas vezes o levam a um patamar inferior ao da maior parte dos seres considerados irracionais. Meu carinho
Bastante interessante e esclarecedor esse post. No final das contas, as teorias behavioristas e psicanalistas apenas olham para lados diferentes de uma mesma moeda. Embora o behaviorismo tenha contribuído bastante para um campo onde foram criados vários tipos de instintos.
Meu caro amigo Giba, tem coisas que só Freud explica… ainda bem… se tudo é movido por estes instintos, que bom seria se eles fossem no sentido da fraternidade, amor, caridade… e não agressividade, neurose e ódio… Parabéns pela excelente postagem! Abraços e muita paz!!!
Giba, complementando, os instintos sexuais descritos por Freud são os mais reprimidos , visto que a religião e a moral da sociedade concorrem para isso. Mas, é aí que o mecanismo de censura torna-se mais falho, permitindo assim que apareçam sintomas neuróticos. Explicando a sua teoria da sexualidade, Freud afirma que há sinais desta logo no início da vida extra uterina, constituindo a libido.
A libido envolve do nascimento à puberdade, períodos de gradativa diferenciação sexual. A primeira fase é chamada de período inicial, onde a libido está direcionada para o próprio corpo, oral e analmente. A segunda fase, o período edipiano, que se caracteriza por uma fixação libidinal passageira entre os 4 e os 5 anos, também conhecida como "complexo de Édipo", pelo qual a libido, já dirigida aos objetos do mundo exterior, fixa a sua atenção no genitor do sexo oposto, num sentido evidentemente incestuoso. Por fim o período de latência, iniciado logo após a fase edipiana, só irá terminar com a puberdade, quando então a libido toma direção sexual definida.
Esses períodos ou fases são essenciais ao desenvolvimento do indivíduo, se ele as resolver bem será sadio, porém qualquer problema que porventura ele tiver em superá-las, certamente iniciará um processo de neurose.
Último dos pilares da psicanálise, a transferência, é também uma arma, um trunfo usado pelos psicanalistas para ajudar no tratamento do paciente. Naturalmente, o paciente irá transferir para o analista as suas pulsões, positivas ou negativas, criando vínculos entre eles. O tratamento psicológico deve, então, ser entendido como uma reeducação do adulto, ou seja, uma correção de sua educação enquanto criança".
Assim, Freud desenvolveu um método de tratamento que se pode igualar a uma "arqueologia da alma", onde o psicanalista busca trazer à luz as experiências traumáticas passadas que provocaram os distúrbios psíquicos do paciente, fazendo com que assim, ele encontre a cura.
Bom final de semana,forte abraço
(Rose)
Olá Giba,
Olá amigo,
O instinto existe sempre, independente da intelectualidade, mas o homem o despreza. O instinto também pode conduzir ao bem. Ele quase sempre nos guia e algumas vezes com mais segurança do que a razão. Nunca se transvia. O instinto seria sempre infalível, se não fosse falseada pela má educação, pelo orgulho e pelo egoísmo. O instinto não raciocina; a razão permite a escolha e dá ao homem o livre-arbítrio. O instinto varia em suas manifestações, conforme as espécies e às suas necessidades. Nos seres que têm a consciência e a percepção das coisas exteriores, ele se alia à inteligência, isto é, à vontade e à liberdade. Costuma-se dizer que os instintos, quando se desviam de sua trajetória considerada normal, é convertidos em pulsão, impulso do inconsciente que leva o indivíduo à ação com o objetivo de anular um estado de tensão. Diante de alguém que nos desperta uma atração sexual, a pulsão nos conduz a um ato concreto, caracterizado como objetivo sexual. Biologicamente, o instinto tem por fim a reprodução humana; psicanaliticamente, o foco na manutenção da espécie é substituído pela centralização na questão do prazer e, deste ângulo, os psicanalistas vêem o que se considera perversidade como mera pulsão, pois o que se realiza não é nada além da necessidade de relaxar uma tensão sexual. Assim, desse ponto de vista, essa forma sadia de união sexual não evidencia uma perversidade do instinto. Porém, isto não significa que não existam desvios sexuais, que extrapolam a conduta sexual normal e igualam o homem ao animal, ou melhor, muitas vezes o levam a um patamar inferior ao da maior parte dos seres considerados irracionais.
Meu carinho