Itamar e Alencar - Artigo 3
(*) Por: Lino Tavares
  
     Por conta do “politicamente correto” – expressão que está na moda – o que mais se ouve e lê nos meios de comunicação, toda vez que morre uma pessoa famosa, são rasgados elogios à figura daquele que desencarnou, como se a morte fosse uma espécie de “fogo sagrado” capaz de processar uma milagrosa “queima de arquivo” acerca de tudo quanto de menos digno possa ter sido praticado em vida por aquele que morreu. 
     
O Brasil perdeu recentemente dois destacados políticos, que ocuparam espaço no governo central da República, tendo ambos se tornado alvo daquelas expressões enaltecedoras representadas por velhos clichês reservados para essas ocasiões. As figuras em questão são o ex-vice-presidente José Alencar, que morreu dia 29 de março deste ano, e o ex-presidente e senador Itamar Franco, falecido no dia dois deste mês. O que foi dito na mídia, enaltecendo a trajetória desses dois políticos mineiros, depois da morte, foram praticamente os mesmos elogios de sempre, configurados em expressões como “ o Brasil perdeu um grande político”, “deixou um legado de grandes realizações”, “é um exemplo a ser seguido” , etc.
      
É preciso ressaltar nessas ocasiões fatos que coadunem efetivamente com a pessoa daquela personalidade famosa que desencarnou. Em assim sendo, não é justo situar as duas figuras públicas aqui citadas num mesmo patamar de dignidade política, fechando os olhos para algo gritante que as diferencia nesse aspecto. Faz-se mister reconhecer que Itamar Franco, do início ao fim de sua trajetória política, iniciada em 1958 no PTB de Getúlio Vargas, foi sempre coerente com os princípios de dignidade e moralidade pública que incondicionalmente defendeu. Demonstrou isso ao romper politicamente com o governo Collor, no qual ocupava o cargo de vice-presidente, tão logo tomou conhecimento acerca do “esquema PC Farias”, responsável pelas mazelas político-eleitoreiras que culminaram com a queda do ex-governador alagoano na chefia da Nação.
    
Substituto de Collor no cargo de Presidente da República, por imposição constitucional, conduziu com acerto e lisura o governo da União, estabelecendo, no seu curto mandato de dois anos, com a colaboração do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, as premissas do “Plano Real”, em função do qual o Brasil encontrou finalmente a fórmula capaz de brecar a marcha inflacionária que de longa data vinha corroendo o salário dos trabalhadores e desmantelando a economia da nação.      
  
É exatamente nesse ponto que se estabelece um “divisor de águas” entre a forma de proceder desses dois ícones da política nacional, diante de episódios republicanos semelhantes vividos por ambos. Enquanto Itamar Franco dissociou sua imagem do governo Collor, a partir das denúncias de corrupção em que se viu envolvido, por considerá-lo indigno de continuar merecendo o seu apoio, José Alencar manteve-se solidário ao governo Lula, mesmo envolvido num escândalo ainda maior, conhecido como “mensalão”, e até aceitou concorrer a vice-presidente na candidatura petista à reeleição, como se fosse possível, em sã consciência, acreditar na “desculpa esfarrapada” do presidente Luiz Inácio – chefe do mentor do escândalo, José Dirceu – dizendo que fora traído e de nada sabia.
(*) Lino Tavares é jornalista diplomado, colunista na mídia gaúcha e catarinense, integrante da equipe de comentaristas do Portal Terceiro Tempo da Rede Bandeirantes de Televisão, além de poeta e compositor.

3 thoughts on “Itamar e Alencar – Artigo

  1. psicologia de gaveta says:

    acho a separação justa embora eu não ache certo atribuir mesmo que indiretamente a culpa ao vice-presidente do Lula à sua tão presente falta de bom senso

  2. Rose says:

    Mesmo tendo sofrido as conseqüências das investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Congresso Nacional, entre 1993 e 1994, em virtude de denúncias de irregularidades no desenvolvimento do Orçamento da União, Itamar Franco terminou seu mandato com um grande índice de popularidade. Uma prova disso foi o seu bem-sucedido apoio a Fernando Henrique Cardoso na sucessão presidencial.
    Boa matéria, valeu !
    Rose*

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