Deonísio da Silva
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“O português de Jânio Quadros”, copyright Jornal do Brasil
“Autorizado por meus superiores aqui no Jornal do Brasil, obtive recreio, sinônimo de intervalo. E a coluna de hoje vai ocupar-se de Jânio Quadros. Fui aluno de Guilhermino César, em Porto Alegre, na mesma turma do atual vice-governador do Rio Grande do Sul, Antônio Hohlfeldt. Pois Guilhermino César, que omitia o da Silva de seu sobrenome, jamais nos liberava para o intervalo, mas para o recreio.
Ora, intervalo veio do latim intervallum, designando espaço entre um valo e outro. Como tantas outras palavras, veio das lides militares, guerreiras. Os soldados construíam valos e paliçadas – alguns dicionários autorizam também a grafia antiga, palissada – para organizar a defesa nos campos de batalha. ‘Intervalo’ foi, pois, na origem, o espaço entre os valos ou entre as estacas. Já ‘recreio’ tem origem mais bonita. Você interrompe o que está fazendo e vai fazer outra coisa. Recreio procede de recrear, que em latim é recreare, cujo significado é fazer brotar de novo, tendo também o sentido de reanimar.
Para nós, seus alunos, era melhor ainda quando o mestre continuava o recreio na volta à sala de aula. E vice-versa. Era um encanto ouvi-lo. E assim registro que professores como Guilhermino César são lembrados a vida inteira. Vamos ao recreio e a Jânio Quadros.
Político dos mais controvertidos que o Brasil já teve, Jânio era professor de Português e de Geografia. E respeitava a norma culta de nossa língua em declarações, bilhetes, cartas, documentos, em tudo o que dizia e escrevia. Muitas de suas tiradas ficaram célebres.
Candidato a governador de São Paulo, enfrentou em Ribeirão Preto uma autêntica armadilha que lhe fora preparada por seu notório adversário, Adhemar de Barros. Também candidato, Adhemar paga um repórter para que vá à entrevista coletiva de Jânio, pedindo ao jornalista que faça uma única pergunta:
– O senhor sabe que a família interiorana é moralista e conservadora. Gostaria de lhe perguntar: por que o senhor bebe?
A resposta veio bem ao estilo de Jânio:
– Bebo porque é líquido. Se fosse sólido, comê-lo-ia.
O flagrante revela um cuidado específico que Jânio Quadros tinha na colocação dos pronomes, um drama para jejunos em português. ‘Comê-lo-ia’ equivale a ‘o comeria’. A síntese, desjeitosa para a fala, que prefere ‘comeria ele’, soa pernóstica. Não em Jânio apenas, aliás.
Em outra ocasião, o humorista Leon Eliachar lhe pergunta:
– Se eleito, colocará os pronomes nos seus devidos lugares?
Sua resposta:
– Os pronomes não aguardam a minha eleição para que se coloquem nos seus lugares. Estão sempre neles. A boêmia dos verbos é que mutila a boa ordem das frases. Há que lhes perdoar. Não se desgrudam da idéia de movimento. (Atualmente, é mais usual boemia, sem acento.)
E provocando o candidato, Leon alude a famoso comercial:
– Só ESSO dá ao seu carro o máximo?
Jânio:
– Não entendi a pergunta. Pressinto-a sutil como o próprio interpelante. Resta-me, pois, neste instante de perplexidade, o recurso à passagem de volta: só isso dá ao seu cargo o máximo?
Para terminar o recreio, que voltará na próxima coluna, vejamos o final da mesma entrevista. Leon Eliachar faz a última pergunta:
– O oval da ESSO é oval ou aval?
Jânio tira de letra:
– Sugiro-lhe, amistosamente, uma consulta a qualquer psicanalista. O Brasil é tão mencionado no seu questionário, quanto a ESSO.
Nelson Valente, autor do livro Luz… Câmera… Jânio Quadros em Ação (o avesso da comunicação), de onde foram extraídos os trechos aqui citados, conclui piedosamente: ‘Ele podia dormir sem essa.’
Bom domingo a todos e até de repente!”
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Texto enviado por Nelson Valente
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Nelson Valente é jornalista, professor universitário e escritor. Pesquisador nas áreas de psicanálise, comunicação, educação e semiótica. É mestre em Comunicação e Mercado e doutor em Comunicação e Artes. O autor também é especialista em Legislação Educacional, Psicanálise,Teoria da Comunicação e Tecnologia Educacional e já publicou 16 (dezesseis) livros sobre o ex-presidente Jânio Quadros e outros sobre educação, parapsicologia, psicanálise e semiótica, no total de 68 (sessenta e oito) livros e alguns no prelo. Ex-presidente da Academia Blumenauense de Letras/ALB, Acadêmico. Membro da Sociedade dos Escritores de Blumenau/SEB
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Maria Marçal e Atena,
JÂNIO É UM LOUCO QUE SE JULGA JÂNIO
Lecionava Português e Geografia no Colégio Dante Alighieri. Bom professor, mas exigente: os cadernos dos alunos tinham de estar sempre em dia e bem cuidados. Certa vez, um estudante apresentou um caderno rabiscado e rasurado. O professor perdeu a paciência: – Retire-se. O aluno embaraçado fez menção de sair pela porta. O professor atalhou-o, ríspido: – Pela janela. O senhor não é digno de cruzar essa porta.
Abraços,
Nelson Valente
Amei.
Sempre me interesso por ler algo que diga respeito ao Jânio, pois é certo que me divertirei. O cara era uma figura.
Muito útil a aula de português, também.
abração
Não estou no meu intervalo, mas diria que se meu recreio fosse sempre aproveitado para ler textos assim, seria um privilégio.
Obrigada,
Maria Marçal – Porto Alegre – RS
Blog Maturidade