(*) Nelson Valente

Quem se aprofunda na análise da obra de Machado de Assis – e têm sido tantos os escritores – não pode deixar de considerá-la agridoce, se é possível a imagem. Sua postura foi sempre dissimuladamente risonha, talvez em função da epilepsia que ele carregava consigo, e que procurava a todo custo esconder.

O humor em Machado, assim, pode ser entendido como válvula de escape, como aparece fortemente na sua obra-prima Memórias Póstumas de Brás Cubas. Logo de saída, diz o finado: “Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio”. No dizer de Graciliano Ramos, a característica marcante dessa obra é um “sorriso franzido”.

No trabalho do escritor carioca e acadêmico (ABL) Arnaldo Niskier, é possível identificar em Machado uma adequada mistura entre ironia (o pessimismo altivo apresentado, em geral, que quer dizer exatamente o contrário do que está escrito) e humour ( tom de galhofa perspicaz e velado, envolto em dor e tragédia). Ironia e humour são atitudes que muitas vezes confundem em sua sutileza.

Não é outro o pensamento do acadêmico (ABL) Murilo Mello Filho, para quem a obra de Machado de Assis é fundada em três motivos principais “o humorismo, a tragicidade e a simbologia”. Compreendendo, como Bergson, que o riso deve ter uma significação social, o escritor Murilo Mello afirma que, “em Machado, o humorismo é aliado ao pessimismo, à amargura, ao ódio do gênero humano, à irritação que lhe causava o espetáculo da vida”.

Brás Cubas ( que poderia ser o próprio Machado) muitas vezes atira suas armas contra si mesmo, em outras ocasiões zomba de Deus e da natureza, como no momento em que analisa as mortificações a que se impõem uma mosca e uma formiga. E usa de irreverência quando entende que Marcela o amou durante 15 meses e 11 contos de reis. A mesma característica que está no conto “Teoria do Medalhão”, em que o pai ensina meios escusos ao filho para se projetar socialmente. É o Machado de Assis que todos admiramos como o maior dos nossos escritores.

(*) é professor universitário, jornalista, escritor e amigo inestimável

5 thoughts on “Machado de Assis

  1. Rose says:

    Giba,embora a sua fama esteja ligada aos grandes romances – entre os quais ressalta a trilogia Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891) e Dom Casmurro (1889) – Machado permanece essencialmente um criador de contos. No sentido que exactamente a medida do conto lhe consente, mais do que o afresco do romance, a compenetração na psicologia da sociedade do Segundo Império, sua constante matéria poética. Nisto insere-se ele tanto na tradição do conto francês (Victor Hugo, Balzac, Maupassant, Stendhal, Flaubert) como na esteira de uma corrente nacional cujos primeiros modelos são autores quais José Alencar, Joaquim Manuel de Macedo e Luís Guimarães Filho. É num estilo limpido, polido e ao mesmo tempo coloquial que ao curso tipicamente linear dos acontecimentos vemos corresponder a finura da linguagem e a facilidade expressiva.
    Bela homenagem do Nelson, vejo que ele não sabe apenas sobre Jânio, rs
    Abraços e boa semana !
    Rose*

  2. Victinho says:

    Falar de Machado de Assis é falar de nosso próprio intelecto, mesmo que muito discordem, mas ele foi o mais verdadeiro e transparente escritor de sua época.
    "Botas…as botas apertadas são uma das maiores venturas da terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar…"
    (Machado de Assis)
    excelente post,
    abraços,
    Vitor.

  3. Josy Nunes says:

    Oi,
    Giba,
    também acho que Brás Cubas poderia ser o próprio Machado. Parabén pelo texto.
    Beijão no coração e fica com Deus

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