Aos cuidados do Dr. Antonio Madureza, médico do trabalho

 

Doutor, em resposta ao seu questionamento sobre as condições em que afirmo ter sido acidente de trabalho a causa de meu afastamento do trabalho, descrevo em detalhes o ocorrido.

Fui contratado para trabalhar como pedreiro nesta empresa há cerca de três anos.

No dia do fatídico acidente eu estava trabalhando em um andaime, fechando uma parede externa do 6º andar.

O mestre de obras me pediu para que ao final de meu trabalho eu recolhesse os tijolos que sobrassem.

Terminei às 16:30 e o final do expediente era por volta das 17:00h, portanto faltava só meia hora para descer uns 150 tijolos que sobraram no local.

Era muito tijolo, eu no 6º andar, sozinho. Ia levar muito tempo para descer todos aqueles tijolos.

Resolvi então apelar para a minha grande inteligência.

 

Doutor, em resposta ao seu questionamento sobre as condições em que afirmo ter sido acidente de trabalho a causa de meu afastamento do trabalho...

Peguei um tambor de 200 litros, coloquei todos os tijolos dentro dele, amarrei uma corda bem firme em volta dele, levei a outra ponta da corda para a carretilha que fica pendurada na laje do 12º andar.

Após me certificar que o tambor estava muito bem amarrado, passei a corda na carretilha e desci para o térreo com o intuito de providenciar a retirada do material.

Dei um puxão bem forte na corda e o tambor que estava na beiradinha do andaime bambeou e começou a descer.

Acontece que eu peso 65 quilos e o tambor cheio de tijolos pesou uns 200 quilos.

O tambor começou a descer e eu a subir, já que enrolei a ponta da corda em meu pulso para tentar sustentar o tambor e não permitir que a corda se soltasse de minhas mãos.

Durante a queda do citado tambor eu o encontrei mais ou menos na metade do caminho, foi uma bruta pancada que me fraturou o joelho, quebrou duas costelas e me arrancou alguns dentes.

Apesar da intensa dor, eu não podia largar a corda sob pena de cair daquela altura.

Continuei subindo até que meus dedos foram engolidos pela carretilha, onde os dedos quebraram.

Ao mesmo tempo escutei um barulhão: o tambor chegara ao chão, perdeu o fundo e consequentemente a carga de tijolos.

Resultado: O tambor ficou vazio.

Como o senhor já deve ter imaginado, eu, agora mais pesado que o tambor, comecei a descer e o tambor a subir.

Nos encontramos novamente a meio caminho, em alta velocidade, mas desta vez, como o tambor estava vazio ele só bateu com menos força no meu tornozelo, que quebrou mesmo assim, e ainda rasgou a minha coxa esquerda e quebrou mais duas costelas.

Caí no chão, justamente em cima da pilha de tijolos o que me rendeu mais quatro costelas quebradas e a fratura do fêmur direito e no braço esquerdo.

Neste momento, já meio atordoado, larguei a corda e eis que o tambor desceu lá de cima, numa velocidade espantosa, e caiu bem em cima de mim.

A pancada me valeu mais algumas escoriações e a fratura da mandíbula, além de ter perdido mais alguns dentes e onde ocorreu a quebra da clavícula direita.

Eu já estava quase desacordado quando o nó da ponta da corda bateu no meu olho esquerdo, com toda a força, e lá se foi um olho.

Hoje, estou me recuperando, aos poucos.

Ainda não consigo me mexer e para conversar está difícil por causa da fratura da mandíbula.

Ainda sinto um zumbido no ouvido e já estão providenciando a prótese de vidro para o meu olho esquerdo.

Espero que o senhor tenha compreendido e providencie o mais rapidamente possível a liberação da documentação, assim eu poderei requisitar a minha indenização e posteriormente minha aposentadoria.

Obrigado por sua atenção

José Sebastião da Silva

Doutor, em resposta ao seu questionamento sobre as condições em que afirmo ter sido acidente de trabalho a causa de meu afastamento do trabalho...

4 thoughts on “O 1º acidente de Trabalho do Sr. José

  1. Sandra Paula says:

    Affe, Gilberto, eu já estava morrendo de dó do pobre homem.Tadinho, pensei em como o coitado havia sobrevivido a tudo isso.Que alívio! Menos mal, ou melhor,q bom ser ficticio.Bjus

    • Giba says:

      Já pensou se fosse real?
      Mas não duvide que tenham pessoas com capacidade de provocar tamanho acidente de trabalho.
      Um grande beijo
      Giba

  2. Lino Tavares says:

    Essa narrativa é literalmente “de doer”. Acidentes no trabalho têm sempre alguém culpado. O patrão que não proporcionou meios operacionais seguros ou o empreagado que, tendo-os à disposiçao, não os usou adequadamente. Se, no Brasil, existissem menos protecionismos trabalhistas forenses e mais fiscalizacão nas condiçoes de trabalho, teríamos com certeza menos ações trabalhistas, grande prte delas golpistas, abarrotando os tribunais e menos trabalhadores ocupando leitos hospitalares vítimas de acidentes que poderiam ter sido evitados.

    • Gilberto says:

      Meu amigo Lino, você está, como sempre, coberto de razão.
      Mas para lhe tranquilizar em relação ao Sr. José do texto acima, ele é fictício e este texto foi criado para um treinamento de segurança de trabalho ministrada no Senai.
      Mas o alerta que ele deixou ao se substimar a segurança e usar a tal “inteligência” é de arrepiar mesmo.
      Um grande abraço
      Giba

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