(*) Nelson Valente

O carnaval de hoje não é melhor nem pior do que o de antigamente. É
certamente diferente. Já vivi o suficiente para me atrever a
comparações. Cada um deles tem as suas especificidades e o seu brilho.

Há muitos anos a imprensa divulga que o carnaval de rua morreu. Aliás,
morre todos os anos, num fenômeno que não sei explicar. De
ressurreição em ressurreição a animação dos paulistas, baianos,
pernambucanos e cariocas sobrevivem, sobretudo nos bairros mais
populares.

Tivemos os tempos gloriosos dos fantasiados de pierrô e colombina, que
passeavam pelas ruas do bairro da Lapa, por exemplo, jogando confete e
lança-perfume (na época, um ato inocente). Lembro de um lanterninha do
cinema Arte Palácio, na Avenida São João, que fazia dos três dias de
Momo o seu período de glória. Saía fantasiado de Carmen Miranda, com
castanholas e tudo, colorido a mais não poder, encantando o bairro com
o seu passeio bem-humorado.

Com o passar do tempo, o carnaval de rua ganhou outras
características, com a valorização do fato político. Segundo Mário de
Andrade, são certas deformações que rolam, mas isso é parte da
dinâmica da cultura. Hoje é muito mais comum encontrar-se pelas ruas,
com o bom humor tradicional dos cariocas, os que, a seu modo, criticam
usos e costumes de políticos como Arruda, Prudente e o “esquecido”
Valério, os preferidos da massa. Na irreverência que acompanha nosso
povo, até mesmo a figura do presidente americano Obama e do presidente
da República Lula não escapam das fantasias, com os exageros naturais.

O carnaval de rua é uma imensa charge, executada pelo povo na sua
simplicidade e no seu desejo de participação. E isso não se exaure
nunca, pois a despeito de uma ideia de descrença generalizada, o que
sinto não é bem isso. Os blocos sujos, as fantasias originais, a
alegria solitária dos que saem às ruas contando apenas com a sua
criatividade – tudo isso dá vida ao carnaval, enriquecendo a festa
principalmente em regiões onde, de outra forma, o povo não teria o que
comemorar. E isso, felizmente, não morre nunca.

Os excessos cometidos em alguns veículos de comunicação, chama a
atenção para: Televisão e Família. É oportuno que se fale sobre isso
quando já se está vivendo o período carnavalesco.

É certo que a televisão pode enriquecer a família, mas é indiscutível,
pela sua força, que pode também destruí-la, ao difundir valores
ligados a comportamentos lamentáveis: pornografia e imagens de
violência brutal, assim como informações manipuladas, publicidade
exploradora e falsas visões de vida. Há um mau-gosto enorme na
cobertura dos bailes carnavalescos, onde se pratica a máxima do
“quanto pior, melhor”.

A desculpa da concorrência não pode servir de biombo para as cenas de
Sodoma e Gomorra revividas por algumas das nossas televisões.Isso não
se justifica de nenhuma forma.

No Brasil tudo acaba em carnaval, e tudo começa depois do carnaval.

(*) é professor universitário, jornalista e escritor

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