O Governo não achou a identidade de sua relação com o CNE, assim como o CNE não conseguiu achar sua identidade.
O CNE não tem tempo para discutir as suas próprias questões porque está amarrado no relato de processos.
Ele não aprofunda seus estudos porque não tem assessoria técnica. Não tem competência para avançar nos grandes temas regulatórios da administração pública ou da legislação adequada, porque também não tem assessoria jurídica nenhuma.
O Conselho fica como uma caixa de fósforos vazia. E os ministros, fingindo que não sabem disso, mas sabem muito bem, nunca se dispõem a prover meios técnicos, equipe, estrutura e recursos que possibilitem a existência efetiva do CNE.
Os políticos brasileiros pensam que autonomia seja equivalente à soberania. E soberanos, como sabemos, no nosso caso, são mesmo os políticos. Estamos longe de entender a importância de órgãos técnicos autônomos, mas responsáveis frente à sociedade e a seus representantes.
Os 24 Conselheiros — 12 da Câmara de Educação Básica e 12 da Câmara de Educação Superior — trabalham em certo vácuo de ausência de apoio técnico. Os poucos técnicos que temos são abnegados, fazem milagres.
Os conselheiros despacham em cubículos, visto que só têm arremedos de sala, sem nenhuma privacidade e sem nenhuma assessoria. Levam para casa seus processos e elaboram de próprio punho seus pareceres, diligências e toda e qualquer minudência processual.
Conselheiros são secretários de si mesmos. Se sequer o órgão tem estrutura para trabalhar, é compreensível que o CNE não tenha encontrado a sua verdadeira identidade, seu verdadeiro papel. E isso não é diferente nos estados federados.
O CNE deve ser um órgão de Estado. Por exemplo, quando o CNE vota um parecer de credenciamento da abertura de uma faculdade, o documento vem do MEC, já analisado pelas secretarias. No CNE, é discutido e preparado o parecer e enviados para homologação. Chegando ao gabinete do ministro, pensa que vai mesmo ao ministro para análise e homologação? Não vai não! O mesmo parecer é mandado de volta para a análise das secretarias, que já haviam recebido antes o processo, e depois o encaminham para a secretaria jurídica.
O MEC ouve a burocracia, que não é qualificada para isso como são os conselheiros, para só então homologar ou enterrar, pelo silêncio, o parecer.
Qualquer parecer do CNE morre num escaninho da burocracia, se assim se desejar. Nesse sentido, o CNE é refém da burocracia do MEC, que se manifesta duas vezes sobre cada assunto avaliado pelo CNE, antes de ir ao CNE e depois de voltar do CNE. Isto faz sentido? Claro que não, e claro que sim.
Claro que não, se pensarmos na existência legal de um verdadeiro CNE.
Claro que sim, se pensarmos no predomínio burocrático sobre o estratégico e na incompreensível dificuldade que todo ministro tem com órgãos eventualmente autônomos em seus ministérios.
É claro que uma das ambições que o CNE abriga é a de ter um Estatuto aprovado por decreto presidencial, que regulamentasse a lei que o cria.
Muitos conselhos da órbita federal têm seu estatuto aprovado por decreto do Presidente da República, e certamente não seria demais pedir que o CNE tivesse seu estatuto também desta forma.
No dia 11 de maio de 2008, há quase dois anos, o CNE aprovou o Parecer CNE/CP nº 3/2008, que reexamina o Parecer CNE/CP nº7/2007, com a proposta para o ministro homologar um parecer, concordando que o estatuto fosse exarado por decreto presidencial.
Essa matéria está voltando para lá e para cá há três anos. E este parecer está agora de volta ao CNE, enviado para reexame pelo gabinete do ministro que simplesmente diz que o CNE não pode ter um estatuto aprovado pelo Presidente da Republica, só pode ter um regimento aprovado pelo ministro.
Ou seja, o CNE é mais, em verdade, um CME, Conselho Ministerial de Educação, do que efetivamente nacional. Esse episódio só serve para mostrar que mesmo os mais modernos ministros não estão muito dispostos a dar ao CNE um grau de autonomia em uma grandeza que talvez pudesse rivalizar com o MEC, pelo menos em termos doutrinário.
O Estado brasileiro tem ojeriza à autonomia. Esse estatuto é um dos tristes marcos do período do CNE. E esse parecer será votado novamente e talvez venha a repetir o mesmo ciclo de frustrações.
O CNE difere do antigo Conselho Federal em um ponto essencial: o Conselho Federal tinha estrutura, servidores, assessores, assessorias técnicas, cargos em comissão.
O antigo CFE era um órgão aparelhado para funcionar. Por um mistério, entre o encerramento desmoralizante, e talvez intempestivo, posto que acabaram não sendo investigadas as razões que teriam dado razão ao fechamento do CFE, no governo Itamar.
Em certo sentido, o CFE ainda é mais lembrado talvez do que o CNE. Algumas pessoas ainda citam seus pareceres e, francamente, alguns pareceres doutrinários do antigo CFE merecem mesmo um lugar relevante.
O fim do Conselho Federal de Educação, um erro político. Se o argumento, na época, foi a descoberta de pretensas irregularidades, por que não se abriu o competente inquérito para apurar responsabilidades. Disse na época, o ministro, que o C.F.E. transformou-se num “balção de negócios”. Quais eram as pessoas envolvidas nesse comércio?
A generalização de acusação sem acusação sem provas não parece uma prática defensável, pois colocava todos sob suspeita. E há um pormenor essencial: o extinto CFE examinava os processos, que eram remetidos para o MEC, a fim de serem aprovados, o que muitas vezes dependia também da homologação presidencial. Portanto, havia uma tríplice e solidária aprovação! Como caracterizar apenas a responsabilidade do extinto CFE?
Se o CFE precisou mesmo ser fechado, seria benéfico que a sociedade conhecesse o resultado das investigações e inquéritos que justificaram o fechamento.
É muito ruim que um Estado moderno feche o seu Conselho Federal de Educação e não publique resultados efetivos de investigações, não puna ninguém ou desculpe ninguém porque, no fundo, sobram apenas as suspeitas gerais.
E isto fragiliza a todos no passado e, porque não, no futuro, inclusive no CNE atual.
Nelson Valente é professor universitário, jornalista, escritor e amigo inestimável
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