A educação brasileira tem uma série de nós. Os administradores chamam isso de entropia
Mas, a nosso ver, nenhum suplanta o fenômeno da repetência, com os seus desdobramentos. Vivemos um tempo em que se falava muito de evasão e repetência. Hoje, sabe-se que a evasão, na escola brasileira, não passa de 3%, o que desmente a tese de que as nossas crianças não gostam de suas escolas.
O que existe de fato, é uma enorme repetência, além de uma escandalosa distorção idade/série. Os dois fatores são inter complementares, o que acaba por justificar a incrível estatística de que 86% das crianças estudam fora das séries respectivas, com um atraso apreciável.
Para completar os oito anos de ensino fundamental, é comum levar de 11 a 12 anos, gerando uma sobrecarga no sistema que é bastante onerosa.
A repetência apresenta justificativas que se somam
Em primeiro lugar, a preocupação dos sistemas de ensino de valorizar a aprovação, como se nessa idade isso fosse importante. O que interessa, sobretudo na faixa etária dos 7 aos 10 anos de idade, é a presença da criança na escola, adquirindo hábitos de convivência, respeito aos mestres e adesão às tarefas da relação ensino-aprendizagem,
Em segundo lugar, mas que pode ser o primeiro, a atuação das professoras, em geral com pouco preparo e salários ridículos. Não residirá aí a falta de motivação das próprias crianças e uma boa base para se considerar o proclamado fracasso escolar?
Em terceiro lugar, o apoio sincopado do MEC. Não são todas as escolas que recebem merenda, nem todas elas são aquinhoadas com livros didáticos (estes, quando chegam, em geral é muito tempo depois de iniciadas as aulas). Se reduzirmos a repetência a proporções modestas, haverá vagas para todos – e não se precisará mais pensar nesses “monstros de concretos” que fazem a alegria das empreiteiras.
Os recursos existentes são suficientes? Não.
O que á aplicado tem a marca da eficiência? Não.
Os professores são bem formados? Não.
Os seus salários são condignos? Não.
Temos um bom número de creches? Não.
É boa a qualidade do ensino fundamental? Não.
O ensino médio tem um bom formato? Não.
Aconteceu no país o ensino profissionalizante? Não.
A autonomia universitária é respeitada? Não.
Temos um bom número de universitários? Não.
Nossos pesquisadores são suficientes? Não.
Os livros didáticos são bem aproveitados? Não.
Nossos índices de leitura estão crescendo? Não.
Há computadores em todas escolas? Não.
O projeto banda larga foi universalizado? Não.
Os currículos escolares estão atualizados? Não.
A educação especial tem a devida consideração? Não.
É eficiente a iniciação científica nas escolas? Não.
Acabou o vestibular? Não.
Você confia no Enem? Não.
Temos educação de qualidade? Não.
Alcançamos o ideal do tempo integral? Não.
Os laboratórios são em número suficiente? Não.
Abandonamos a mania de que o que vale é o diploma? Não.
Controlamos os fenômenos da evasão escolar e da repetência? Não.
A distorção idade/série está sob controle? Não.
Aumentou a autoestima do professor? Não.
Cresceu o interesse pelo estudo em matemática? Não.
Reduzimos os fenômenos da evasão e da repetência? Não.
Há iniciação científica nas escolas? Não.
Os índices de leitura estão crescendo? Não.
Os livros didáticos distribuídos gratuitamente são bem escolhidos e bem distribuídos? Não.
Nossas escolas têm segurança? Não.
Nossas escolas públicas têm bibliotecas? Não.
Têm laboratórios equipados? Não
Muitas outras questões podem ser ainda lembradas, como cruciais para que se tenha uma educação de qualidade, em nosso país.
Até quando?
O Brasil dá mais ênfase ao topo, o ensino superior, do que à base, o ensino fundamental. O resultado é outra manifestação de instabilidade: a qualidade do ensino superior vem sendo puxada para baixo por causa da má qualidade do ensino médio; e este também vem perdendo qualidade por causa da piora no ensino fundamental.
Era o melhor caminho para alcançar outra conquista necessária: o desejado tempo integral, que é uma característica básica de todo e qualquer país desenvolvido. Quando se sabe que, entre nós, no ensino médio, cheio de furos, as aulas diárias não passam de quatro horas, já se vê o tamanho do fosso.
E tem mais um óbice: cursos médios oficiais estão sendo ministrados em escolas municipais, por empréstimo, o que dá bem a dimensão da sua ausência de prioridade.
Os governos brasileiros, federal e estaduais, têm alergia à ideia de órgãos autônomos, sejam agências reguladoras, sejam universidades, sejam conselhos educacionais. Por isso, por exemplo, universidades brasileiras não gozam de autonomia verdadeira.
Acho que os políticos brasileiros pensam que autonomia seja equivalente à soberania. E soberanos, como sabemos, no nosso caso, são mesmo os políticos.
Estamos longe de entender a importância de órgãos técnicos autônomos, mas responsáveis frente à sociedade e a seus representantes.
Alguns dirão: a expansão, que é uma política social; outros dirão: as cotas, que também é uma política social; outros, o ProUni (Programa Universidade para Todos), que também é uma política social. Mas, as universidades devem ensinar o quê? É para continuar formando quais profissionais na graduação? Nós queremos universidades de qualificação mundial no Brasil? Queremos universidades de ponta comparadas às de outros países? O que devemos ensinar aos estudantes universitários?
Não se discute o ensino superior no Brasil, discute-se o acesso ao ensino superior, por isso, não existe uma política universitária, uma política educacional do ensino superior.
O Enem representa uma verdadeira contradição
É feito para servir de filtro aos concluintes do ensino médio. Se esses alunos não conseguem êxito no concurso de habilitação, com os conhecimentos amealhados nas escolas, é a prova concreta de que o ensino que lhes foi ministrado era de baixo nível. Ou, como preferem outros, a prova de que o Enem propõe questões que nada têm a ver com o nível do que é ministrado nas escolas regulares, daí a necessidade dos abomináveis “cursinhos”.
Trata-se de um modelo cansado, velho, que se prestou também para enriquecer muitos falsos educadores com a proliferação dos condenáveis cursinhos.
Mas é preciso trocar de modelo por algo que venha efetivamente a funcionar, sendo notável a ideia de valorizar a educação básica: o ensino médio.
Os exames parcelados, a cada ano, somando resultados para uma avaliação final parece-nos o que de melhor foi sugerido, dividindo com mais inteligência o esforço dos alunos, além de obrigar as escolas a uma distribuição mais adequada da carga de conhecimentos a ser exigida dos que a ela têm acesso. O assunto é muito rico, instigante, e ainda será objeto de muita discussão pelas “autoridades educacionais” do país.
O Enem, em boa hora, revelou em parte o tamanho do fenômeno
Buscar culpados é uma forma de desviar do problema, quando o necessário e até mesmo inadiável é tomar providências, oferecer soluções compatíveis com a nossa escassez de recurso.
Está na hora de mudar isso. A educação é o caminho, antes que o país afunde de vez na ignorância, miséria e violência.
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