O noticiário brasileiro, depois do massacre de Realengo, tenta estabelecer o que se passou na cabeça do assassino para comenter essa monstruosidade com os estudantes.
Por todos os canais abertos e fechados, pululam especialistas em tudo.
Psicólogos, Psiquiatras, Psicanalistas Religiosos, Políticos, Policiais e os “analistas” de tudo tentam emplacar uma “explicação”. Enfim, uma parafernália de “explicações”, profundamente inócuas, haja vista, o mundo é real e jamais virtual, porque no mundo midiático, digital, instantâneo, a informação é cada vez mais estilizada, pasteurizada, e os fatos recortados da realidade sem nexo, sem contexto, sem passado, sem história, sem memória, numa destruição clara da temporalidade, como se o mundo fosse um eterno videoclipe. Dessa forma, mais confunde do que esclarece e mais deforma do que forma.
O máximo da violência moderna é o terrorismo, que ainda tem um sentido político. Mas a pós-moderna não tem sentido nem político nem psicológico. É um ato de ruptura, de um nonsense absoluto, uma explosão cega. É um “sair de si”, na linguagem da psicanálise.
Aceitar que a violência possa ser naturalizada é uma tentativa de diluir o terror que ela provoca, de se submeter aos seus efeitos, e de não se implicar com as possibilidades, mesmo pequenas, de sua transformação.
Aceitar que a violência possa ser banalizada e naturalizada é uma tentativa de diluir o seu impacto, seu terror; de se evadir de seus efeitos, de não se implicar com a existência de suas manifestações e com as possibilidades, por pequenas que sejam, de sua transformação. “Esta banalização da violência é, talvez, um dos aliados mais fortes de sua perpetuação.
Resignado à ideia, inculcada pela repetição do jargão de que somos ‘instintivamente violentos, o homem curva-se ao destino e acaba por admitir a existência da violência, como admite a certeza da morte.
A virulência deste hábito mental é tão daninha e potente que, quem quer que se insurja contra este preconceito, arrisca-se a ser estigmatizado de “idealista”, “otimista ingênuo” ou “bobo alegre”.
Que a violência aterrorize e que diante de uma cena assim todos pareçam dizer: “já que não é comigo não vou me meter”, que a solidariedade desapareça por um risco de se expor a própria vida, a isso já nos acostumamos! O selvagem, como o animal, é cruel, mas não tem a maldade do homem civilizado.
O sujeito que sente medo no sonho não o vive como coisa própria, mas no episódio onírico haverá um outro personagem que viverá um estado de medo. Na realidade, o que se produz é um deslocamento da carga psíquica do sujeito para o objeto. Na paranóia, a pessoa projeta sua agressividade, mas também o faz com outros afetos, sem se dar conta de que a essência de tudo está nela. Um exemplo é o caso do menino que, diante da jaula dos leões no zoológico, diz: “Vamos embora, vovô, por que você está com medo.”
Freud considera a agressividade como um impulso inato no homem, em consequência do qual “o próximo não representa para ele somente um auxiliar e objeto sexual, mas também uma tentação para libertar suas tendências agressivas contra ele”. Como ação específica de uma pulsão, a agressividade não é somente uma busca de destruição do objeto (atacar), mas também a mobilização com vista a realizar uma tarefa, sem matiz de destruição (atacar um problema). Nos últimos escritos de Freud, a agressão é derivada do instinto de morte, em oposição ao instinto sexual ou instinto de vida, Eros. O desenvolvimento de Eros neutralizaria a agressão.
A maldade é a vingança do homem contra a sociedade, pelas restrições que ela impõe.
As mais desagradáveis características do homem são geradas por esse ajustamento precário a uma civilização complicada. É o resultado do conflito entre nossos instintos e nossa cultura. Muito mais desagradáveis são as emoções simples e diretas de um cão, ao balançar a cauda, ou ao latir expressando seu desprazer. As emoções do cão, acrescentou Freud pensativamente, lembram-nos os heróis da Antiguidade. Talvez seja essa a razão porque inconscientemente damos aos nossos cães nomes de heróis antigos, como Aquiles e Heitor.
Alguma coisa muito errada, maligna, se esconde nas entranhas da sociedade brasileira. Quando vem à tona, todo o mundo se pergunta como é possível que horrores assim ocorram num país como o Brasil.
Na recente escalada de crimes cometidos no Brasil, nenhum massacre foi mais grave e sangrento do que esse na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro . Pela extensão, o espetáculo macabro avançou um patamar no rol de explosões periódicas de insanidade. Volta e meia, malucos saem atirando contra multidões. Movidos por convicções obscuras.
Adolescentes ou adultos desequilibrados, malucos com manias conspiratórias e outras anomalias não são, obviamente, exclusividade americana. Não se encontra em outros países, contudo, nada similar em termos de explosão gratuita de violência assassina.
Professores e colegas também não aquilataram o perigo, mas para isso pode haver uma explicação. No ambiente ferozmente competitivo das Escolas Públicas e Particulares, os alunos são virtualmente forçados a se agrupar de acordo com seu prestígio e seus talentos. No topo do microcosmo estão os atletas, os bons alunos com vaga garantida na universidade e as garotas bonitas.
A agressão física cedeu espaço ao trabalho de convencimento verbal do educador em relação aos seus alunos. Chegou o momento de compreender que é preciso dar tratamento de choque à nossa educação. Agora, no entanto, parece que há uma crise na ciência do comportamento nas escolas brasileiras – chegam notícias de uma violência inaudita contra professores em sala de aula ou fora dela, sobretudo as de ensino médio.
Com o avanço da psicologia e da psicanálise, que são relativamente recentes, valorizou-se o uso da palavra. Os professores e os pais mais esclarecidos repreendem os alunos e filhos faltosos com este instrumento poderoso e insubstituível de comunicação, que é a palavra. Uma frase dita na hora certa pode valer muito mais do que os castigos, que provocam ira, o que é contraproducente no processo educacional. Quem tem paciência para pesquisar sabe disso.
Como sobrevivemos nós a um cotidiano tão ameaçador para a vida? Que custo isso nos traz? Estes que morrem nas ruas, nas chacinas, nos assaltos, não são nossos parceiros de guerra?
O previsível, porém, é que gente muito desajustada no Brasil, sempre consegue acesso desimpedido às armas de fogo. Prefiro fazer uma previsão tristemente óbvia: “Há um grande número de outros garotos por aí que estão acumulando ressentimentos dentro de si, e fora do nosso alcance”. Ou seja: vai acontecer de novo.
(*) é professor universitário, jornalista, escritor e amigo inestimável.