O último mês de outubro foi particularmente difícil para o governo da presidenta Dilma Rousseff. Caiu o então ministro Orlando Silva, suspeito de desviar recursos repassados à ONGs conveniadas com o programa Segundo Tempo, e tem conseguido esquivar-se das “balas” o ministro Carlos Lupi – embora a Comissão de Ética Pública já tenha recomendado a sua exoneração –, acusado de uma lista de malfeitos, entre eles usar avião contratado pelo dono de uma rede de ONGs beneficiária de convênios com o Ministério do Trabalho.
Um olhar sobre as ONGs
Intuitivamente, as Organizações não Governamentais são entidades privadas, voluntárias mesmo, que se dispõe a oferecer algum serviço ou defender algum direito ou interesse relevante ao público, contudo, sem interferência dos governos.
Uma pesquisa liderada pelo IBGE em 2005 revelou que no Brasil havia pouco mais de 338 mil organizações desse tipo, a maioria destinada a defender direitos ou interesses dos cidadãos. Mais: entre 1996 e 2005, a quantidade de ONGs cresceu 215%, tendo experimentado seu maior salto entre 1991 e 2000.
Justifica-se a década de 1990 ter sido tão profícua para a criação de novas ONGs. Então vivia-se uma redemocratização ainda incipiente, e ter plenos direitos era algo novo, era algo que necessitava defesa. Elas fizeram, pois, preencher esse espaço vazio, instigando o poder público de uma maneira impossível anteriormente.
As ONGs e o serviço público
Tendo-se constatado que as ONGs grassam nos espaços vazios deixados pelo poder público, e acrescendo a práxis caridosa legada da elite portuguesa cristã (caridade aqui em uma acepção de esmola, de ajuda dada ao pobre, mas que não debela a causa da pobreza), é razoável depreender que essas entidades têm um grande campo para atuar: o dos serviços que, direito do povo, o Estado se mostre ineficiente ou mesmo incapaz de oferecer. Notadamente, mais de 24 mil organizações se dedicam a assistência em saúde, educação ou pesquisa.
De sua parte, o Estado encara com complacência a atuação das ONGs; diante da própria incompetência, e pressionada pela demanda de uma população cada vez mais consciente de direitos, a classe política rapidamente se dispôs a financiar as organizações de cunho assistencial, inclusive interessada em se apropriar eleitoralmente de parte do carisma, do prestígio que elas tenham conquistado junto à sociedade. Assim, muitas instituições passam a operar exclusivamente financiadas pelo erário público, institucionalizadas pelo Estado.
O papel institucional do Estado republicano
Cumpre observar que as ONGs assistenciais se organizam de forma mormente voluntária, quando não voluntariosa; elas nascem quando encontram-se uma demanda imediata da comunidade onde está inserida, a vontade de algumas pessoas em atender a demanda, mas não necessariamente a capacidade de fazê-lo.
ONGs não estão obrigadas a se submeterem a alguns dos princípios legais da administração pública – impessoalidade, publicidade e eficiência (este último, associado à competência específica, eventualmente técnica), por exemplo – logo, seu descumprimento não acarreta ônus ou sanção.
E, sobretudo, devido ao caráter imediatista, ONGs não se orientam estrategicamente; pensar a estratégia – fazer escolhas de longo prazo, decidir rumos, vislumbrar o país que se quer no futuro – é papel inalienável do Estado, e não é admissível que terceirize esse compromisso republicano: república, do latim res publica, “coisa pública”.
#ficaadica
- Quanto Vale Ou É Por Quilo?
Esse filme de Sérgio Bianchi encontra no nosso passado escravocrata a inspiração do assistencialismo que experimentamos atualmente.
- A pesquisa mencionada pode ser conferida no sítio da Associação Brasileira de ONGs (www.abong.org.br).
Tiago Marquesi é engenheiro e quer ir embora para Pasárgada – lá poderia estabelecer a Embaixada do Brasil, quando acrescentaria às suas insígnias “diplomata”.
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