A vida conturbada de Elza Soares, “entre tapas e beijos”, não impediu que ela se tornasse uma das maiores cantoras brasileiras

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Lino Tavares

Mais uma voz rara da MPB,  representada pela eclética cantora Elza  Soares,  partiu para o outro plano, deixando como legado lições de vida e arte, mescladas por sucessos e desventuras capazes de fornecer conteúdo robusto a um formidável best seller.

Nascida na pobreza dos subúrbios cariocas, numa família de dez irmãos, em Moça Bonita, atual Vila Vintém, no bairro de Padre Miguel, Elza conheceu as agruras da vida muito cedo, casando de forma forçada pelo pai, aos 13 anos, com um amigo da família chamado Lourdes Antônio Soares, conhecido como Alaordes, ao lado de quem teve uma vida conturbada até os 20 anos, quando ficou viúva não sem antes experimentar a dor da perda de seu segundo filho.

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Mais uma voz rara da MPB,  representada pela eclética cantora Elza  Soares,  partiu para o outro plano, deixando como legado lições de vida e arte
Elza Soares, sem data

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Mesmo tendo exercido as mais modestas atividades, Elza Soares sempre teve consciência de seu potencial artístico, motivada a ingressar na carreira de cantora pelos repetidos elogios que recebia de familiares e amigos, nas suas apresentações amadoras.

Depois de frequentar programas de calouros, em alguns dos quais foi ridicularizada e se tornou objeto de racismo, ela encontrou o caminho do sucesso ajudada pela cantora Sylvinha Telles, que a apresentou a seu Marido, Aloysio Oliveira, produtor da gravadora Odeon, na qual foi contratada, gravando o samba “Se acaso Você Chegasse”, do compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues.

Depois de marcar presença no Chile, em 1962, onde e quando o Brasil conquistou o bicampeonato mundial de futebol, Elza Soares começou um relacionamento amoroso como Mané Garrincha, maior destaque brasileiro daquela competição.

Como o craque era casado, Elza exigiu dele uma definição do tipo “ou ela ou eu”.

Apaixonado, Garrincha se divorciou e assumiu oficialmente seu relacionamento conjugal com a cantora, em 1966.

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Mais uma voz rara da MPB,  representada pela eclética cantora Elza  Soares,  partiu para o outro plano, deixando como legado lições de vida e arte
Elza Soares no Festival Latinidades, 2014

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Mas sua vida não foi fácil ao lado do ídolo futebolista, que bebia em excesso e por vezes a hostilizava.

Além disso, Elza Soares sofreu perseguição da mídia e de amantes do futebol que a acusavam de ter destruído o lar e a carreira do super craque do Botafogo e da seleção.

Com Garrincha ela teve o filho conhecido como Garrinchinha, que faleceu aos 9 anos vítima de um acidente automobilístico.

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Mais uma voz rara da MPB,  representada pela eclética cantora Elza  Soares,  partiu para o outro plano, deixando como legado lições de vida e arte
Mocidade Independente de Padre Miguel 2020 – Wigder Frota

A vida conturbada de Elza Soares, “entre tapas e beijos”, não impediu que ela se tornasse uma das maiores cantoras brasileiras, com apresentações bem sucedidas no exterior, onde foi vivamente aplaudida e laureada, a ponto de ter sido premiada, no ano 2000, como “Melhor Cantora do Milênio”, pela BBC, em Londres, quando se apresentou num concerto com Gal Costa, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Virgínia Rodrigues.

Em 2002, foi indicada ao Grammy com o álbum “Do Cóccix até o Pescoço”.

Em 2010, 28 anos após ter ficado viúva de Mané Garrincha, casou com o jovem Bruno Lucide, de quem se separou dois anos depois.

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Mais uma voz rara da MPB,  representada pela eclética cantora Elza  Soares,  partiu para o outro plano, deixando como legado lições de vida e arte
Show de Elza Soares na Abertura do II Encontro Afro Latino

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     Com sua voz charmosamente rouca e sua polivalência vocal capaz de interpretar com maestria músicas de todos os gêneros, Elza Soares se eterniza no universo do Brasil Pandeiro e da canção mundial, como expressão artística digna de referência entre as futuras gerações.

Deixa entre nós – é claro – uma saudade eterna e uma doce lembrança de sua maneira sui generis de cantar, encantar e cativar multidões.
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MULHER DO FIM DO MUNDO

(Romulo Fróes e Alice Coutinho)

 

Meu choro não é nada além de carnaval

É lágrima de samba na ponta dos pés

A multidão avança como vendaval

Me joga na avenida que não sei qualé

 

Pirata e super homem cantam o calor

Um peixe amarelo beija minha mão

As asas de um anjo soltas pelo chão

Na chuva de confetes deixo a minha dor

 

Na avenida deixei lá

A pele preta e a minha voz

Na avenida deixei lá

A minha fala, minha opinião

A minha casa, minha solidão

Joguei do alto do terceiro andar

Quebrei a cara e me livrei do

Resto

Dessa

Dida,

Na avenida,

Dura

Até

O fim

 

Mulher

do fim

do mundo

Eu sou

Eu vou

Até o fim

Cantar

2 thoughts on “Tributo à imortal Elza Soares

  1. Maguida Schmitt says:

    Não sabia dessa parte da vida dela, quando se casou com 13 anos. Quantos sofrimentos passou, mas com uma força incrível, se manteve lutando até o fim.

    • Gilberto Vieira de Sousa says:

      Pois é Maguida, tudo que poderia ter acontecido para que ela desistisse e se tornasse mais uma sofrida mulher pobre de periferia, aconteceu. A grande diferença foi a força de vontade e uma dose cavalar de teimosia.
      E o fato de você não saber desta fase da vida dela também mostra que nós brasileiros sabemos pouco sobre nossos bons artistas.
      Obrigado por sua visita e comentário.

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