(*) Nelson Valente
Entrevista com o ator Raul Cortez 10/01/2006- Jardim Marajoara ( em sua residência).
NV – Em que ano a sua família chegou em Santo Amaro?
RC – Não sei muito bem. Só sei dizer que eu nasci em Santo Amaro e a minha lembrança vai até a minha bisavó que já estava aqui há muito tempo. Ela tinha uma chácara muito grande. Meu avô foi dono de um cartório da região, meu pai e meu tio foram subprefeitos de Santo Amaro.
NV – Quais são as lembranças da época de sua bisavó?
RC – Nessa época, só me lembro da minha bisavó que morava atrás da Igreja no Largo 13 de maio e eu ia visitá-la sempre. Foi-me contado que na chácara havia cavalos que eram dela também e charretes que ela alugava para as pessoas irem até a cidade, mas disso eu não lembro.
NV – Raul, fale sobre sua infância e sua adolescência aqui no bairro de Santo Amaro.
RC – Eu lembro da casinha onde a gente morava na Rua Delmiro Sampaio,
da casa do meu avô que ficava na Adolfo Pinheiro onde ele tinha o cartório, do Largo 13 de maio onde tinha as Festas do Divino, as quermesses.Lembro das procissões da Semana Santa que passava em frente a minha casa e tinha uma Verônica que subia num banquinho e toda de preto cantava e aqueles sons de matracas.Também da boiada, pois a gente tinha que se recolher porque podia ter um boi meio louco no meio (risos). Lembro de um porre que eu e a minha irmã tomamos na quermesse na 13 de maio, da minha primeira namorada que morava perto da minha casa na Azevedo Sampaio.Até hoje eu tenho um livro que ela me deu de Primeira Comunhão, claro que foi o pai dela que escreveu, o Oscar Stvenson, mas está o nome dela, Eunice.
NV – Você andava de bonde em Santo Amaro?
RC – Muito, andava sem parar porque era muito divertido.Tinha o Camarão que era um bonde vermelho, tinha o Minas Gerais, mas o que eu gostava mesmo era o do reboque que era amarelo. Era muito limpo e organizado e a viagem absolutamente fantástica. Eu lembro que o bonde passava, as pessoas desciam, subiam e tinha uma placa com os nomes das estações: Piraquara, Indianópolis, Brooklim, Campo Belo, Alto da Boa Vista.
NV – Durante a sua infância você estudou em Santo Amaro?
RC – Não.O que hoje se diria Pré-Escola, foi feito no Colégio Maria José na Avenida Adolfo Pinheiro e depois eu fui para o Grupo Paulo Eiró e fiz todo o Curso Primário lá.
NV– Você lembra da sua primeira professora?
RC – Bárbara, uma senhora chamada Bárbara. Eu lembro muito bem e tenho um grande carinho por ela.
NV – Você ia ao Cinema?
RC – Eu ia ao cinema São Francisco, o início de todas as matinês. Já desde criança eu sempre quis ser ator. Via os filmes e proibia minha irmã, que era três anos mais moça do que eu, de ir comigo ao cinema e depois contava o filme inteiro para ela, representando (risos). Acho que foi a minha primeira plateia (risos).
NV – E quais eram os filmes que você mais assistia?
RC – O que passasse no domingo matinê. Uns eu gostava, outros menos. Não tinha um gênero específico. Até hoje eu gosto de ir ao cinema, independente do gênero do filme.
NV –Na sua infância, quais os atores que você mais admirava?
RC – Eu gostava muito do ator que fazia Flash Gordon, o “Buster” Crabbe, pelo fato de ser um “herói”, gostava dos seriados do Zorro e coisas assim, mas sem entender de cinema eu percebia que aqueles filmes eram muito mal-feitos, uma barbaridade. Já adolescente, tinha uma outra atriz, Bárbara Stanwyck, que eu gostava demais e Humphrey Bogart.
NV – Você cursou uma faculdade?
RC – Eu fui até o segundo ano de direito. Eu fui ouvinte aqui na PUC e frequentava a Faculdade de Direito de Campinas.
NV – Com que idade você iniciou na carreira de ator?
RC – Ah, bem mais tarde. Minha família não queria, era contra. Acho que era uma reação natural naquele tempo. Hoje em dia é diferente. Então demorei muito, acho que com uns 23 anos foi que eu comecei.
NV – E você frequentou Escola de Teatro ou fez teatro amador?
RC – Não, embora tenha tido o meu primeiro contato com o teatro numa escolinha chamada Escola Livre de Música, que era feita pela Madalena Lino e eu assistia muitas peças de teatro brasileiro de comédia e frequentava um bar onde fiquei conhecendo gente de teatro e fui convidado pelo Rui Afonso para fazer uma peça de teatro amador com um grupo alemão e eu não estreei como Raul Cortez, estreei como Cristiano Machado que é meu segundo e terceiro nome.
NV – Quando você começou a fazer telenovela?
RC –Quando as novelas começaram eu era totalmente contra porque vivíamos um momento político muito importante e eu fazia parte de um movimento de atores que se opunham frontalmente à telenovela e que fazia teatro político de grande importância. A novela estava sendo feita justamente para distrair o povo e desviar sua atenção dos acontecimentos políticos. Eu só vim a fazer novela em 1980, depois que ela já fazia parte do dia a dia do brasileiro porque eu precisava ser reconhecido como ator, pois o teatro já não estava dando nenhum retorno financeiro e também já tinha perdido essa coisa do “doping” que estava sendo feito à novela como acontece com o futebol e o carnaval, uma coisa de escape para o povo esquecer o que acontece politicamente no país. Inclusive dei declarações terríveis dizendo que não era ator que vendia sabonete e até hoje tem uns colegas, atores veteranos, que me olham de esquerdo por causa disso (risos).
NV – É fácil fazer teatro, hoje em dia?
RC – Para que o teatro seja feito tem de ter uma vontade política de uma administração que lhe dê vias econômicas para sua realização. Do jeito que está sendo feito agora, hoje em dia, é muito difícil.
NV –O sistema educacional brasileiro de hoje poderia ser comparado com o do seu tempo?
RC – Eu acho que não (risos). Ta brincando comigo? Eu aprendi espanhol, francês, inglês na escola. Não fiz escola de Inglês. Aprendi latim, por exemplo.E tem uma série de matérias que não existe hoje em dia. Português era Português, a gente aprendia mesmo. Hoje em dia a gente faz uma pergunta ao jovem e ele não sabe nem escrever. O pior de tudo é que a escola não desperta a curiosidade nos alunos. Uma pessoa que não é curiosa é terrível. Você tem de saber o porque das coisas e querer saber mais. Tem de haver essa
inquietação que não é provocada. É provocada muito pouco nos alunos pelo que me é dado a ter contato.
NV – Como você vê a violência e o tráfico no Rio de Janeiro?
RC – No Rio de Janeiro está terrível, você entra na linha amarela e faz o Nome do Padre quando entra e o Nome do Padre para agradecer, quando sai. Eu já tive que me agachar em táxi várias vezes por causa do tiroteio que existe lá. Acontece na linha amarela e em qualquer lugar do Rio de Janeiro. Então, há uma guerra civil muito grande mesmo, a guerra está declarada lá e eu não sei o que vai acontecer, porque vão ter que entrar dentro das favelas e dar um jeito nisso tudo.
NV – Como você analisa a atuação do Governador Geraldo Alckmin frente aos problemas de Segurança Pública em São Paulo?
RC – Olha eu estou há mais de um ano no Rio de Janeiro e venho para cá esporadicamente, então eu não posso acompanhar o dia a dia dele. Sinto que, hoje em dia, ele está fortalecendo cada vez mais a polícia e dando uma força muito grande a ela, mas posso estar errado.Geraldo Alckmin é o meu candidato á presidência da república (silêncio) …ele é o melhor para o Brasil.
NV – O que você tem a dizer ao povo de Santo Amaro, inclusive, por ser um profissional de notoriedade internacional?
RC – Foi onde eu nasci, onde vivi a minha infância e tenho uma paixão muito grande por esse bairro todo. Foi aqui que eu conheci as pessoas que mais amei na minha vida: minha bisavó, meu avô, meu pai, minha mãe que é daqui, meus primeiros amigos e meus amigos de hoje. Eu passeava de bicicleta aqui com uma turma grande, com o Luisito, filho do Luis Martins de Andrade, que infelizmente, ambos já morreram. Eu poderia morar em outro lugar e estou morando aqui em Santo Amaro e não sei até que ponto é possível se afastar das origens. Eu acho que tem que ter mais amor pelo bairro.
NV – E a saúde? Quer falar a respeito?
RC – Sim ! Não quero que ninguém sinta pena de mim. Estou com câncer (lágrimas rolam pelos olhos), mas a única certeza desta vida é a morte…(longa pausa ). Mas vou lutar até o fim, enquanto tiver esperança e lucidez. A medicina de hoje é muito eficiente e vejo uma luz no final do túnel.Li em seu livro sobre Psicanálise sobre a raposa que não conseguia apanhar as uvas e colocou todos os defeitos nas mesmas por não conseguir apanha-las. Eu também vou usar as mesmas táticas (risos).
Ping-Pong
Nome: Raul Cristiano Machado Cortez
Data de nascimento: 28/08/1931
Ator predileto: Estão todos mortos (risos).Assim é mais fácil.Mas tenho admiração por um jovem ator, Mateus Nachtergaele.
Atriz predileta: Amei a Cacilda Becker a minha vida inteira e admiro profundamente a Fernanda Montenegro.
Livro: Sempre o último que estou lendo, que é seu sobre Psicanálise Freudiana.Tem um livro que até hoje me impressiona e eu não consegui ler até o final que é o Alcorão – é terrível ver uma sociedade se fundamentar nos seus escritos.
Programa de Rádio: Pulo do gato, apresentado pelo jornalista José Paulo de Andrade e gosto dos comentários dele (Zé Paulo) , Salomão Esper , jornalista Maria Lídia e Zé Nello.Excelentes jornalistas.
Político: Jânio Quadros.Hoje eu compreendo sua administração e a importância disso tudo.Gosto do Geraldo Alckmin e tenho muita admiração pela integridade que apresenta. Não sou do partido do PSDB, mas algumas pessoas sempre me impressionaram muito: Montoro,Fernando Henrique Cardoso, o José Serra,excelente administrador,competente e muito honesto e, principalmente, um grande amigo que foi Sérgio Mota.
Jornalista:O Mainarte é fantástico.
Cantor:Caetano Veloso
Cantora: Gal Costa e Adriana Calcanhoto.
Músico: Chet Baker
Música: Feelings e todas as músicas tocadas pelo Glenn Miller, pois lembram as minhas primeiras danças.
Humorista: Jô Soares
A entrevista chega ao final a pedido de Cortez. Ele mostra-se tranquilo o tempo todo, mas considera que nada mais poderá modificar sua biografia.
(*) professor universitário,jornalista e escritor
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