(*) Nelson Valente

Poucos contatos para se conhecer o “outro lado” de Jânio. Ao longo da vida pública de Jânio, inúmeros jornalistas tentaram entrevistá-lo e descrevê-lo. Eis o político:

CHAPLIN & LINCOLN

Dizem que suas fontes de sabedoria jorraram em Cristo, Chaplin, Shakespeare e Lincoln. Quarteto heterogêneo mas com predominante denominador incomum – conteúdo humano. Não se pode negar que soube escolher seus exemplos. Falavam também que pediu emprestado a Lenine algumas de suas táticas políticas (não ideológicas), mas não sei até onde iam suas intimidades com o líder russo. Seu bigode, meio sobre a escova desanimada, seria um empréstimo solicitado a Nietzsche.
Estranha salada da qual resultou uma das mais estranhas personalidades desta república.
Um líder.

ASCENÇÃO & CARREIRA

Vocês sabem quase tudo que sei sobre Jânio Quadros. Assim, vejamos como Jânio conseguiu subir nas árvores quase sempre flexíveis do poder. Árvores esguias às vezes, às vezes amplas de tronco, quebradiças, espinhosas de raízes ávidas ou de fartas raízes: vereador em novembro de 1947 com 1.707 votos. Deputado Estadual em 1950 com 17.840 votos. Governador do Estado de São Paulo em outubro de 1954 com 660.264 votos. Deputado Federal pelo Paraná em outubro de 1958 com 78.810 votos.
Como será sua conta de chegada em 3 de outubro? Jânio obteve 5.636.523 votos em 1960 para Presidente da República.

LATIM & POESIA

Nasceu em janeiro, 25. Ano: 1917. Observem a coincidência: a 25 de janeiro comemora-se a fundação de São Paulo. Ouviu o galo cantar pela primeira vez em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Engatinhou em
Curitiba. Em 1930 a família mudou-se para São Paulo. Depois, Lorena, Bauru, Garça, Cândido Mota. Novamente cidade de São Paulo. Jânio foi guri levado, cabeçudo, finca-pé. Não sei se os padres do Colégio
Arquidiocesano chegaram a puxar-lhe as orelhas, mas os castigos se sucediam: decorar latim. Quousque tanden abutere. Virgílio. Horácio.
Sabia poemas inteiros de cor. Talvez salteados. Daí as sementes de seus próprios versos. Fez poemas. Não sei se os recitava. Mas falava como quem.

XADREZ & CARNAVAL

Em 1935, estava na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Fez política acadêmica. Foi primeiro-secretário “Alvarez de Azevedo” e do “XI de Agosto”. Havia três mulheres em sua vida: mãe, esposa e filha. Conheceu D. Eloá aos 21 anos. Ela, então brotinho de 15 anos, achou-o feio, mas alegaria mais tarde: quem vê cara, não vê coração. Casaram-se em 1942. São felizes ao que sei, e se entendem bem. O Jânio de então, decifrava palavras cruzadas, jogava xadrez, lia histórias policiais e freqüentava (sem dançar) bailes de carnaval. Num desses bailes, um frasco de lança perfume explodiu perto dele. Vem daí
o pequeno defeito que tinha numa das vistas.
Mas que não o impedia de enxergar longe.

NAVALHA & PENTE

Por motivos que ainda não descobri, era inimigo da navalha e do pente. Parece que a barba o protegia do frio, da garoa paulista, dos inimigos, de si mesmo. Dizem que barba é amiga de meditações profundas. Acariciá-la eqüivale a aprimorar idéias. Cofiar um bom cavanhaque, confessou-me certa vez um amigo do sul, o deixava afiado nos positivistas de sua cabeceira. O Jânio mudou ou foi mudado. Era barbudo, está escanhoado. Era pálido, está rosado. Era triste, está quase alegre. Era encurvado, está ereto. Era esconfiado, está mais ainda. Apresentava-se sempre bem barbeado, bem penteado, bem escovado, bem passado. Único senão à sua linha: usava suspensórios. Era quase elegante. Quase, eu disse. E as mulheres, principalmente suas eleitoras, já o consideravam quase bonito.
Quase, eu disse.

HONESTIDADE & TRABALHO

Observe-se que estou analisando seu lado humano, e não seu lado político. Brinca-se com um homem, mas não se brinca com suas idéias. O cidadão Jânio Quadros, por ser incomum, admitia considerações incomuns. Com o político Jânio Quadros não me meto. Ou não me meto nesta seção. Ele afirmava que iria salvar o Brasil, que definiria nossas estações, porquanto vivemos em permanente inverno que considerava longo e tenebroso. Diz que quando ingressou na política foi com a intenção de demonstrar que o regime democrático exige apenas honestidade e trabalho. Sempre se preocupou com os problemas brasileiros, sempre amou a pátria embora não seja personagem de hino.
Em 1939, seu colega Nelson Coutinho escreveu artigo que dizia assim:
“Nele tudo é patriotismo, é nacionalismo exaltado, é vibração cívica…”
Nunca dormiu em berço esplêndido.

CARISMA & DESTINO

Ficou em moda ligar o substantivo carisma à personalidade de Jânio Quadros. Quem não o entendia, e o temia por não entendê-lo, ia logo dizendo de boca meio adernada: “Sei lá, ele é meio carismático”.
Nesse carismático vai um pouco de desconfiança, um pouco de intranqüilidade, um pouco de velada admiração. Jânio era um político que usava armas inusitadas. Sempre procurou fugir ao lugar-comum
administrativo. Seus bilhetinhos ficaram famosos em São Paulo. Sua administração sacudiu o funcionalismo público. Muita gente teve medo dele e muita gente o admirava fundo. Também o chamavam de “messiânico”. Já foi imaginado que túnica branca e ampla, cabelos derramados pelos ombros, pregando às margens do rio Ipiranga.
Daria um bom apóstolo.

NERVOS & AUTORIDADE

Comia mal, bebia muito bem, dormia tarde, acordava cedo, era extremamente nervoso, mas não se considerava explosivo. Ou melhor: controlava as explosões, porque as temia. “A explosão, dizia ele, exclui melhor decisão, melhor certeza, melhor juízo”. Se era pai autoritário? Não se julgava. Se era marido exigente? Pensava que não.
Diz que dava á filha e à esposa liberdade de gosto e preferência. Era condescendente com os namorados de Tutu. Não a trancava em círculos de ferro. Procurava compreendê-la e ser compreendido. Gostava muito de
viajar. Teve a preocupação de correr mundo para aprender. Esperança de importar alguma coisa para nossa terra e nossa gente. Bisbilhotou o Japão, a Índia, a Rússia.

GURI & TOTÓ

Considerava-se homem de formação clássica. Foi professor de português, geografia e história. Tinha uma gramática expositiva concluída. Em economia dizia-se acadêmico. Gostava de ler biografias de homens fortes: Bolívar, Lincoln, Bismarck.
Detestava fazer compras ou ver vitrinas. Gostava de cães.
Tinha alguns em casa: Guri e Totó, por exemplo. Nomes bem brasileiros.
Ainda bem: “Sempre desconfiei de cachorro com nome sofisticado.
Cachorro nacional tem que se chamar mesmo Joli, Sultão Jagunço, Toco.
Minha vizinha tem uma cadela chamada Blue Gardênia. Não confio nesse bicho. Conheço uma cadela chamada Sonata. Confio menos ainda” – parafraseou Jânio.
Os Quadros souberam batizar seus mastins. Bom sinal.
Note-se: mesmo com bichos Jânio era intransigente – quis despedir os cães da Polícia Militar, quando Governador de São Paulo, porque fracassaram na busca de criança perdida.

ÍNDIOS & VARGAS

Sentia-se atraído pelo oeste, pelos ocasos, pelas auroras, pelo céu, pelas nuvens livres do oeste. Entendia-se com índios. Era amigo de Cláudio e Orlando Villas Boas. Gostava de caçar em Mato Grosso. Atirava bem. A noite de 3 de abril de 1955 foi a mais dramática de sua vida. Seria ou não candidato à Presidência da
República? No último instante renunciou em favor de Juarez Távora.
Licenciou-se do governo para fazer a campanha com o general.
Perderam. Serviu o treino. Era amigo de Getúlio Vargas e isso lhe valeu expulsão do PDC (que depois reconsiderou a medida).
Dizia o padre Arruda Câmara que ele não foi expulso, mas convidado a sair do partido.

CONFIANÇA & MEDO

Tinha a mais absoluta confiança no julgamento popular. Não acreditava que desta vez o povo se equivocasse. Seja qual for o resultado das urnas, porém, sentia-se inteiramente realizado como político. Aos 43 anos, fez o que muito político profissional não faria aos 80. Lutou, foi atacado, atacou, voou (tinha medo de avião), usou caminhão, jipe, trem, vapor, talvez até bicicleta. Usaria patins se preciso fosse. Ou patinete, porque gostava muito de crianças. No fundo, foi um lírico. Na forma, um prático. Por quê? Porque tem sabido bitolar seus prováveis sonhos de grandeza numa realidade palpável.
Quer dizer: quis ser vereador, foi; quis ser Deputado, foi; quis ser Governador, foi. Quer agora varrer a nação.
Varrerá? Sim. Foi Presidente da República e renunciou. Em 1985 seu último mandato foi como Prefeito da cidade de São Paulo.

PERSONAGEM & POLÍTICO

Assim é (mais ou menos), ou assim me parece ser o cidadão Jânio da Silva Quadros. O personagem é meu. O político pertenceu e pertencerá eternamente à história do Brasil.

(*) é professor universitário, jornalista, escritor e amigo inestimável.

3 thoughts on “25 de Janeiro: Jânio Quadros Completaria 94 anos

  1. Andressa says:

    Boa tarde Nelson! Tudo bem?
    Uma instituição está comemorando aniversário e gostaria de ter um representante de Janio Quadros no dia da celebração. Você poderia me passar o contato do Janio Quadros Neto? Ou então me colocar em contato com ele?
    Percebi que vocês se conhecem e espero que possa me ajudar.
    Desde já agradeço a sua atenção.
    Até mais!
    Andressa (andressa@abmbrasil.com.br)

  2. Jânio Quados Neto says:

    Excelente texto sobre meu avô. Nelson é meu amigo e de minha família. Meu avô tinha profunda admiração, amizade e carinho pelo professor Nélson Valente.

    Jânio Quadros Neto

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