“Socorro!”, gritou o Cágado de nome Jarunalete, em uma tentativa de chamar atenção ao que estava acontecer na sua aldeia. Um gerente fora contratado para liderar projeto Oralidade em TI da Floresta Tupicá. Ninguém escutou o grito. A oralidade reinou até o extermínio de sua língua.
Jarunalete foi-lhe permitido viver 113 anos, era a única biblioteca ambulante, que registrara em sua memória os acontecimentos e as tentativas de sobrevivência de sua língua. Não sobreviveu ao projeto Oralidade em TI, não contemplava esse item em seu escopo. As plantas foram catalogadas e suas fórmulas milagrosas transformadas em remédios em grandes laboratórios. Num dia infeliz Jarunalete acordou com mal estar. Foi socorrido por uma sobrinha que o levou ao hospital mais próximo.
Diagnóstico? Intestino em greve prendia tudo que entrasse. Com papel branco em mãos apresentou-se diante de um búfalo de branco atrás de balcão que o sentenciou: “Um dinheiro”.
“Um dinheiro!”, repetiu o réptil. Era muito dinheiro, um dinheiro.
Lembrou-se que nos tempos de antigamente não precisava pagar para convencer o intestino a soltar os alimentos, bastava mastigar uma folha da planta que ele aprendera em ritos de passagem.
Jarunalete ficou horrorizado. “Aquele gerente do projeto Oralidade me paga”, jurou e voltou a jurar. Foi então que debaixo da jabuticabeira conseguiu reunir mais de mil cágados que reclamavam seus direitos.
Um Leopardo transeunte faminto vendo aquilo não hesitou e exclamou:
“Que cagaiada é essa meu deus! Eu com tanta fome, que faço com tanta casca dura?”, aproximou-se para saber o contencioso. Achou justa a reclamação e prontificou ajudar.
O combate durou anos e contou com apoio dos simpatizantes. Quando terminaram de guerrear restavam poucos cágados e os poucos eram sacrificados para refeição dos Tigres que na matança aprenderam a apreciar a suculenta carne.
“Vocês comem Cágado?”, perguntou o Leão, que achava nojento.
“Qual é gajo, calma. Estou sabendo que você também anda comendo a gazela”, resmungou o Tigre.
“Parem vocês dois, o que comer é questão cultural. Até a mandioca venenosa aprendemos a retirar o veneno”.
“Crueldade, crueldade!”, foi-se afastando o camaleão.
“Vá andando antes que vire refeição, meu amigo”.
O nó górdio concedeu liberdade e soberania plenipotenciárias aos sobreviventes da guerra. Búfalos, elefantes, hipopótamos, Leões, Tigres,
entre outros, multiplicavam suas famílias. Enquanto isso Jarunalete lutava para sobreviver e já havia perdida esperança quando alguém se lembrou das promessas. Um gerente foi contrato para liderar o projeto “Humanidade para todos”, com escopo firme: Salvar da extinção o idioma, uso e costumes da minoria e promover a criação de núcleos de pesquisas nas universidades para registro de suas memórias.
A única oralidade aceitável era literária para vozear os textos. Alguém achou por bem atribuir uma voz a escrita que contava causos e casos de Jarunalete.
Davambe