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Os amigos Valter Duarte e Ezilda Ferreira, estão lançando o livro “A renúncia de Jânio Quadros, Componentes históricos e institucionais”.
Valter Duarte é médico, bacharel em ciências sociais, mestre em ciência política, doutor em ciências e professor de ciência política na Universidade do estado do Rio de Janeiro e na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Ezilda Ferreira é Bacharel e licenciada em ciências sociais, mestre em sociologia e professora de sociologia na Universidade Estácio de Sá
Trata-se de um livro que além de resgatar alguns fatos históricos envolvendo a renúncia do Ex-presidente brasileiro, que ocorreu em 25 de agosto de 1961, também faz uma analise dos fatores institucionais que influenciaram a atitude de Jânio e quais foram suas consequências.
O lançamento deste livro vem como complemento de tudo aquilo que se falou a respeito após cinquenta anos do ocorrido.
Para os autores, Jânio Quadros sempre deixou nas entrelinhas uma impressão de que havia algo inconfessável naquela decisão.
Nas palavras do autor: “Um país que tinha uma crise para ser resolvida se despediu da ilusão de ter um presidente da república acima dos interesses dos partidos e dos interesses das instituiçõess privadas. Jânio não era responsável por aquela disputa, nem foi responsável por seu desfecho”.
Em minha opinião, perdemos a oportunidade de ter, talvez o único presidente da república civil, de personalidade incorruptível.
Não podemos esquecer que a renúncia de Jânio Quadros trouxe ao Brasil uma das maiores crises políticas de nossa história.
Em conversa com o autor Valter Duarte, ele lamentou o desinteresse de nossa imprensa e de vários centros acadêmicos do país em comentar mais profundamente o fato, suas consequências e suas heranças.
Abaixo reproduzo o que considero ser um dos trechos mais importante deste livro, muito bem elaborado.
“c) a autoridade do mandatário virtual
Há uma discussão a respeito de como deve ser cumprido um mandato representativo tendo em vista as relações entre representantes e representados, cuja raiz está num discurso de 1774 do irlandês Edmund Burke dirigido aos eleitores de Bristol[1]. Trata do problema de definir a quem se deve obedecer no exercício do mandato: aos eleitores ou ao próprio representante, à sua consciência de representante responsável por uma coletividade maior que a de seus eleitores. Costuma-se dizer que aquele que obedece aos eleitores cumpre um mandato imperativo e que aquele que obedece à sua consciência de representante de coletividade cumpre um mandato virtual.
Mas isso não termina assim. A idéia de mandato imperativo é derivada da fonte do mandato. Nas raízes, a fonte era da delegação real e da soberania do rei; após os primeiros anos de desenvolvimento das instituições políticas liberais, a fonte passou a ser da delegação e da soberania dos eleitores. Portanto, não é mero problema técnico, tem a ver com a fonte da fundamentação do mandato, com o soberano ao qual o mandato representa. E mais: tem a ver com total falta de independência do representante, que nas raízes tinha de seguir ordens imperiais e, nos dias de hoje, como dizemos, tem de consultar as bases para tudo que tiver de votar no Poder Legislativo.
A posição de Edmund Burke foi no sentido de contrariar a expectativa de cumprimento imperativo do seu mandato parlamentar. Defendeu que um representante não pode pensar em termos de nada que tenha de ser considerado em particular, seja indivíduo isolado, seja uma comunidade, quando presentes numa realidade única comum a muitos indivíduos e comunidades. Por isso, argumentou que não devia obediência cega aos seus eleitores. Pelo ano do discurso, pode ser que tenha sido influenciado por Rousseau, pela idéia que mais tarde Alexandre Dumas resumiria na fórmula um por todos e todos por um, inspirada na leitura de O Contrato Social. Seja como for, Edmund Burke valeu-se de outras figuras para fundamentar a sua posição, figuras para além dos eleitores. Nem rei nem os eleitores individualmente considerados podiam imperar. Commonwealth, povo, nação ou qualquer abstração equivalente era o que devia ser representado nas instituições, era o que devia ser representado por cada representante oficial, era a fonte que devia fundamentar as decisões de todos os representantes. Foi o aparecimento da idéia de mandato virtual, em conseqüência, de representante ou mandatário virtual.
Sem dúvida, consideradas apenas as suas raízes, a questão diz respeito a representação parlamentar, a quando um deputado tem de dizer aos seus eleitores de um determinado bairro, distrito, município ou estado, que tem de pensar no país como um todo e não neles em particular. Não era questão na época de Burke que dissesse respeito, até porque ainda não havia, a um presidente republicano. Só que passou a dizer também aos presidentes republicanos na medida em que estão sujeitos ao controle de Poderes Legislativos nos quais os deputados tendem, até para efeito de propaganda com vistas à reeleição, a alegar que obedecem aos seus eleitores, às suas bases. Os caracteres críticos das instituições liberais acabam se impondo. Os deputados podem não se apresentar como mandatários virtuais, como Burke, e sim como mandatários imperativos. Ao contrário, como um mandato presidencial tem como fundamento alguma das abstrações que totalitarizam num sujeito único toda a diversidade que integram, não há como esse tipo de representante particularizar nada: em nome do Povo e da Pátria, tem de ser um mandato virtual.
Coexistência de mandatários imperativos com mandatários virtuais implica crise de autoridade, que tende a se manifestar em fatos quando não houver concessões por nenhuma das partes. Mas é preciso esclarecer o que entendemos como autoridade para não deixar dúvidas quanto ao que estamos querendo dizer. Passamos por uma ditadura que muitas vezes foi chamada de regime autoritário quando de fato era regime arbitrário. A leitura dos discursos de Jânio não mostra esse equívoco. Jânio sabia muito bem do que estava falando. O que ele talvez não tenha conseguido que fosse entendido era a fonte da autoridade alegada por ele, a autoridade que disse ter sido alcançada e que, segundo suas palavras, o levou a renunciar.
Tomamos aqui o significado de autoridade que consideramos seja aquele encontrado nos discursos de Jânio, embora não explícito. É o mesmo que encontramos no capítulo XVI do Leviatã de Hobbes. Mas devemos alertar que não estamos comparando Jânio ao Leviatã, muito menos igualando, e que não interpretamos a figura do Leviatã proposta por Hobbes de acordo com a lenda criada em torno da obra e do autor. Seriam dois erros terríveis. O significado de autoridade que estamos indicando vem da idéia de que as relações entre cada pessoa e a sua representação social devem ser pensadas em termos de relações entre autor e ator, este, o representante ou mandatário.
Todo ato teria um autor, porém, sempre exercido por um ator que, ao agir em sociedade é considerado pessoa. No caso de o autor agir por si mesmo, de ser o seu próprio ator ou representante, será pessoa natural; no caso de alguém agir em nome do autor, representando-o, será um ator: pessoa fictícia ou artificial. Mas não sendo propriamente autor dos atos daquele a quem representa, o ator só pode agir em nome do representado se este lhe outorgar a condição de autor, isto é, se lhe passar a sua autoridade, condição definidora daquele em nome do qual estará agindo. Então, o ator, representante ou mandatário agirá por autoridade, pela autoridade que lhe foi passada. Nesse sentido, vereadores, prefeitos, deputados, governadores, senadores, presidentes, são todos atores, representantes, mandatários, autoridades constituídas em geral. O problema é esclarecer quais são os autores que devem ser considerados como fonte da autoridade, se as pessoas naturais, os eleitores em geral como indivíduos, as suas associações particulares, pessoas jurídicas, ou figuras abstratas como Povo e Pátria. Sem dúvida, deve-se esclarecer em cada caso qual a fonte de autoridade que é alegada para que seja possível saber se a representação do mandato tende a ser imperativa ou virtual. A escolha do autor, isto é, da fonte da autoridade é decisiva para interpretarmos o que um ator político tende a ser em seu mandato.
A crise de autoridade a que nos referimos, opondo mandatários imperativos e mandatários virtuais, tem sua base na crise de seus fundamentos, na oposição entre esses fundamentos. É derivada da relação descontínua entre indivíduos e sociedades quando estas são tratadas, no mínimo, como antropomórficas. Em rigor, é a maneira comum de viver representando e relacionando partes descontínuas de modo contraditório, mesmo que não sejam necessariamente contraditórias. Essa relação foi proposta na citada fórmula de Rousseau e desenvolvida na Sociologia de Durkheim. É a que diz respeito a cada cidadão ser cidadão porque existe o todo – o qual é formado porque ele e outros indivíduos se deram inteiramente para formá-lo e, depois de formá-lo, o representam em suas ações individuais como partes indivisíveis do que formaram -, e somente por isso.
Quando nós examinamos o pensamento individualista em seus principais autores ingleses e norte-americanos, encontramos um esforço exaustivo de raciocínio para encontrar continuidade, e não descontinuidade, entre indivíduos e sociedades. O ideal de representação dos individualistas tem em vista as instituições políticas representarem os indivíduos ou as suas comunidades em particular e não o contrário. O discurso de Burke, daí a suspeita da influência de Rousseau, fala de as instituições políticas e de os escolhidos pelos eleitores representarem algo acima deles, acima das vontades individuais. Portanto, fala no sentido contrário daquele que os individualistas propõem para essa relação. Talvez por isso, em 1780, Burke não foi reeleito pelos eleitores de Bristol.
As instituições políticas liberais são produtos políticos do individualismo. Embora não impeçam que seus mandatários façam discursos em nome do todo, seja lá como este venha a ser concebido ou chamado, foram criadas para mandatos imperativos. Assim, se seus mandatários fizerem e levarem a sério discursos em nome do Povo e da Pátria, deixando de lado a função demagógica que possam ter, e tiverem a intenção de cumprir o que dizem, tornando-se mandatários virtuais, têm tudo para entrar em conflito com o sistema, manifestando em fatos a crise de autoridade que provocam.
[1] Speech to the Electors of Bristol.“
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* Giba é Técnico em sistemas de tv digital, idealizador e administrador do Gibanet.com
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Muito bom seu artigo. como sempre excelentes matérias.
Abraço.