Quando Jânio da Silva Quadros, o maior fenômeno eleitoral surgido na política brasileira do momento assumiu a presidência em janeiro de 1961, o Brasil estava submerso numa profunda crise econômica, o que propiciava o surgimento do janismo.
Considerado um precursor do marketing político, falava à mídia e ao eleitorado por meio de imagens, símbolos e emoções.
Ele tinha um repertório cênico e retórico de vocação populista, marcado por gestualidade ostensiva, vocabulário rebuscado e tiradas imprevisíveis.
O governo implantou imediatamente um austero e ortodoxo conjunto de medidas de estabilização econômica, com uma violenta desvalorização cambial, redução dos gastos públicos, controle da emissão monetária e redução dos subsídios ao trigo e ao petróleo para combater o déficit orçamentário calculado em Cr$ 123 bilhões.
Armado da famosa “tesoura”, o presidente podou o orçamento cortando vantagens e reduzindo verbas. As bases de sua atuação econômica estavam sintetizados nos “dez mandamentos de Jânio”:
1 – Congelamento das verbas dos fundos especiais;
2 – Revisão da política tarifária de modo a desonerar a União das subvenções que tinham distribuídos para cobrir déficit reais ou fictícios das várias empresas, incluindo os correios e telégrafos;
3 – Congelamento de despesas adiáveis, cortando verbas de auxílio, subvenções e indenizações;
4 – Reexame dos pagamentos e dos créditos especiais;
5 – Reexame das dotações orçamentárias destinadas a custeio de serviços, desenvolvimento econômico e social e investimentos;
6 – Revisão na nomeação de funcionários;
7 – Revisão das ajudas de custo, verbas de representação, gratificações, risco de vida e nível universitário;
8 – Corte drástico nas despesas em dólares com pessoal em funções no exterior;
9 – Prévia aprovação da entrega de recursos orçamentários destinados a obras, instalação, equipamentos e desapropriações de imóveis;
10 – Eliminação de todos os gastos supérfluos.
Na sua intenção de eliminar o déficit público determinou um aumento das tarifas dos correios em quase quinhentos por cento em alguns serviços, sendo um dos mais afetado o de reembolso postal, fazendo com que em muitos casos a postagem custasse quase o mesmo preço do livro.
Por determinação da SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito) as remessas de direitos autorais (entendidas como “royalties”) para o estrangeiro estavam bloqueadas, sem qualquer cobertura cambial.
As gráficas também fora penalizadas com a eliminação do câmbio preferencial que permitia a importação de bens de capital e matérias primas, provocando um aumento no preço de papel que subiu de 6 para 150 cruzeiros o quilo.
Os custos do papel para os livros que em 1950 representava 10% chegaria a cifra absurda de 75%. Para tentar aliviar a pressão do custo dos livros, especialmente os didáticos, sobre o orçamento familiar, Jânio assinou um decreto estabelecendo dois anos de validade para os livros adotados, autorizando a venda de livros pelas cooperativas escolares, congelou por cinco anos os programas de ensino e a distribuição de disciplinas por série, designando o Banco do Brasil para o financiamento da produção de livros didáticos.
A instrução 204 da SUMOC que se destinava ao reordenamento geral da política econômica do governo, provocou o encarecimento do papel em 170%, descapitalização das empresas, um aumento de 100% na taxa de câmbio o que inviabilizou as importações de livros, e um corte na modernização por falta de financiamentos a um brusco aumento de juros.
A Câmara Brasileira do Livro elaborou um documento com as reivindicações do setor, entregue pessoalmente ao presidente, por uma comissão formada por José de Barros Martins, Ênio Silveira, Octales Marcondes Ferreira, Jorge Saraiva, Diaulas Riedel, Francisco Marins, Antônio Olavo Pereira, Theobaldo de Nigris e Mário da Silva Brito. De fato houve duas entrevistas com Jânio da Silva Quadros.
A primeira em abril de 1964, onde o Presidente afirmou que tinha urgência em coibir os abusos do poder econômico, relatando a enorme sangria feita no orçamento cambial do país através de dólares remetidos para fora do país e de que as medidas eram necessárias, ainda que duras, para sanear as finanças brasileiras.
Como não houvesse medida concreta alguma para resolver o problema da Instrução 204 e o das Tarifas Postais, foi solicitada uma segunda entrevista à qual compareceram Mário Fittipaldi e Mário da Silva Brito em junho de 1961, já na gestão Octalles Marcondes, quando Mário Fittipaldi era o 1o. vice-presidente da CBL, no exercício da Presidência.
Nesta última audiência foi entregue a Jânio Quadros um memorial redigido pelo próprio Fittipaldi em que se propunha, para compatibilizar a indústria do livro com a instrução 204, o mesmo esquema de incrementos semestrais de 10% na taxa cambial, o que possibilitaria às editoras se adaptarem com a nova realidade cambial no prazo de cinco anos.
O Presidente mostrou-se extremadamente favorável a essa ideia, tendo no mesmo momento – segundo os integrantes da CBL – por telefone, contatado o ministro da Fazenda, Clemente Mariani, no Rio de Janeiro.
Após a entrevista, o Presidente ordenaria o congelamento das tarifa postais para o setor. A secretaria da presidência providenciou um rápido transporte dos representantes da CBL até o Rio de Janeiro, onde o ministro os receberia em seu gabinete, tendo nesta ocasião tomado conhecimento do memorial.
O documento entregue ao Presidente relatava as causas da restrita circulação de livros no Brasil, impedindo a democratização da cultura, a falta de financiamentos oficiais a juros menores que os praticados pelo mercado.
Ressaltava que nos últimos dez anos nenhum editor tinha conseguido licença para importar máquinas reequipando sua indústria e a precariedade dos meios de comunicação.
Afirmava que e face da nova Instrução, o dólar livro que custava setenta e cinco cruzeiros e sessenta e oito centavos, iria até o fim do primeiro semestre a duzentos cruzeiros por dólar, o que representava um aumento aproximado de 170%, provocando com isto uma majoração brusca nos preços dos livros, redução do potencial econômico-financeiro das empresas editoras e uma estagnação do processo cultural brasileiro.
Solicitava ao governo créditos oficiais favoráveis para a aquisição de papel e máquinas, que o Banco do Brasil descontasse títulos comerciais no prazo máximo de doze meses, e que fosse dado às editoras, quanto às taxas de juros, o mesmo tratamento dispensado aos financiamentos e créditos agropecuários.
Explicava que o desaparecimento do dólar de custo inviabilizou a importação de livros, sem que isto signifique a possibilidade de substituir o livro importado pelo livro nacional, e que a demora de cento e vinte dias da remessa dos dólares para o exterior, impediria que editoras estrangeiras enviassem livros para o Brasil.
Solicitava ainda a constituição de um “Fundo Nacional para a Indústria do Livro” para assistir e estimular a indústria e o comércio de livro com vistas a sua difusão.
Um outro problema criado para o setor pela política governamental foi a determinação através da Instrução204 do fim do subsídio à indústria de papel, sobre a argumentação de que esta beneficiava apenas uma empresa (a Klabin controlava 80% da produção nacional) e de que os jornais “gastavam muito papel inutilmente” (especialmente o antijanista O Estado de São Paulo).
A Câmara Brasileira do Livro iniciou uma articulação política em defesa do setor bem antes da entrevista presidencial que incluía a escritora Raquel de Queiroz, que tinha recusado um convite de Jânio para ser ministra da Educação por considerar-se “despreparada”, utilizando um artigo publicado pela revista Cruzeiro, onde se divulgou através de uma crônica chamada “Aqui D’El Rei Brasília”, os problemas do livro defendendo o setor editorial do colapso que se aproximava.
Através de entendimentos com o presidente Jânio Quadros a CBL conseguiu o congelamento das tarifas postais e a promessa de estudar o parcelamento da desvalorização cambial semestralmente, um subsídio ao papel e a criação junto à Carteira de Crédito do Banco do Brasil uma carteira especializada para o Livro.
Quanto ao preço do livro didático, a proposta janista foi a determinação de um estudo para a adoção de um único livro para cada série e disciplina em todo o âmbito nacional.
Pouco antes de efetuar sua renúncia em 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros ordenou a formação de um grupo de trabalho formado por escritores, livreiros e editores, coordenados pela Câmara Brasileira do Livro para estudar os problemas do livro no Brasil, processo que foi abortado pelo seu afastamento do poder.
Nelson Valente é professor universitário, jornalista e escritor
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