E o Brasil, Quer o Que Com Seu Ensino Superior? 3Nelson Valente

 

Nos dois últimos governos inventaram índices, condições de oferta, Sinaes, Conaes, IGCs, CPCs, CCs , SISU, Pronatec e AIEs (Avaliação Institucional Externa), produziram especiosos e detalhistas, senão ineficazes, instrumentos de avaliações, além de Enade, Enem, provinhas e provões, decretos-pontes, reformas universitárias, dilúvios de portarias ministeriais, micro (ou nano) regulatórias, enfim, uma parafernália de mudanças.

 

Tudo muito bonito, mas efetivamente inócuo

 

É um processo avassalador de modificações. Os governos brasileiros, federal e estaduais, têm alergia à ideia de órgãos autônomos, sejam agências reguladoras, sejam universidades, sejam conselhos educacionais. As universidades brasileiras não gozam de autonomia verdadeira. Acho que os políticos brasileiros pensam que autonomia seja equivalente à soberania. Neste sentido, é de certa forma irônica observar que foi certa autonomia do Banco Central que deu ao Brasil a estabilidade da qual hoje se beneficia o país.

 

Não se discute o ensino superior no Brasil, discute-se o acesso ao ensino superior, por isso, não existe uma política universitária, uma política educacional do ensino superior. Minha decepção nesse período é que não tenhamos discutido os objetivos do ensino superior no Brasil. Hoje, o Brasil é a 8ª, 9ª economia do mundo.

 

Se pegarmos a lista de melhores universidades mundiais, não encontramos nenhuma universidade brasileira entre as 100 primeiras. Vemos alguma lá na 180ª posição, que são as paulistas, a USP, a Unicamp, seguidas pela UFRJ, UFMG. O Brasil nunca definiu se deseja ter uma grande universidade de qualificação mundial. A Coreia do Sul está lutando bravamente para constituir universidades de qualificação mundial.

 

A China tem um plano de fazer 100 universidades de qualificação mundial até 2021. A Alemanha tem um programa de 2,5 bilhões de euros para a qualificação. O presidente francês deu autonomia para as principais universidades e exigiu que elas se qualifiquem. Portugal e Austrália também têm feito movimentos nessa direção. A Inglaterra tem pelo menos três universidades de classe mundial e os EUA tem um caminhão delas. E o Brasil, quer o que com seu ensino superior?

Ninguém vê o óbvio: a pirâmide está invertida. A maior prova disso é o abandono da primeira infância. É nela que o Brasil começa, e seu abandono é a maior das ameaças à pirâmide invertida que caracteriza nosso País.

Mesmo a educação é um exemplo do desequilíbrio da pirâmide invertida. O Brasil dá mais ênfase ao topo, o ensino superior, do que à base, o ensino fundamental. O resultado é outra manifestação de instabilidade: a qualidade do ensino superior vem sendo puxada para baixo por causa da má qualidade do ensino médio; e este também vem perdendo qualidade por causa da piora no ensino fundamental.

No ensino público: faltam 400 mil professores no ensino básico (fundamental e médio) no País. A maior carência é para as disciplinas de matemática, química, física e biologia. Há escolas que nem as têm na grade.

Vivemos um modelo de ensino superior e nas principais universidades do país que é o mesmo desde 1968 (Lei 5540/68), quando foi aprovado a Reforma Universitária. Valorizou a departamentalização e acenou com uma série de outras medidas, todas elas tornando por base a educação norte-americana ou que se pratica na Alemanha. Uma estrutura pesadíssima, ultrapassada e decadente.

UNIVERSIDADES PAULISTAS EM CRISE

As três Universidades mantidas pelo Estado, Universidade São Paulo, Universidade Estadual de Campinas e Universidade Júlio Mesquita Filho, tem instalações e corpo docente qualificado para desenvolver ensino e pesquisa nos níveis desejados para o apoio ao desenvolvimento social e econômico do Estado e do País. Elas representam quase a metade dos programas de pós-graduação do País e desenvolvem pesquisas em praticamente todas as áreas do conhecimento.

O sistema iniciou-se há setenta e sete anos, com a fundação da USP, que gerou recursos humanos para a formação da UNICAMP na década de 60, as duas contribuindo para a formação da UNESP nos anos 70.

O Estado vem destinando às três Universidades aproximadamente 3% de sua renda, o que representa um esforço insuficiente como ficou evidenciado pela eclosão de diversas crises setoriais, com a paralização de atividades acadêmicas pela falta de recursos para despesas correntes, como material de consumo e manutenção.

Nos últimos quatro anos, os salários dos professores Universitários sofreram uma redução da ordem de 50% e considerando-se como base o ano de 2007, essa redução foi de 71%. A remuneração insuficiente põe em risco o regime de dedicação exclusiva à docência e a pesquisa essencial à atividade científica, e que foi inaugurado no País pela Universidade São Paulo. Hoje, entretanto, pouco mais de 50% dos docentes da USP trabalham em regime de dedicação integral.

As despesas de capital, incluindo-se os investimentos em pesquisa, são da ordem de 5% do orçamento da USP e 8% do orçamento da UNICAMP, índices absolutamente insuficientes e que deixam as universidades em completa dependência, com relação ao financiamento da pesquisa, de agências externas à Universidade. Esses índices, cuja magnitude não atende às necessidades básicas de pesquisa realizada nas universidades, sofreu uma redução da ordem de 20% entre 2007 e 2010.

A estrutura de apoio ao trabalho científico e didático, integrada por bibliotecas, biotérios, museus, oficinas para desenvolvimento e manutenção de equipamentos, encontra-se em situação virtual colapso. A crise atingiu até mesmo um instrumento fundamental do trabalho de pesquisa, as assinaturas de publicações científicas que alguns casos, vem sofrendo cortes da ordem de até 90%, isolando os pesquisadores do avanço do conhecimento em escala mundial.

Evidentemente, a crise das Universidades estaduais: USP,UNICAMP e UNESP, não se limitam a dotações aquém das necessidades, mas a carência material é um espaço de seus aspectos mais graves.

USP ignorou o próprio regimento contra baderna

Crise, pancadaria e gasto público teriam sido evitados no episódio da Universidade de São Paulo, onde alunos fazem greve para fumar maconha sem serem incomodados, se o reitor João Grandino Rodas conhecesse o regimento geral da USP, mantida com o dinheiro do contribuinte: o artigo 75, § 2º, inciso I,  prevê cancelamento da matrícula em razão de “motivos disciplinares”. Como depredação do patrimônio, por exemplo.

Se queremos projetar a universidade brasileira para os próximos trinta anos. Viveremos uma outra época, de incríveis conquistas científicas e tecnológicas, alimentadas pelo uso de computador e da Internet, e é claro que a indústria do conhecimento, representada pelos nossos pesquisadores, não poderá concorrer com os produtos de outras nações se não estivermos devidamente apetrechados, inclusive do ponto de vista dos recursos humanos qualificados.

 

O Sistema S – Sesi, Senac e Sesc

 

Há outra discussão relevante, sobre a natureza jurídica e a legalidade das Instituições de Educação Superior (IES) do Sistema “S”: Sesi, Senac e Sesc. Essa discussão ficou complicada porque comprovamos que eles funcionam como IES privadas, pois cobram mensalidades a preços de mercado e hoje já possuem extensa rede nacional. Mas eles vivem de subsídio público e não oferecem serviços apenas para os trabalhadores de cada respectivo setor que contribui com parcela de sua folha de salários. Admitem todo e qualquer estudante que seja aceito. Estas IES do Sistema “S” são públicas ou privadas? Ou seriam semi-públicas ou quase-privadas, categorias estas que não existem no ordenamento legal brasileiro? Se é público, não deveria cobrar mensalidades. Se é privado, não deveria se valer do dinheiro que é retirado da folha dos trabalhadores para montar as estruturas maravilhosas que têm. O MEC não se deu conta de que o estatuto deles não continha a possibilidade de abrirem faculdades e Centros Universitários, mas a possibilidade de oferta de educação profissional. Na educação profissional eles também cobravam e o MEC fez um acordo para o Sistema “S” dar gratuidade até 2011. Houve um ajuste. Mas esqueceram do ensino superior, que não faz parte do acordo. Somos a favor de que o Sistema “S” possa oferecer educação superior, mas a questão é quem vai pagar. Seria interessante que eles pudessem oferecer educação gratuita. Essa discussão está em aberto e é muito relevante.

O tema mais importante que está agendado no CNE (Conselho Nacional de Educação)  é sobre o credenciamento e recredenciamento de universidades, inclusive as federais. Esse é um tema que está muitos anos atrasado. O governo não providenciou esse recredenciamento e as universidades federais nunca se importaram se são credenciadas ou não. As universidades federais são criadas por lei, pelo Congresso Nacional, mas a lei não as credencia. A LDBEN nº 9394/96 – diz que quaisquer universidades devem ser credenciadas. As novas universidades devem ser credenciadas e as antigas deverão ser recredenciadas. Elas apresentaram as exigências burocráticas para o MEC, mas isso não passa pelo escrutínio de uma reunião pública. Não menos importante será a discussão sobre o credenciamento e recredenciamento das universidades privadas, visto que nunca aconteceu no país este processo de recredenciamento universitário.

Alguns dirão: a expansão, que é uma política social; outros dirão: as cotas, que também é uma política social; outros, o Prouni (Programa Universidade para Todos), que também é uma política social. Mas, as universidades devem ensinar o quê? É para continuar formando quais profissionais na graduação? Nós queremos universidades de qualificação mundial no Brasil? Queremos universidades de ponta comparadas às de outros países? O que devemos ensinar aos estudantes universitários? Não se discute o ensino superior no Brasil, discute-se o acesso ao ensino superior, por isso, não existe uma política universitária, uma política educacional do ensino superior.

 

Nelson Valente é professor universitário, jornalista e escritor

 

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