O Golem é um dos mais fascinantes mitos judeus
A lenda do Golem , no seu início, tem três pontos principais.
O primeiro se refere à influência de crenças ancestrais da ressurreição dos mortos através do ato da colocação do nome de Deus na boca, na testa ou no braço do cadáver (a remoção do pergaminho ou o ato de apagá-lo causaria sua volta aos mortos), lendas comuns na Itália do século X.
O segundo se relaciona com às idéias da prática alquimista referentes à criação de homunculus que seria criado in vitro com uma mistura de terra e água (ver Paracelso).
O terceiro é a própria definição simbólica do Golem, de seu início e fim: um ser, servo do seu criador, cujo poder cresce continua e perigosamente até o limite em que, a fim de preservar a própria comunidade, deve ser devolvido ao barro de onde foi criado.
A simbologia está no respeito aos elementos, que podem proteger e destruir com a mesma força, nunca podendo ser controlados totalmente pelo homem.
É no contexto do hassidismo, movimento judeu, que se desenvolve o mito do Golem.
Poderíamos ver, à luz da modernidade, o Golem como um autômato, um robot.
Mais sutilmente, ele se liga ao mito do Duplo, o Dopplegänger alemão: em algumas versões e poemas o Golem toma o lugar de um personagem da trama, saindo de cena quando não mais necessário.
É assim em E.T.A. Hoffmann (que o chama de Terafim) e em von Arnim.
Um dos pontos mais interessantes do mito do Golem é a força da palavra mágica, o schem , que cria e destroi o ser artificial
Por falar em Paracelso, ele em seu livro De Natura Rerum, até mesmo fornecendo a receita, que envolve deixar o sêmen de um homem numa retorta por 40 dias.
Depois de um tempo, ele “finalmente começa a viver, se mover e se agitar, o que pode facilmente ser percebido”.
Será uma espécie de ser humano, ainda que transparente e sem um corpo.
Com a sequência do experimento, ele se torna um ser com a aparência de uma criança, ainda que menor.
Esse homúnculo deverá ser educado com grande cuidado até que cresça e comece a mostrar sinais de inteligência.
Alguns estudiosos da alquimia entendem que essa criação de um ser artificial descrita por Paracelso e por outros alquimistas poderia ser uma metáfora, referindo-se de fato ao processo de criação da pedra filosofal, com o homúnculo representando a matéria-prima utilizada na fabricação da pedra.
O médico escocês William Maxwell também falou sobre a criação de homúnculos em seu De Medicina Magnetica (1679).
A primeira referência a um ser criado por processo alquímico parece ser a de Zózimo de Panápoles, um visionário que teria vivido em Alexandria por volta do século 3 ou 4.
Outros nomes citados como criadores de homúnculos são os de Simão Mago, Arnaldo de Villanova (1238-1313), e Borel, médico de Luís XIV.
Uma história mais conhecida é a do conde Jean-Ferdinand de Kueffstein, austríaco que viveu no século 18 e que se diz que estava ligado à franco-maçonaria e à Ordem Rosacruz.
Segundo a lenda, suas experiências foram realizadas com o auxílio do Padre Geloni, num convento de carmelitas da Calábria.
Teriam conseguido “fabricar” seres artificiais que até mesmo teriam sido exibidos em Viena, em sessões apenas para nobres e poderosos.
Diz-se que construíram um cavaleiro, um monge, um arquiteto, um mineiro, um serafim, uma freira, um espírito azul e um espírito vermelho, que foram mantidos fechados em recipientes de vidro com água pura.
Como na experiência de Paracelso, os recipientes tinham de ser enterrados por quatro semanas em esterco de mula regado com um licor especial, preparado no laboratório.
Depois desse tempo, as criaturas estavam desenvolvidas e apresentavam características humanas.
A literatura de ficção científica e de terror elaborou uma série de criaturas semelhantes a essas, inserindo-as definitivamente no imaginário popular, especialmente a partir do século 20.
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O mito Golem
Quem for a Praga e visitar o antigo bairro judaico não consegue ignorar a lenda do Golem.
Golem – é um ser artificial mítico, associado à tradição mística do judaísmo, particularmente à cabala, que pode ser trazido à vida através de um processo mágico.
O golem é uma possível inspiração para outros seres criados artificialmente, tal como o homunculus na alquimia e o moderno Frankenstein (obra de Mary Shelley).
“Certa vez, faz tempo, eu, através dos meus poderes, transformei o ar em água, e a água novamente em sangue, e, solidificando-a em carne, formei uma nova criatura humana – um menino – e produzi um resultado muito mais nobre do que o Deus Criador. Ele o criou da terra, mas eu o fiz do ar – uma tarefa bem mais difícil: depois eu o desfiz e o dissolvi novamente no ar.”
Simão Mago, Apophisis Megale, século I
Corria o ano de 1580 e avolumavam-se as ameaças de um novo pogrom contra os judeus de Praga.
Inquietos, estes suplicavam e pressionavam o grande rabino de Praga, Rabi Yehudá Loew, para que fizesse alguma coisa que impedisse o massacre.
Conta a lenda que, então, o Rabi dá “vida” – mas não a fala – a uma criatura feita da lama do rio Vltava trazida até ele pela corrente humana dos judeus de Praga.
Essa criatura é um Golem, nome que no Talmude significa um estado preliminar à criação de Adão e, na Cabala, uma matéria bruta sem forma nem contornos.
Sem vontade própria, e obedecendo exclusivamente ao seu criador.
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Vamos conhecer mais um pouco deste ser e a tradição que o acompanha
No folclore judaico, o Golem é um ser animado que é feito de material inanimado, muitas vezes visto como um gigante de pedra.
No hebraico moderno apalavra Golem significa “tolo”, “imbecil”, ou “estúpido”.
O nome é uma derivação da palavra gelem, que significa “matéria-prima”.
A palavra Golem na Bíblia serve para se referir a um embrião ou substância incompleta: o Salmo 139:16 usa a palavra gal’mi, significando “minha substância ainda informe”.
As primeiras histórias de golems são mais antigas que o judaísmo.
Adão é descrito no Talmud (Tratado Sanhedrin 38b) inicialmente criado como um golem quando seu pó estava “misturado num pedaço sem forma”.
Como Adão, todos os golems são criados a partir da lama.
Eles eram criações de pessoas santas e muito próximas de Deus.
Uma pessoa santa era uma pessoa que se esforçava para se aproximar de Deus, e por essa luta consegue um pouco da sabedoria e poder divinos.
Um desses poderes é a criação da vida.
Por mais santa que a pessoa fosse, no entanto, a sua criação sempre seria apenas uma sombra de qualquer criação de Deus.
Desde cedo se desenvolveu a noção de que a principal deficiência do Golem era a sua incapacidade em falar.
No Sanhedrin 65b, é descrito como Raba criou um Golem usando o Sefer Yetzirah.
Ele enviou o golem para Rav Zeira, que falou com o Golem mas ele não respondeu.
Disse Rav Zeira:”Vejo que você foi criado por um dos nossos colegas; volte ao pó”.
Ter um Golem como servo era considerado como o mais elevado símbolo de sabedoria e santidade, e existem muitos contos de golems ligados a proeminentes rabinos através da Idade Média.
Outros atributos dos golems foram sendo adicionados através dos tempos.
Em vários contos, o Golem tem escritas palavras mágicas ou religiosas que o tornam animado.
Escrever um dos Nomes de Deus na sua testa, num papel colado em sua fronte ou numa placa de argila embaixo de sua língua, ou ainda escrever a palavra Emet (“verdade” em hebraico) na sua testa, são exemplos de algumas dessas fórmulas de animação do Golem.
Ao apagar a primeira letra de Emet (da direita para a esquerda, dado que é assim escrito o hebraico), formando Met (“morto” em hebraico), o Golem era desfeito.
A existência de um Golem na maioria das histórias mostrava algo bom, mas com problemas.
Embora não fosse inteligente, o Golem podia fazer simples tarefas repetidamente.
O problema era controlá-lo e fazê-lo parar.
Elementos semelhantes podem ser encontrados no romance Frankenstein de Mary Shelley.
Isaac Bashevis Singer, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, escreveu a sua versão da lenda do Golem em 1969.O filme “O Golem – Como veio ao mundo “,de 1920, do diretor Paul Wegener, é a adaptação cinematográfica da narrativa clássica da história ambientada em Praga do século XVI.
Coube ao rabino Judah Loew ben Bezalel, uma sumidade do judaísmo de Praga (cidade onde morreu em 1609) – orientando-se pelas instruções existentes no Livro da Criação de Eleazar de Worms (1160-1230) -, repetir de modo incansável todas as combinações possíveis ali encontradas a fim de gerar uma vida.
Ele estava atrás, nada mais nada menos, de acertar a fórmula que lhe permitiria criar Adão Cadmon, o primeiro homem.
Segundo a tradição dos místicos e dos cabalistas judeus medievais, corrente que Judah Loew seguia, Deus deveria ter feito o primeiro ser humano não de uma vez só, num gesto impensado, mas sim seguindo vários ritos possíveis de serem repetidos pelos estudiosos.
Quem imitasse o Todo-Poderoso, reproduzindo lhe o ato da criação, precisava antes de tudo ter muita paciência.
Ao consultar-se os escritos sagrados, as disposições alfabéticas indicavam que era preciso, partindo das letras IHVH, fazê-las combinar 231 vezes para dar vida a uma criatura, ou o dobro, isto é 462, se desejasse fazer com que ela, depois de posta em pé, voltasse ao pó original.
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A criatura do gueto
Finalmente, depois de um bom tempo, deu-se o milagre.
Exatamente como os cabalistas imaginavam que ter-se-ia dado o nascimento original, de um monte de pó que haviam empilhado no gabinete do rabino, ao embalo da voz monocórdica dele, uma figura humana começou a tomar forma.
Era um Golem (algo amorfo, sem formas ainda), que não disfarçava sua aparência de ter vindo do barro.
Todo ele era encorpado e de cor de terra.
Dizem que o rabino, para dar um sopro de vida àquela argamassa de aspecto humano, escreveu então sobre a testa da criatura a palavra Emet (verdade).
A função que deram à criatura era muito simples: proteger os judeus do gueto.
Ocorreu que não demorou muito para o Golem pôr-se a crescer.
Cada dia ele ficava maior, enorme, ao ponto da sua cabeça romper com o telhado da casa do rabino.
Ao invés da presença dele desencorajar as atenções dos gentios para com o gueto, deu-se o contrário.
As multidões, ainda que temerosas, se aproximaram perigosamente para ver aquele assombro.
Ao rabino Judah Loew não restou outra alternativa do que destruir a quem dera a vida.
Pediu ao Golem que se abaixasse e, num gesto de contra-magia, apagou uma das letras da sua testa.
Foi o que bastou para o gigante desmanchar-se em poeira.
Quase três séculos depois deste episódio lendário, no ano de 1816, naquela mesma velha Europa, numa certa noite de verão na Vila Diodati, à beira do lago Genebra, na Suíça, os poetas Lord Byron e Percy Shelley discutiam sobre a natureza da origem da vida e de que forma coisas inanimadas poderiam começar a mexer-se.
Na mesma sala, escutando-os atentamente, estava Mary Shelley, mulher de Percy, que, uns tempos antes, impressionara-se vivamente com as histórias fantasmagóricas dos tempos góticos alemães.
Entre elas, possivelmente, a lenda do Golem.
No início do século XIX, os bem pensantes europeus estavam impressionados pelas experiências de Luigi Galvani com a “eletricidade animal”.
A nova fonte de energia estava no nascedouro e logo imaginou-se a possibilidade de aplicar-se uma carga qualquer num corpo inerte e ver o que acontecia.
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A criatura do doutor Frankenstein
Mary Shelley disse que não dormiu aquela noite de 16 para 17 de junho de 1816, pensando nisso.
Levantou-se, correu para a escrivaninha, e, armada da pena, escreveu no alto da folha “Foi numa sombria noite de novembro que eu contemplei a realização da minha obra”.
Era o começo de uma das mais impressionantes novelas de horror.
Na sua história, tornada um clássico do gênero, o rabino foi substituído por um cientista: Judah Loew de Praga deu lugar ao doutor Victor Frankenstein de Ingolstadt.
E, claro, as combinações cabalísticas cediam a vez às experiências de Galvani e Volta executadas pelo jovem doutor.
O Golem renascia atualizado, produto da tecnologia da revolução industrial em marcha.
O milenar sonho do homem dar vida a um outro homem, retomava o seu curso pela pena da jovem Mary, impulsionada pelas correntes galvânicas e pelo dispositivo de Volta.
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Fora do controle
Porém, como o monstro feito de barro do gueto de Praga, a criatura do dr. Frankenstein não era agradável de ser vista.
Se tecnicamente o trabalho do sábio fora perfeito, meticuloso, preciso, a aparência do produto final era espantosa, terrível.
Como seu mentor mesmo disse “uma múmia revivida não seria tão horrorosa quanto aquele destroço”.
Erguendo-se da mesa onde nascera, a extravagante figura logo iniciou a fugir colocando em pânico a região de Ingolstadt, onde se encontrava o laboratório do doutor Frankenstein, alarmando seus moradores.
Como se vê, comum a ambas histórias, a medieval e a contemporânea, seja a cabalística ou a científica, sempre predomina a antiga crendice de que alguém assim fabricado, além de ser um ato de impiedade, acaba por fugir ao controle do seu mestre, trazendo grandes desgraças para a comunidade.
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Embriões clonados
De certo modo, o recente anúncio do extraordinário feito pela Advanced Cell Technology (ACT), da possibilidade da clonagem de embriões, que poderão salvar a vida de milhares de seres humanos evitando os crônicos problemas da rejeição, provocou a mesma consternação nos sacerdotes de todas as fés e nos políticos temerosos do rumor dos ignorantes.
Como sempre, os maiores desafios da ciência não advirão dos problemas teóricos ou técnicos, inerentes ao seu métier, mas sim das nuvens de suspeitas sopradas sem parar pelo obscuro mundo da superstição organizada e do temor sobrenatural que os homens têm das coisas que eles mesmo fazem.
Se o homem muitas vezes não consegue nem educar corretamente e conter os atos de seus filhos naturais, imagine uma criatura que já nasce adulta e sem o conhecimento e a noção de moral, ética e princípios básicos de convívio social.
Talvez os seres humanos sejam capazes de fazer o papel de Deus, recriando a si mesmos.
Se, com isso, irão elaborar ou não o monstro definitivo, ainda vamos ver.
Alguns livros relacionados ao mito:
A. von Armin: “Isabelle von Aegypten, Kaiser Karls des Fünften erste Jugendliebe” (1812)
E.T.A. Hoffmann: “Die Geheimnisse” (1820) e “Meister Floh (1822)
W. Rathenau: “Rabbi Eliesers Weib” (1902)
Leivik: “Der Golem” (1920)
R. Lothar: “Der Golem” (1900)
G. Meyrink: “Golem” (1915)
Moshe Idel (2008). El Golem. Tradiciones mágicas y místicas del judaísmo sobre la creación de un hombre artificial. El Árbol del Paraíso 61. Madrid: Ediciones Siruela
Scholem, Gershom (1976). La cábala y su simbolismo. Siglo XXI México
Veja também o filme
The Golem: Original, Complete Silent Movie (1915)
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