Hino Nacional Brasileiro 3Deonísio da Silva

O jornalista e escritor Carlos Heitor Cony lembrou numa de suas crônicas o que aconteceu num programa de calouros que Ary Barroso fazia no rádio.

“Um cidadão se apresentou: `O que vai cantar?´, perguntou Ary. O sujeito respondeu: `Vou cantar o Virandum.´ Ary estranhou: `O que é isso? Mostre como é para o pianista poder acompanhar.´ O calouro cantou baixinho para o pianista e o Ary: `Virandum do Ipiranga, salve´.”

Os versos do Hino Nacional estão completando um século neste outubro. Seu autor é Joaquim Osório Duque-Estrada, que sucedeu a Sílvio Romero na Academia Brasileira de Letras.
A música foi composta em 1831 pelo maestro Francisco Manuel da Silva. Foi o marechal Deodoro da Fonseca, primeiro presidente da República, quem decidiu, depois de concurso para escolha da música do Hino Nacional, que seria mantida a composição anterior, já tocada nos tempos do Império.
Os hinos compõem um gênero muito peculiar. Ainda antes de existirem os Estados, já existiam os hinos, no mais das vezes canções de guerra, exaltação de deuses protetores, invocação de forças telúricas, elogio da paisagem, da fauna, da flora e de destacadas personalidades a quem a comunidade que cantava aqueles hinos muito devia.
“Três simples senões” Numa outra versão, a primeira estrofe musical apresentava letra de Américo Moura, que tinha esses versos, às vezes cantados como introdução ao Hino Nacional:

“Espera o Brasil/ Que todos cumprais/ Com o vosso dever./ Eia, avante, brasileiros,/ Sempre avante!/ Gravai com o buril/ Nos pátrios anais/ o vosso poder./ Eia, avante, brasileiros,/ Sempre avante!/ Servi o Brasil/ Sem esmorecer,/ Com ânimo audaz/Cumpri o dever,/ Na guerra e na paz,/ À sombra da lei,/ À brisa gentil/ O lábaro erguei/ Do belo Brasil./ Eia, sus, oh sus!”

Esses versos são constantemente lembrados na internet e uma das mensagens vem acompanhada do depoimento de uma ex-combatente da FEB. O autor dessas estrofes, afinal descartadas na versão oficial, era natural de Pindamonhangaba (SP) e foi presidente da província do Rio entre 1879 e 1880, cargo equivalente ao do governador atual.
Ainda assim, nós cantamos hoje um Hino Nacional levemente diferente daquele que Joaquim Osório Duque-Estrada compôs em 1909. Ele fez várias alterações em 1916, sete anos depois de ter composto os versos para combinarem direitinho com a música.
Como explica Maria Aparecida Vitta Maya em O Guarda-Noturno da Literatura Brasileira: vida e obra de Joaquim Osório Duque-Estrada (G. Ermakoff Casa Editorial, 2009, 320 p.), houve uma guerra de pareceres. Quinze, no total. E o autor respondeu assim a seus críticos: “Dos quinze pareceres acima transcritos, dois (o de Oscar Guanabarino e Iberê da Cunha) reduzem a três simples senões, de facílima correção, os oito erros apontados pelos srs. E. Borgongino e Pedro de Melo.”
Nenhum parecerista sabia compor um hino Mas, coisa curiosa, o autor resolveu atender a alguns daqueles pareceres e piorou a redação. Ele fez onze modificações, todas para pior. Escrevera: “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas/ Da Independência o brado retumbante”. E mudou o segundo verso para “de um povo heroico o brado retumbante”, produzindo o terrível cacófato “heroi cobrado”. Mudou também: “Fulguras, ó Brasil, joia da América”, para “florão da América”; “o pavilhão que ostentas estrelado” para “lábaro que ostentas estrelado”.
Toda a celeuma ocorria em 1916. E o Brasil continuava sem letra oficial para o Hino Nacional. Em 1917, o assunto voltou à Câmara num projeto que propunha aprovação das letras do Hino Nacional e do Hino à Bandeira, este de autoria de Olavo Bilac, com música do maestro Francisco Braga.
Em 1921, às vésperas do centenário da Independência e passados 33 anos da República, o Brasil ainda não tinha um hino oficial “por mero capricho de alguns descontentes”, como explicou, em discurso exaltado e furioso, o escritor Coelho Neto. Destaquemos, por pertinente, que nenhum dos pareceristas sabia compor um hino. Todos eles sabiam apenas apontar defeitos naquele que já existia!
“Letra não pode ser entendida” E então, a 26 de agosto de 1922, o copyright da letra do Hino Nacional foi cedido por cinco contos de réis, nos termos do Decreto 15.636. E, por fim, no dia 6 de setembro de 1922, com o Decreto 15.671, o presidente Epitácio Pessoa dava fim à polêmica, consagrando a composição de Joaquim Osório Duque-Estrada como oficial.
A polêmica terminou? Mas o que é que termina no Brasil? A partir de 1932, voltaram as discussões. E em 3 de maio de 1970, o senador paraense Catete Pinheiro propôs que o verso “deitado eternamente em berço esplêndido” fosse substituído por “atento aos desafios que enfrenta e vence”. Segundo o senador, o verso era ofensivo ao brasileiro, considerando-o “indolente e dorminhoco”.
O deputado Amaral de Souza, depois governador do Rio Grande do Sul, foi outro que, em 1972, propôs mudar o mesmo verso para “altivo eternamente em gesto esplêndido”. Foi rejeitado. A Federação das Indústrias de Minas Gerais reagiu com tal energia que a notícia foi manchete no famoso jornal Correio da Manhã, em 10/6/1970.
Em 1993, um cidadão de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, alegou que o Hino Nacional tinha que mudar porque a letra “nem pode ser entendida pelos moradores das áreas rurais ou pela alma carioca, muito menos pelos 15 milhões de brasileiros iletrados”.
Os versos de Camões O cartunista e escritor Ziraldo Alves Pinto escreveu no Estado de Minas (19/12/2003) que ficou emocionado durante solenidade festiva em Belo Horizonte: “De pé, na primeira fila à minha frente, estavam os meninos da creche e, entre eles, com a mãozinha no peito, o menino moreno que, sem perceber que o observava, repetia os versos do Hino Nacional com a mais absoluta segurança”.
Em resumo, para aqueles pareceristas e para todos os que não aceitam a letra do Hino Nacional, talvez o que falte seja entender as metáforas e outras figuras de linguagem que Joaquim Osório Duque-Estrada criou para adaptar sua letra à música do Hino Nacional, já então muito conhecida e executada em cerimônias.
Joaquim Osório Duque-Estrada poderia ter respondido aos pareceristas com os versos de Camões, ditos e escritos ainda no século 16:

“Nem me falta na vida honesto estudo/ Com larga experiência misturado/ Coisas que juntas se acham raramente.”

Mas, não. Ele cedeu e piorou a sua composição.

3 thoughts on “Hino Nacional Brasileiro

  1. Cecília says:

    Giba,o "Virandum do Ipiranga, salve",foi forte demais.Já assisti o vídeo em que uma senhora canta aquela estrofe que você cita no texto.Bem,quando eu era criança em idade escolar todos os dias antes da aula,ficávamos formados no pátio em frente as flâmulas para cantar o Hino Nacional,hoje não vejo mais isso não há respeito nem civismo,mal sabem o dia da Independência do Brasil ou da Proclamação da República.Uma lástima.
    Bjos

  2. Rose says:

    Giba, p/ reforçar sua matéria, aí vai nosso lindo Hino:

    Letra do Hino Nacional Brasileiro
    I
    OUVIRAM DO IPIRANGA AS MARGENS PLÁCIDAS
    DE UM POVO HERÓICO O BRADO RETUMBANTE,
    E O SOL DA LIBERDADE, EM RAIOS FÚLGIDOS,,
    BRILHOU NO CÉU DA PÁTRIA NESSE INSTANTE.
    SE O PENHOR DESSA IGUALDADE
    CONSEGUIMOS CONQUISTAR COM BRAÇO FORTE,
    EM TEU SEIO, Ó LIBERDADE,
    DESAFIA O NOSSO PEITO A PRÓPRIA MORTE!

    Ó PÁTRIA AMADA,
    IDOLATRADA,
    SALVE! SALVE!

    BRASIL, UM SONHO INTENSO, UM RAIO VÍVIDO
    DE AMOR E DE ESPERANÇA À TERRA DESCE,
    SE EM TEU FORMOSO CÉU, RISONHO E LÍMPIDO,
    A IMAGEM DO CRUZEIRO RESPLANDECE.
    GIGANTE PELA PRÓPRIA NATUREZA,
    ÉS BELO, ÉS FORTE, IMPÁVIDO COLOSSO,
    E O TEU FUTURO ESPELHA ESSA GRANDEZA.

    TERRA ADORADA,
    ENTRE OUTRAS MIL,
    ÉS TU,BRASIL,
    Ó PÁTRIA AMADA!
    DOS FILHOS DESTE SOLO ÉS MÃE GENTIL,
    PÁTRIA AMADA,
    BRASIL!

    II
    DEITADO ETERNAMENTE EM BERÇO ESPLÊNDIDO,
    AO SOM DO MAR E À LUZ DO CÉU PROFUNDO,
    FULGURAS, Ó BRASIL, FLORÃO DA AMÉRICA,
    ILUMINADO AO SOL DO NOVO MUNDO!
    DO QUE A TERRA MAIS GARRIDA,
    TEUS RISONHOS, LINDOS CAMPOS TÊM MAIS FLORES;
    "NOSSOS BOSQUES TEM MAIS VIDA,"
    "NOSSA VIDA" NO TEU SEIO "MAIS AMORES".

    Ó PÁTRIA AMADA,
    IDOLATRADA,
    SALVE! SALVE!.

    BRASIL, DE AMOR ETERNO SEJA SÍMBOLO
    O LÁBARO QUE OSTENTAS ESTRELADO,
    E DIGA O VERDE-LOURO DESSA FLÂMULA
    -PAZ NO FUTURO E GLÓRIA NO PASSADO.
    MAS, SE ERGUES DA JUSTIÇA A CLAVA FORTE,
    VERÁS QUE UM FILHO TEU NÃO FOGE À LUTA,
    NEM TEME, QUEM TE ADORA, A PRÓPRIA MORTE.

    TERRA ADORADA,
    ENTRE OUTRAS MIL,
    ÉS TU, BRASIL,
    Ó PÁTRIA AMADA!
    DOS FILHOS DESTE SOLO ÉS MÃE GENTIL,
    PÁTRIA AMADA,
    BRASIL!

    Vocabulário (Glossário)

    Plácidas: calmas, tranqüilas
    Ipiranga: Rio onde às margens D.PedroI proclamou a Independência do Brasil em 7 de setembro de 1822
    Brado: Grito
    Retumbante: som que se espalha com barulho
    Fúlgido: que brilha, cintilante
    Penhor: garantia
    Idolatrada: Cultuada, amada
    Vívido: intenso
    Formoso: lindo, belo
    Límpido: puro, que não está poluído
    Cruzeiro: Constelação (estrelas) do Cruzeiro do Sul
    Resplandece: que brilha, iluminidada
    Impávido: corajoso
    Colosso: grande
    Espelha: reflete
    Gentil: Generoso, acolhedor
    Fulguras: Brilhas, desponta com importância
    Florão: flor de ouro
    Garrida: Florida, enfeitada com flores
    Idolatrada: Cultivada, amada acima de tudo
    Lábaro: bandeira
    Ostentas: Mostras com orgulho
    Flâmula: Bandeira
    Clava: arma primitiva de guerra, tacape

  3. Silvana Marmo says:

    Amigo Giba,
    Podem falar o que quiserem do Hino, mas a cada vez que toca meu coração palpita e preciso cantar, e não posso mentir o tamanho do orgulho que sinto, pena que nossos jovens nem errado vibram com o hino.
    Meu carinho

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