Gilberto Vieira de Sousa
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Meu nome é A.I.G. e como ainda sou menor, não posso divulgar meu nome por completo, mas podem me chamar de amiga.
Sou filha de moradores de rua e a minha infancia se passou assim, morando nas imediações do Elevado Costa e Silva (Minhocão), na cidade de São Paulo.
Meus três mais presentes companheiros de infância foram o álcool, a cocaína e a maconha.
Nas ruas de São Paulo, é mais fácil se conseguir estes três itens e outras drogas do que comida de verdade.
Vivia ao relento, junto com os cachorros, os únicos amigos verdadeiros que tinha.
Tomávamos chuva juntos, passávamos frio juntos e juntos buscávamos comida no lixo.
A igreja as vezes oferecia ajuda, mas eu tinha que acreditar em Deus, coisa que não acredito, pois nas ruas nunca o conheci e não acredito que tenha algum ser de bondade e inteligencia que olhe pela gente. Pelo mesmo por mim nunca olhou. Então não dá para contar muito com a igreja, que tem lá os interesses dela.
Vi um dia, em uma loja que vende um monte de coisas para quem tem casa e dinheiro um homem falando que o governo ajuda os pobres. Para mim este tal de Governo está no mesmo patamar de Deus, se é que existe, nunca passou por aqui.
E tem uns tais espíritas, que chegam sorrindo, falam boa tarde, deixam roupas e comida, viram as costas e vão embora. Agradeço pelas roupas e pela comida, mas nunca nem perguntaram se eu tinha um nome, nunca me fizeram mais do que faziam pelo meu cachorro, mas até que eram bem legais.
Um dia apareceu um casal, perguntaram meu nome, idade e sobre meus sonhos.
Disse meu nome e idade e lhes disse que meu sonho era ter comida de verdade todos os dias e que também queria ter aquele papel colorido que tem foto e o nome da gente, para poder mostrar que eu era alguém.
Este casal me convidou para andar um pouco com eles. Aceitei.
Fomos até uma loja onde compraram algumas roupas pra mim. Me levaram a uma casa onde as pessoas pagam para ficar morando alguns dias e pagaram para que me deixassem tomar um banho.
Eu nunca tinha tomado banho naquele negócio que sai água do teto. Gostei muito, a água era quente, bem diferente da água do chafariz e da chuva.
Tinha uma pedra mole que a moça disse que era para eu esfregar no corpo e tinha cheiro de flor.
Depois do banho coloquei as roupas novas e fui com eles até um lugar que chamam de teatro, onde uma mulher de nome Zélia Duncan estava cantando. Eu comecei a chorar, era lindo, parecia irreal.
Após terminar a apresentação no palco, fomos até uma padaria comer. Eu nunca tinha comido em uma mesa de padaria, me atrapalhei toda, fiz aquela sujeira, mas foi gostoso.
Depois eles me levaram para uma casa antiga, onde me apresentaram para umas pessoas esquisitas, que falavam bem manso e sorriam o tempo todo.
Um tal de maestro me apresentou alguns instrumentos musicais e perguntou se eu queria aprender algum. Escolhi o violino, nem sei porque.
Hoje sou violinista na Orquestra Sinfônica de São Paulo e estou terminando minha 8ª série.
No lugar de viagens alucinógenas da maconha, da cocaína e do álcool dei lugar a outra viajem, a viajem musical. Consegui tirar meu documento de identidade, já virei alguém. Tenho comida de verdade todos os dias e onde durmo tem uma cama bonita, limpa e macia.
Algum dia, eu quero ir lá na ponte, encontrar alguma menina que tenha o mesmo sonho que tive e ajuda-la a realiza-lo.
Obrigado a vocês que me tiraram das ruas, seja lá quem forem.
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Gilberto, essa história é muito chocante e emocionante e certamente nunca ninguém substituirá os pais da menina ou de outra pessoa abandonada qualquer, o que podem é assumir a figura paterna e ajudar os abandonadas como puderem, oferecendo atenção e carinho e algum conforto a mais. Essa solidariedade será sempre importante e lembrada, principalmente quando se sabe o nome da pessoa. É uma forma de recuperação comunitária. Eu nasci e me criei numa vila onde haviam familias pauperrimas e onde existe a pobreza, tudo de ruim acontece pois vigora o dominio do mais forte, violencias, agressões, usos de entorpecentes e outras drogas, porém se cada um for solidário a essas pessoas, a recuperação delas será plena e deixarão de serem objetos para se tornarem gente. Quando você pratica a solidariedade é porque Deus em sua suprema sabedoria lhe permitiu e lhe deu condições, portanto quando aqueles valores chegaram nas suas mãos, já estavam destinados à caridade e não lhe farão falta alguma.
Olá Geraldo,
Nesta história, os pais da menina ficaram na rua, não tiveram motivação de sair daquela vida. Talvez até com a mente já corroída pelo álcool e outras drogas.
Muitas vezes, quando vemos ações de solidariedade, temos como estatística um grande fracasso.
Se reparar bem no texto, verá que a menina recusou a ajuda da igreja, mas aceitou a ajuda da música. Pode ser que não seja a falta de iniciativas que estejam falhando, mas o método.
Veja o exemplo do maestro Isaac Karabtchevsky e a sinfônica de Heliópolis, é um sucesso de adesão entre estes jovens.
Um grande abraço
Emocionante mesmo Giba!! pena que são poucas histórias que acabamos conhecendo, pois a maioria esmagadora continuam nas ruas feitos zumbis!! A administração pública tem muita culpa nisto, a sociedade também, mas infelizmente há uma parte que não quer ser ajudada. Falo isto porque conhece pessoas que estão envolvidas diretamente na tentativa de ajudá-los, mas nem todos querem encontrar uma luz, preferem as trevas!!
abraço
Meu amigo Taiguara,
As vezes não é por não querer ajuda, mas por não querer aquela ajuda.
Veja o exemplo da menina do texto, ela não quis a ajuda da igreja, mas aceitou a ajuda da música.
Muitas vezes não é a falta de iniciativa que falha, mas o método.
Um grande abraço
E mesmo assim essa menina não acredita em Deus!
Ele passou pela sua vida através desse casal.. pena que não percebeu.
Maria Marçal – Porto Alegre – RS – Blog Maturidade
Maria, a percepção dela sobre Deus veio através dos crentes que só ajudariam se ela aceitasse Jesus, por imposição. E pelos espíritas que davam comida e roupas sem nunca ter nem perguntado quem ela era.
O casal que ajudou, nunca falou em Deus, apenas fizeram o bem pelo bem, sem usar um tal Deus como muleta para angariar alguma recompensa.
Esta é a diferença entre as pessoas que são boas por natureza, o casal, e as que fazem o bem por conta de uma doutrina religiosa.
No final das contas, esta menina é uma vencedora e é uma boa pessoa, sem precisar de um Deus na vida dela.
Caro Giba,
É como você disse, estamos envolvidos num sistema perverso e não devemos nos sentir culpados por isso. A pobreza e a miséria são cultivadas desde sei lá quando. Nisto há uma reserva de ignorância e mão de obra barata a ser disponibilizada. Quem vai acreditar numa cultura que prega o contrário e preserva isso? Se a intenção fosse acabar com a miséria ela já teria acabado há muito. Quando colaboramos com as ferramentas básicas desse sistema, como as religiões, colaboramos ingenuamente com ele. Oportunidade sim, esmola não.
Abraços.
Meu amigo Ivani
É exatamente desta maneira que descreveu.
Lembra quando lhe contei da missa onde o padre disse que deveriamos ser instrumento nas mãos de Jesus, mas nunca o rodo, sempre o pano de chão.
E a miséria é a base da sociedade e sempre será.
Um grande abraço
uma pena que isto seja a excessão e não a regra. há muitas pessoas relegadas ao esquecimento tal e qual como um lixo varrido pra baixo do tapete. O texto é muito transparente em realção a esse abismo social que ainda vivemos…
Pois é Paulo, abismo que a maioria faz questão de fazer de conta que não existe.
A história dessa menina emociona, porque significa a reversão de um quadro desfavorável representado por milhões de jovens e ciranças que perambulam pelas ruas, sem eira nem beira, entregues “ao Deus dará”. Contudo, esse jovem não é feito somente de carne e osso. Ele tem uma alma e precisa, a par da valorização material, ser também valorizado como ser transcendental, razão pela qual é necessário que o façam acreditar na existência do ser superior, que não pecisa ser chamado exatamente de Deus, nem ser descrito da forma como as denominações religiosas costuamam inventar. Como ser finito, chegará o dia em que esse moço, por mais conquistas que tenha alcançado nas coisas terrenas, perceberá que seu prazo de duração está se vencendo e, quando isso acontecer, ele terá que acreditar que a morte não é o fim e que, reencarnando ou indo habitar outro plano, haveremos de colher os frutos daquilo que plantamos no decorrer da vida terrena. Eu não sou religioso, mas acredito no Arquiteto do Universo. Afinal alguém o fez, pois a dinâmica universal é como aquilo que diz na música do Peninha: Com princípio, meio e fim.
Lino, se esta pessoa se sentir realizada em tirar outras crianças¨da rua, fazendo disto sua bandeira e concentrando neste franco sua vitória, ela definitivamente não precisará de Deus algum, ele existindo ou não.
As igrejas com seus deuses podem ajudar muitas pessoas, mas também podem ser um mecanismo limitador.
E este tal governo que a menina ouviu falar na TV, será que ele existe ou é invenção de alguma ceita secreta?
Oi giba!
Meu amigo, que história emocionante! Principalmente porque se refere a meu solo sagrado, a região que nasci e cresci, e que vi se deteriorar aos poucos, as mortes e as vidas de pessoas anônimas, como essas menina. Espero que ela tenha sido aquela que vi a muito tempo atrás, a perambular pelas tuas sem rumo…
um banho, um lanche na padaria, coisas simples, porém ridicularmente inacessíveis pro povo de rua!
É sempre bom lermos algo assim, pra olharmos dentro de nós mesmos e nos deixarmos, ainda que por alguns instantes, de nos vermos como egoístas e cretinos donos da verdade, que acreditamos poder tudo, mas nem ao menos tirar nossas crianças das ruas conseguimos!
Realmente somos um bando de cretinos!
abraços!
Frank, as vezes somos escravos de nosso próprio sistema.
Quantas crianças e jovens querem realmente sair das ruas?
Mas tem pessoas que hoje em dia ajudam as que querem, basta procurar, se houver interesse.
Um grande abraço.