Cinquenta e oito anos depois

Júnior Gurgel

Numa viagem de volta ao tempo, identificamos as semelhanças inconfundíveis existentes nos sete primeiros meses dos governos de Jânio Quadros (1961) e Jair Bolsonaro (2019). A única diferença – favorável a Bolsonaro – foi o avanço tecnológico da cibernética que criou através da internet, um sistema de comunicação alternativa e direta com o povo: redes sociais. Jânio não dispunha deste tipo moderno de “ferramenta”, capaz de mantê-lo permanentemente no palanque – como tem se sustentado Bolsonaro – apoiado pelos seus seguidores, que lhes dão forças para enfrentar a mesma conspiração de 1961, articulada entre Congresso, mídia profissional; setores do Poder Judiciário; correspondentes da grande imprensa internacional.

Como havia prometido em campanha, os primeiros dias e atos do ex-presidente Jânio Quadros foram de “vassouradas” desapiedadas para limpar o país da corrupção impregnada nos três poderes da República, com empreguismo e privilégios. Congelamento de preços, para controlar a “carestia” (inflação) que castigava uma economia incipiente, desprovida de indexação isonômica, sem correções ou atualizações monetárias; mudanças no controle da casa da moeda; revisão nos acordos comerciais internacionais; um projeto compacto para erradicar as políticas assistencialistas herdadas da era Vargas que resistiram aos cinco anos de Juscelino Kubistchek. Reposicionar o Brasil como principal liderança da América Latina era sua meta.

Professor Nelson Valente
Professor Nelson Valente

Nos primeiros sessenta dias, tornou-se o inimigo número um da burguesia nacional, que não conseguia caminhar sem as “muletas” do Estado. Congresso Nacional, banqueiros e empresários seduziram a mídia sob o comando do excêntrico governador da Guanabara Carlos Lacerda. Mas, ainda tinha em seu favor o apoio do povão e da poderosa Igreja Católica, ultraconservadora antes de sua reforma no Brasil em 1963. Arrostando poderosos supercapitalistas internacionais, em 15/03/1961 enviou ao Congresso Nacional a “Lei Antitruste”, aterrorizando os maiores empresários dos Estados Unidos, que sofreram severas consequências com esta legislação no inicio do século XX, promulgada pelo presidente Theodore Roosevelt, que proibia o monopólio das grandes empresas comandadas por Rockfeller (petróleo), Andrew Carnegie (Aço); J.P.Morgan (Bancos)…

O Congresso, eleito com apoio financeiro desta gente, simplesmente ignorou e começou a ridicularizar Jânio através da mídia – como ora estão fazendo com Bolsonaro – enfatizando que as grandes reformas se limitavam a proibição de “rinhas” (briga de galos) e o uso de biquíni nas praias. Resgatando a história, o Jornalista, Escritor e Historiador Nelson Valente destaca a mais ousada das reformas proposta por Jânio Quadros, em 07/07/1961 quando enviou para o Congresso Nacional, a Lei sobre remessa de lucros para o exterior. Fato omitido pelo “Memorial da Democracia” que atribui a iniciativa a Getúlio Vargas. De fato o “Caudilho” encaminhou algo semelhante ao Senado, nunca apreciado, e que por lá ficou em suas prateleiras empoeiradas.

Escultura em cera do ex-presidente Theodore Roosevelt
Escultura em cera do ex-presidente Theodore Roosevelt

Após a renúncia de Jânio (agosto de 1961), três meses depois – novembro – sua propositura sobre a Remessa de Lucros foi transformada na lei Celso Brandt. Como o país havia mudado seu sistema de governo de Presidencialismo para Parlamentarismo, o projeto foi apresentado pela Câmara e seguiu para o Senado, onde foi modificado e depois retornou para encaminhamento e sansão. Decreto votado em 03 de setembro de 1962 – lei 4.131/62 – estabeleceu a remessa de lucros das multinacionais em 10%, cabendo ao então presidente João Goulart apenas sancioná-la. Porém sua regulamentação se deu em 1964, após a realização do plebiscito que devolveu a João Goulart poderes presidencialistas.

Renomado e premiado Escritor/Historiador norte-americano Robert A. Caro, escreve a biografia do ex-presidente Lyndon Johnson há mais de quatro décadas. Cinco livros já publicados e não se sabe quando será lançado o ultimo, com o capitulo final. Minucioso estudo e pesquisa tem revelado Lyndon Johnson como o político mais poderoso dos Estados Unidos no século XX. A farta documentação em poder de Nelson Valente, pode nos mostrar por que o país parou em 25 de agosto de 1961. E que só agora, com Jair Bolsonaro, teremos a chance de por nos trilhos o destino de uma nação depois de 58 longos anos, recomeçando exatamente a partir de onde parou Jânio.

O PRESIDENTE JAIR BOLSONARO (PSL), DURANTE ABERTURA DE EVENTO EM SÃO PAULO. (FOTO: MARCOS CORRÊA/PR)
Presidente Jair Bolsonaro durante Fórum de Investimentos Brasil 2019, em São Paulo. (FOTO: MARCOS CORRÊA/PR)

Acossado pelo parlamento e mídia, Jânio sobrevivia à duras penas, escapando dos ferozes ataques praticados por uma selvagem alcateia, obstinados em trucidá-lo. Entretanto, não se permitiu a oferecer oportunidade para impeachment, escândalos ou qualquer outro acontecimento que desqualificasse seu retilíneo comportamento moral. A mídia acusava-o de despreparo e demência (loucura). Alguma diferença do que ora estão fazendo com Jair Bolsonaro? Roteiro e “filme” são idênticos. Porém, reeditado num novo cenário – construído seis décadas depois – mudando no novo personagem somente a ausência do alcoolismo, principal motivo de deboche a Jânio, invenção perversa dos fofoqueiros da Corte que se alastrou país afora. O governo sangrava…

Mas, faltava um “sicário” ou motivo para cravar-lhes a punhalada final. Eis que de repente surge a oportunidade ideal: o guerrilheiro cruel e sanguinário Chê Guevara – Ministro da Economia do governo revolucionário recém-implantado em Cuba – foi convidado verbalmente pelo seu colega do Brasil, Clemente Mariano para visitar Brasília. Guevara buscava apoio por toda América Latina, para impedir uma invasão dos Estados Unidos a “Ilha”. Os embargos econômicos impostos por Dwight Eisenhower, mantidos e ampliados por seu sucessor John Kennedy, levou o governo de Fidel a criar uma linha direta com Moscou, no auge da guerra fria.

 

João Goulart
João Goulart, vice de Jânio Quadros que após sua renuncia, assumiu a presidência

O único que escreveu os verdadeiros detalhes que originou esta visita foi Nelson Valente, como vemos a seguir:

No dia 19/8/61, o presidente Jânio Quadros condecorou Guevara com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, numa cerimônia improvisada no Palácio do Planalto. Guevara ignorava que iria receber uma condecoração e o caráter oficial do encontro. A solenidade comemora hoje 58 anos: 19 de agosto de 1961. Ocorreu as 06h00 da manhã (?). Em seguida, é recebido por Jânio Quadros em conversa particular, que aproveitando a ocasião – para atender um pedido do núncio apostólico monsenhor Lombardi e do Papa João XXIII – solicitou a Guevara, libertação de 20 padres espanhóis e do bispo de Havana, presos em Cuba. No caso dos padres, Guevara concordou  com a libertação, avisando, entretanto que, dentro das regras cubanas, eles seriam em seguida expulsos para a Espanha. Jânio manifestou sua opinião de que a expulsão é um assunto interno de Cuba, que só a ela cabe resolver. O Brasil defende a libertação e com esse ato considera o pedido satisfeito.

Mesmo tentando ocultar ou minimizar os efeitos deste tropeço – para atender o mais expressivo segmento popular que apoiava seu governo – foi inevitável o estardalhaço da mídia nacional e internacional, que com manchetes sensacionalistas estamparam: “Brasil a um passo do Comunismo”. Revolta nos quartéis com ameaça de motins, pedidos de justificativas dos Estados Unidos… O homem da vassoura escorregou feio. Segundo o ex-governador da Paraíba João Agripino Filho, na época faltou um homem para evitar a renuncia. “Se eu estivesse lá, não teria acontecido”. Cansado desta narrativa, um repórter Paraibano um dia lhes perguntou: “o que o Senhor faria”? Agripino respondeu: “arrebatava a carta em plenário e a rasgava. Quem tivesse disposição em me enfrentar teria que passar por cima de meu cadáver”. Coragem, nós que o conhecemos sabemos que ele tinha para fazer coisas piores que isto.

Carta de renúncia de Jânio Quadros
Carta renúncia de Jânio Quadros.”Ao Congresso Nacional. Nesta data, e por este instrumento, deixando com o Ministro da Justiça, as razões de meu ato, renuncio ao mandato de Presidente da República. Brasília, 25.8.61.”

Por outro lado, destaque-se a covardia do Monsenhor Lombardi e a hipocrisia da CNBB, que não saíram em defesa de Jânio, se responsabilizando pelo evento. O papa Pio XI em sua Encíclica “Divini Redemptoris” de 1937, redigida pelo seu sucessor Cardeal Pacelli (Pio XII) havia declarado guerra ao comunismo. perigo ameaçador é do comunismo, denominado bolchevista e ateu, que se propõe como fim peculiar revolucionar radicalmente a ordem social e subverter os próprios fundamentos da civilização cristã. O Brasil é conservador e maior país Cristão do mundo. Jânio sabia disto. Como iria marchar para o comunismo? Idiotice malvada da mídia.

No fatídico mês de agosto de 1961, perdemos o “bonde da história”. Jânio se antecipou a sua deposição, e surpreendeu seus algozes com a renúncia. Jornalistas e escritores têm discorrido sobre os mais diversos motivos da abdicação de Jânio. Mas, cabe somente a Nelson Valente repetir o gesto de Robert A. Caro: resgatar com precisão todos os fatos históricos documentados nos “bilhetinhos”, cartas e ofícios de Jânio.

 

Numa viagem ao tempo, identificamos as semelhanças inconfundíveis existentes nos sete primeiros meses dos governos de Jânio Quadros (1961) e Jair Bolsonaro
Jânio Quadros renúncia em 25 de agosto de 1961

 

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1 thoughts on “Jânio Quadros – O tropeço que antecedeu a queda

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