(*) Nelson Valente
Antes de começar a desenvolver tudo o que se refere a esse artigo, sinto-me tentado a citar a conhecida frase de Freud, quando se referiu às três profissões “impossíveis”: analisar, educar e governar.
Cuidado com as ditaduras do neoliberalismo!
As exercidas em nome de uma classe traem-lhe as prerrogativas mais elementares. Negam-lhe a liberdade de trabalho. Destroem-lhe os sindicatos. Proíbem-lhe a luta pelo acesso legítimo. Convertem em crime o que é de direito. Cerceiam a livre expressão do pensamento. Suprimem as assembleias. Desmancham a família. Subtraem, ao convívio humano, o calor da amizade e a ternura da confiança.
Não sou liberal, nem sou marxista.
Sou democrata, adepto do sistema representativo da interdependência dos poderes, de eleições secretas e livres, dos mandatos a prazo determinado, dos intangíveis direitos individuais, da liberdade de pensamento.
A terminologia política a quem muitos continuam apegados, na velha Europa, não tem mais o sentido lógico que assumiu em certa fase da história das ideias. Os conceitos que alicerçaram esquerda e direita, na fase que culminou com o embate entre fascismo e bolchevismo, mudaram de natureza, em consequência da Segunda Guerra Mundial.
De um lado, vemos tradicionais partidos socialistas da Inglaterra e da Alemanha, revendo postulados fundamentais de seus programas, mas, de outro lado, assistimos – sem que os preceda um ideário nítido – a saltos sociais da envergadura dos operados no Egito, na Índia, na China, na Venezuela, em Cuba, na África.
Em um comício de sua candidata à Presidência, Dilma Rousseff, na cidade de Campinas, Lula, com punhos fechados, gestos agressivos, a bombástica vociferação: “a opinião pública somos nós”. Para o presidente, uma eventual vitória de Dilma na eleição significará também a derrota da imprensa. “Nós não vamos derrotar apenas os nossos adversários tucanos, nós vamos derrotar alguns jornais e revistas que se comportam como se fossem um partido político e não têm coragem de dizer que são um partido político, que têm candidato e não têm coragem de dizer que têm candidato, que não são democratas e pensam que são democratas”.
Tudo isso é falta de cultura e de refinamento, do alto de sua cátedra e popularidade, nosso Luis XIV tropical acha definitivamente que tomou posse do povo brasileiro. A vociferação de Lula foi de “uma infelicidade absoluta”.
“Tem dia que determinados setores da imprensa brasileira chegam a ser uma vergonha. Se o dono do jornal ler o seu jornal ou o dono da revista ler a sua revista, eles ficariam com vergonha do que eles estão escrevendo exatamente neste momento”, disse o presidente. O Brasil precisa propor-se moratória moral, concordata política, falência de qualquer ordem ou natureza.
Estou cada vez mais convencido da possibilidade de que o presidente Lula não existe, de que ele nada mais é do que um produto de sua própria linguagem.
Em vista de tantos idiotas que me rodeiam, ia sentir-me culpado de tê-lo imaginado. Prefiro acreditar que ele exista independentemente de minha responsabilidade pessoal.
O presidente Lula e sua candidata estão em boa companhia, com relação a esse equívoco, pois os demais planos de governo (pelo menos os conhecidos) também parecem feitos para um país que não é o nosso.
O século XXI têm sido um crematório implacável de filosofias políticas, e é preciso, para que encontremos o justo caminho, que, servidos por mente arejada, animados de ideais amplos e generosos, guiados por espírito de luta e afirmação, dispostos a encarnar a soberania da Nação, ávidos de liberdade e só entendendo a política em função do amor ao povo – não nos metamos, por vontade própria, em prisões que por toda a parte estão sendo arrebentadas.
As dificuldades naturais de desbravamento de um País de porte gigantesco como o nosso, só podem ser superadas mediante a aplicação sistemática dos seus recursos, em obediência a uma hierarquia de prioridades. A ausência da Administração nos problemas da educação e da saúde, agravando, criminosamente a grande chaga da nossa atualidade, realizou, também, um dos maiores escândalos dos nossos dias.
Ao governo não lhe será lícito, a qualquer título, ainda que sonoro ou pomposo, procrastinar o atendimento das necessidades basilares de saúde, educação e cultura.
A Federação deverá constituir uma expressão vigorosa e harmônica no seu conjunto, elidindo-se as fundas arritmias de seu crescimento.
Dar atenção especial para agricultura e à pecuária, que tudo nos tem dado para ser o que somos, tratamento generoso de assistência técnica e financeira, a fim de que prossigam com vigor renovado na marcha do nosso enriquecimento.
Para a indústria em geral e, sobretudo, a indústria de base, para o comércio interno e o de exportação, alinharemos todos os estímulos de que carecem, na sua missão fecunda de produzir e distribuir riquezas.
Aos trabalhadores além da aposentadoria e assistência médico-hospitalar dos institutos, tornadas efetivas, além das vantagens de uma previdência social escoimada de compadrio, de filhotismo, de corrupção, tranquilidade mediante a garantia de salários hábeis a mantê-los, e a suas famílias, em padrões crescentes de bem-estar, participando da evolução do País.
É uma grande Nação, tão afortunada nas suas riquezas morais, quanto no inesgotável patrimônio ético-espiritual da sua gente.
Povo livre, que, livre de medo, conduz o seu destino.
A Nação, entretanto, tem deveres para com a América do Sul.
É evidente que nossos esforços resultarão improfícuos, se não contarmos com a cooperação e compreensão dos nossos irmão do Norte, por vezes imperfeitamente esclarecidos sobre a necessidade imperiosa, incontornável de eliminação de tantas áreas de pobreza.
Concorre, para isso, talvez a concepção unilateral de que só ao capital privado compete papel básico na luta em prol do futuro latino-americano.
Daí as crises periódicas que afetam o Continente.
Nação independente, soberana, o Brasil prescinde da liderança internacional de qualquer potência. Sabe onde estão os seus direitos e os seus interesses. Não os aliena. Não os sub-roga.
Mas, e por igual, fiel às suas tradições, aos seus compromissos, é avalista determinado e espontâneo da intangibilidade do Continente. Aqui, ninguém interferirá.
Não há lugar, na América, para o exercício de curatelas europeias ou asiáticas, a nenhum título.
Sempre soubemos, nesta comunidade de Nações livres, solucionar as pendências emergentes, diria inevitáveis, sem que tais desacordos justificassem malignas intervenções extracontinentais.
Não as concebo, nem as tolero. Insisto, entretanto, em que a melhor, quiçá a única maneira de exorcizarmos os fantasmas que rondam o Continente, está na imediata efetivação e consolidação da democracia brasileira.
Povos economicamente desenvolvidos, libertos da miséria e do medo, aptos a se realizarem, não teme, e por isto mesmo, não agridem.
Tarda, por outro lado, que fortaleçamos as nossas relações comerciais, para não falarmos nas culturais, com os países da Europa e da Ásia.
Temos caminhado para trás, nos nossos processos de intercâmbio e de trocas, suplantados até pelo atilamento e pela tenacidade de diplomacias mais bisonhas, embora mais resolutas do que a nossa.
O Brasil encontra-se frente a um desafio maior do que fazer uma faxina moral como propunha Tarso Genro e de novo um gaúcho se apresentava como bastião da moralidade.
Não adianta o PT se refazer. É preciso encontrar a “síndrome” causadora de atos de corrupção e de outras mazelas individualizadas, que não adianta tratar isoladamente. Não é tarefa para uma só pessoa, mas para a sociedade e especialmente a comunidade científica. Estamos perdendo uma imensa chance de colaborar com o Brasil e com o mundo.
A Nação corre riscos enormes. O primeiro é o de perder-se em meio a uma verdadeira floresta de desafios de todos os tipos. O outro risco, não menor, consiste em cada um de nós agarrarmos teimosamente a uma árvore, arbusto ou a uma pequena touceira de sua predileção, depois de concluir desalentado que é impossível abarcar toda esta floresta de escândalos.
Em meio a um caudal de tiradas líricas em prosa e verso, saudada como a panaceia universal para todos os males de que o País padece, surge uma infinidade de denúncias de corrupção e escândalos de toda a espécie.
Nesse sentido, a queda de um partido que se comportou o tempo todo como um termômetro moral, uma bússola moral, foi atacado exatamente nesse ponto e se transformou em biruta ao sabor das negociatas, coloca o País frente a duas possibilidades: quando o ex-ministro da Justiça Tarso Genro assumiu interinamente a presidência do partido e seu primeiro discurso é sobre a faxina moral, é evidente que a sociedade espera que os corruptos, enganadores, manipuladores, que são muitos, sejam apenados conforme a lei; no entanto, ideologizar isso e novamente propor à Nação um projeto de pureza moral, é novamente criar ilusão. É do tipo “não aprendi nada”, que diz à população: vocês tinham razão de esperar muito do PT porque nós somos a reserva moral da Nação. Houve um “probleminha” entre nós, mas continuamos sendo a reserva moral da Nação. Essa “cegueira pessoal” pode ser solução imediata para o partido, mas a médio e longo prazo não funciona. Não descarta a possibilidade de o grupo de petista que assumiu a condução do partido nos últimos anos tenha chegado ao poder já com más intenções (mas exclui dessa turma o presidente da República), não sendo apenas resultado da corrupção do poder. O poder corrompe os fracos. O remendo do poder é a corrupção. O povo brasileiro foi enganado.
O que de uma vaca não se pergunta sobre a própria ação; ela é garantida biologicamente. Uma vaca é sempre uma vaca. Mas o homem nunca é o mesmo homem.
(*) é professor universitário, jornalista, escritor e amigo inestimável
Maravilhosamente lindo, uma obra de arte e cidadania este texto tão atual. Parabéns por todo brasileiro que saiba ler e escrever, que não aprova os atos do Luizinho XV Tupiniquim , colega e irmão do Hugo Chavez, Morales e outros tantos, sem falar no mentor-mor desta cambada o falido Fidel Castro. Paz e Paz.Vassalo
Giba:
No dia 16 de maio de 2009, há mais de um ano, portanto, publiquei um texto intitulado "UM PAÍS À BEIRA DO ABISMO", onde postei o discurso do jurista PAULO BONAVIDES, no III Congresso Latino-Americano de Estudos Constitucionais.
Daquela minha postagem, em homenagem e reverência ao seu texto, destaco o seguinte trecho da fala de BONAVIDES:
"O doloroso e deprimente espetáculo de corrupção que tem assolado a Praça dos Três Poderes contamina os órgãos da soberania e suscita já a reação benfazeja do elemento cívico da nação e da sociedade.
Quando o povo vier às ruas em espontâneas e irresistíveis ondas de protesto, e ele já começa a vir, sua mobilização será a salvaguarda da honra e da dignidade de uma nação. A memória dos ancestrais inspira a nacionalidade que aparelha a resistência e se adestra para as lutas constitucionais de preservação de suas liberdades.
As multidões nos comícios e os oradores nas tribunas poderão ser, outrossim, o sinal de que uma luz vermelha acendeu o facho da pré-revolução.
O Brasil se acha, minhas Senhoras e meus Senhores, bem perto de uma comoção institucional. Só a cegueira governante das elites políticas, que atraiçoam o povo e a nação, não tem olhos de ver nem sensibilidade de perceber que estamos com os pés à beira do abismo.
Mas a alma do país constitucional reluta em dobrar os joelhos à capitulação. E, despertando a memória dos antepassados, nos faz ler as lições de civismo e emancipação que Castro Alves, Rui Barbosa, Joaquim Nabuco e José do Patrocínio, ao abraçarem a causa dos escravos, nos ministraram há mais de um século. Era o discurso sobre o nosso destino e a nossa vocação de povo que ama a justiça e a liberdade.
As duas Casas do Congresso Nacional e os órgãos executivos e judiciários dos demais Poderes vivem a tragédia de secessão da legitimidade, que deles se aparta, na vertigem da crise e do desespero social.
A representatividade enferma unicamente salvar-se-á se a classe dominante abrir as comportas do egoísmo e fizer do povo o soberano que a "ditadura constitucional", todavia, encarcerou.
Mas a Constituição é liberdade, não é cárcere. A boa ideologia, democrática e livre, gravada no texto magno, é a dos libertadores e não a dos opressores.
A corrupção dos altos Poderes não terá força para revogar os direitos e as regras sociais que vão do art. 6º ao art. 11 e, muito menos, o parágrafo único do art. 1º da Constituição, que consagrou o princípio da soberania popular.
A ideologia do Estado social está no coração do povo. Foi a Carta de 1988, a Constituição cidadã de Ulysses Guimarães, que a proclamou".
Esse é o país de Lula, o "Luis XIV tropical" de Nelson Valente!
Parabéns pelo belo trabalho!
Um abração…
Meu caro amigo Giba, boa noite!!!
Que maravilhoso e verdadeiro texto de Nelson, não poderia ser melhor, dispensa qualquer comentário, o texto é perfeito… concordo plenamente com o que ele retrata.
Mas a nossa maior arma contra todos esses desmandos é o povo, que infelizmente está do lado dele.
Parabéns pela excelente postagem, adorei!!!
Grande abraço e muita paz!!!