Por Sérgio Biagi Gregório
SUMÁRIO:
1. Introdução.
2. Conceito.
3. Histórico:
3.1. Antigüidade;
3.2. Velho Testamento;
3.3. Novo Testamento;
3.4. Atualidade.
4. O Problema da Ofensa:
4.1. Caracterização da Ofensa;
4.2. Mahatma Ghandi nunca foi Ofendido;
4.3. O Perdão das Ofensas.
5. Reconciliação com os Adversários:
5.1. O Texto Evangélico;
5.2. Reconciliação como Experiência de Vida Cristã;
5.3. A Morte não nos Livra dos Inimigos.
6. Lei de Deus: A Não-Resistência.
6.1. A Lei de Deus está Escrita na Consciência do Ser;
6.2. O Evangelho e a Regra da Não-Resistência;
6.3. As Razões Lógicas para o Exercício do Perdão.
7. Conclusão.
8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste estudo é mostrar que a purificação de uma alma está atrelada ao esquecimento da ofensa. Para tanto analisaremos o problema da ofensa, a reconciliação com os adversários e as implicações suscitadas pela obediência à Lei de Deus.

2. CONCEITO

Perdoar – do lat. med. perdonare significa “desculpar”, “absolver”, “evitar”. É o estado de ânimo, em que se encontra alguém, agravado por outrem, seu agressor, e sente-se desagravado. O pecado, na Religião, é um agravo a Deus, e o perdão consiste em não considerar-se Deus agravado; ou seja, desagravado. (Santos, 1965)

O conceito de perdão, segundo o Espiritismo, é idêntico ao do Evangelho, que lhe é fundamento: concessão, indefinida, de oportunidades para que o ofensor se arrependa, o pecador se recomponha, o criminoso se libere do mal e se erga, redimido, para a ascensão luminosa. (Equipe da FEB, 1995)

Reconciliação – do lat. reconciliato, de reconciliare, constituído por re = prefixo iterativo + conciliare = conciliar, trazer a um acordo significa restabelecimento de relações ou de acordo entre duas pessoas que se haviam desentendido. (Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo)

3. HISTÓRICO

3.1. ANTIGÜIDADE

Na Antigüidade clássica grega pouco se escreveu acerca do perdão. Entende-se que esses filósofos estavam mais preocupados com a questão do conhecimento racional e da prática de conduta.

Contudo, nas entrelinhas das filosofias de Sócrates e de Platão, considerados os precursores do Cristianismo e das idéias espíritas, encontramos muitas acepções sobre as virtudes, a questão do bem e do mal, a justiça e a injustiça etc.

“Não é preciso jamais retribuir injustiça por injustiça, nem fazer o mal a ninguém, qualquer mal que se nos tenha feito. Poucas pessoas, entretanto, admitirão este princípio, e as pessoas que estão divididas não devem senão se desprezar umas às outras”.

“Não está aí o princípio da caridade, que nos ensina a não retribuir o mal com o mal, e de perdoar aos inimigos?” (Kardec, 1984, p. 29)

3.2. VELHO TESTAMENTO

O Deus do Antigo Testamento é o Deus do perdão. O pecador é um devedor a quem Deus, com seu perdão, perdoa a dívida; o perdão é tão eficaz que Deus já não vê o pecado, o que é como que jogado para trás, tirado, expiado, destruído. A apostasia que se segue após a Aliança e que mereceria a destruição do povo é a ocasião para Deus se proclamar “Deus de ternura e de piedade, lento para se irar, rico em graça e fidelidade… que tolera falta, transgressão, pecado, mas nada deixará impune…”

O coração de Deus, longe de querer a morte do pecador deseja a sua conversão para lhe prodigalizar seu perdão. Deus perdoa ao pecador que se acusa; longe de querer perdê-lo, longe de desprezá-lo, reconforta-o, purificando e acumulando de alegria seu coração contrito e humilhado. (Léon-Dufour, 1972)

3.3. NOVO TESTAMENTO

O perdão de Deus no Novo Testamento vem através de Cristo. João Batista pregava o Batismo do arrependimento para a remissão dos pecados. Dizia: “Fazei penitência, senão aquele que virá vos há de batizar no fogo”; para ele este fogo é o da ira e do juízo, aquele que consome a palha depois de separado o trigo.

Jesus, porém, não foi enviado pelo Pai como juiz, mas como Salvador. Chama à conversão todos os que dela necessitam e suscita essa conversão revelando que Deus é um Pai cuja alegria consiste em perdoar e cuja vontade é que ninguém se perca.

Jesus não só anuncia esse perdão como reivindicava e exercia o poder de perdoar pecados. O perdão da pecadora é um exemplo clássico. O Cristão conhece a salvação através do perdão dos pecados. A diferença entre o VT e NT é que neste último o perdão vem através do Cristo. (Léon-Dufour, 1972)

3.4. ATUALIDADE

Huberto Rohden, Pietro Ubaldi, krishnamurti e outros pensadores modernos dão-nos, cada qual na sua maneira de ver o problema, a dimensão do perdão na atualidade. Pietro Ubaldi, por exemplo, faz um relacionamento lógico entre o perdão e a Lei de Deus, mostrando-nos o valor científico de esquecer os ultrajes do nosso próximo.

Em termos práticos, não resta dúvida que Allan Kardec, no capítulo X de O Evangelho Segundo o Espiritismo, retrata diversas maneiras de conceber o perdão das ofensas se realmente quisermos ser perdoados por Deus.

4. O PROBLEMA DA OFENSA

4.1. CARACTERIZAÇÃO DA OFENSA

Ofensa significa injúria, agravo, ultraje, afronta, lesão, dano. Causar mal físico a; ferir suscetibilidades. Ela depende do grau evolutivo tanto do ofendido quanto do ofensor, pois o ser espiritualizado não se envolve com picuinhas. Há que se considerar ainda a semântica das palavras, pois muitos agravos vêm da má compreensão ou da má interpretação daquilo que se disse.

Considerar-se injuriado depende também de nosso estado emotivo, de nossa situação financeira, no nosso estresse. Uma pessoa desempregada pode se sentir ofendido simplesmente porque a outra lhe manda trabalhar.

4.2. MAHATMA GHANDI NUNCA FOI OFENDIDO

Mahatma Ghandi, grande líder indiano da não-violência, no fim de sua vida, pôde responder à pergunta se perdoou todas as ofensas recebidas com a declaração sincera: “Nada tenho que perdoar a ninguém, porque nunca ninguém me ofendeu”.

De acordo com as explicações de Rohden, o Ego é ofensor e ofendido, mas quando o ego humano é substituído pelo Eu divino, não pode mais haver ofensor nem ofendido. A ofensa é objetiva, considerar-se ofendido ou não subjetivo. Ghandi simplesmente não considerou a ofensa como ofensa. (ROHDEN, 1982, p. 159-161)

4.3. O PERDÃO DAS OFENSAS

Já no Antigo Testamento, a Lei não só estabelece um limite à vingança pela lei de talião, mas ainda proíbe o ódio ao irmão, a vingança e rancor contra o próximo.

No Novo Testamento Jesus completa esse pensamento dizendo que Deus não pode perdoar a quem não perdoa. Por isso reitera que deveríamos perdoar não sete, mas setenta vezes sete vezes, ou seja, indefinidamente.

Em O Evangelho Segundo o Espiritismo vamos encontrar diversos pensamentos acerca do perdão das ofensas. O principal de tudo isso é não guardar rancor no coração, de espécie alguma.

5. RECONCILIAÇÃO COM OS ADVERSÁRIOS

5.1. O TEXTO EVANGÉLICO

“Reconciliai-vos, o mais depressa, com vosso adversário, enquanto estais com ele a caminho, a fim de que vosso adversário não vos entregue ao juiz, e que o juiz não vos entregue ao ministro da justiça, e que não sejais aprisionado. Eu vos digo, em verdade, que não saireis de lá, enquanto não houverdes pago até o último ceitil”. (Mateus, cap. V., 25,26)

5.2. RECONCILIAÇÃO COMO EXPERIÊNCIA DE VIDA CRISTÃ

O Cristianismo centra-se na experiência do amor entre os homens como fato fundamental de aproximação a Deus. Entretanto o ser humano é ser egoísta por natureza e se encontra submerso na estrutura da injustiça e opressão que o cercam e o impulsionam para o mal. Há assim contradição entre o ensinamento de Jesus e o seu interior. Nesse sentido, a reconciliação ou perdão mútuo entre os irmãos deve ser uma tarefa constante tendo em vista a realização do amor. Lembremo-nos de que toda a Bíblia é uma história de reconciliação. Os próprios mitos dos primeiros capítulos do Gênesis pretendem mostrar que ao dar as costas para Deus, Adão e Eva também romperam com a própria harmonia da Lei, a qual deve ser retomada novamente. (Idígoras, 1983)

5.3. A MORTE NÃO NOS LIVRA DOS INIMIGOS

De acordo com os pressupostos espíritas, a morte não nos livra dos nossos inimigos, pois eles continuam vivos além-túmulos. Acontece que a ausência da vestimenta física é um elemento de maior facilidade para o ataque mental, isto é, através das interferências em nossos mais secretos pensamentos.

Observe que as obsessões surgem deste funesto sentimento de vingança e de ódio de quem se foi para outra vida. Descuidando-nos da oração e da vigilância, seremos vítimas fáceis do assédio deles.

6. LEI DE DEUS: A NÃO-RESISTÊNCIA

6.1. A LEI DE DEUS ESTÁ ESCRITA NA CONSCIÊNCIA DO SER

Allan Kardec, na questão 621 de O Livro dos Espíritos, diz-nos que a Lei de Deus está escrita na consciência do ser. O que significa? Significa que é uma idéia inata que cada um de nós traz no seu bojo desde o nascimento. A revelação da mesma tem origem no esquecimento e no desprezo que lhe imputamos. Para isso, Deus, na sua infinita bondade, deu a alguns Espíritos superiores a missão de revelar a sua Lei, no sentido de fazer progredir a humanidade.

Disto resulta que tudo o que fizermos devemos prestar contas à Lei. Ela é o móvel que dispões todas as nossas atividades neste planeta, tanto as de ordem material quanto as de ordem espiritual. É a ela que devemos obedecer e não aos homens que a malbaratam por interesse ou ignorância.

Na resposta à pergunta 617A do mesmo livro, os Espíritos afirmam: “Entre as leis divinas, umas regulam o movimento e as relações da matéria bruta: são as leis físicas; seu estudo pertence ao domínio da Ciência. As outras concernem especialmente ao homem e às suas relações com Deus e com os seus semelhantes. Compreendem as regras da vida do corpo e as da vida da alma: são as leis morais”.

6.2. O EVANGELHO E A REGRA DA NÃO-RESISTÊNCIA

Recebida uma ofensa temos duas soluções: a do mundo e a do Evangelho. A solução do mundo prende-se à superfície do problema, pois induz-nos a cometer um mal para reparar o mal que nos tenha sido feito. Isto acaba gerando um ciclo vicioso do mal que nunca terá fim, pois um mal estimula a cometer outro mal e assim sucessivamente. A solução evangélica é mais profunda, porque vai à essência do problema, da questão, porque estimula-nos a não revidar o mal com o mal, mas com o bem, ou seja, o perdão das ofensas. (Ubaldi, 1982, p. 188-195)

6.3. AS RAZÕES LÓGICAS PARA O EXERCÍCIO DO PERDÃO

Em virtude de uma ofensa, lembremo-nos:

1) a reação é um direito que não pertence ao homem, mas só à Lei de Deus;

2) se desejamos justiça, estejamos certos: a reação da Lei é muito mais poderosa que as nossas.

3) com nossa reação humana não afastamos e nem apagamos o mal, a não ser na aparência e provisoriamente, porque não eliminada a sua causa ele voltará para nós.

O correto seria agir da seguinte forma:

1) renunciar à vingança;

2) perdoar a ofensa;

3) esquecer de exigir justiça.

7. CONCLUSÃO

Humilhemo-nos, renunciemos à nossa personalidade, culpemo-nos antes de culparmos o próximo e suportemos as injunções do destino, sem reclamações. Estes são os verdadeiros exercícios do perdão incondicional, os que realmente fortalecem a nossa alma para a subida pedregosa nos horizontes da perfeição do ser.

* Agradeço a nossa amiga Rosangela Barreto (Rose), por mais esta colaboração e também pelo carinho e amizade de sempre.

4 thoughts on “Perdão e Reconciliação

  1. Silvana Marmo says:

    Olá Giba
    Todos nós buscamos a felicidade. Mas que felicidade é essa que quanto mais se procura mais distante fica? Para que realmente a encontremos é necessário conhecermos a nós mesmos e colocarmos em prática a nossa reforma íntima, ou seja, a renovação das nossas atitudes.
    Será que a pessoa que perdoa demonstra fraqueza de caráter? Temos a certeza que não. Alguns até pensaram que ele era meio fraco, já que quando perseguido e açoitado, não esboçou qualquer gesto de reação e no auge do seu martírio ainda foi capaz de pedir ao Pai que perdoasse os seus ofensores.
    Vivamos em paz e com a nossa consciência tranqüila pronta para merecer o perdão das pessoas que prejudicamos com os nossos atos, palavras e pensamentos, pois somente será perdoado aquele que perdoa.
    Meu carinho

  2. Rose says:

    Giba meu querido amigo,Jesus insistiu muito sobre essa lição. Ela está em várias passagens da Bíblia. Ele sabia de nossa necessidade e, principalmente, sobre a dificuldade que muitos sentem de perdoar, eu sou uma desss pessoas, muitas vezes me deparei com este dilema.
    Perdoar não é um ato, uma palavra. O perdão é o final de um processo mais ou menos longo – dependendo da evolução e vontade do espírito – que culmina com uma redenção: de quem perdoa e de quem é perdoado. É a maior expressão da liberdade, pois quem perdoa liberta-se do passado e de pesos emocionais desnecessários, que com o tempo se transformam em prisão.
    Esse processo inicia-se com a disposição de enfrentar o assunto. Muitas pessoas sequer cogitam a possibilidade de perdoarem seus desafetos. Fixam obsessivamente o fato que as machucou e alimentam mágoas, ressentimentos, raiva, ódio e desejos de vingança. Um calabouço, cuja chave para liberdade está à mão. Portanto, o primeiro passo é abrir-se. É experimentar, tentar superar essas barreiras emocionais, visualizar a vida que existe além dos muros do cárcere.
    Obrigada pelo carinho e por postar este assunto que é a maior de todas as lições que Jesus nos deixou.
    Grande abraço.
    Rose*

  3. edilene - amor says:

    GIBA<
    TODOS DEVERIAM LERV ESTE POST e colocar em pratica,
    E, estou aqui, pra falar que num li tá
    bjus
    ;)

  4. Rosana Madjarof says:

    Gilberto,
    Esse texto é sublime meu amigo.
    Perdoar é divino, mas melhor que perdoar é não guardar mágoas nem ressentimentos.
    Quem somos nós para não perdoarmos alguém, hja vista que somos seres humanos falíveis e cheios de defeitos?
    Adorei o seu texto.
    Bjs.
    Rosana.

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