Carlos Fonttes

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   Eu sempre questiono que ao pesquisarmos qualquer fato, devemos imprescindivelmente, documentá-lo com fontes fidedignas de vários autores e instituições confiáveis e nunca somente de jornais ou de um só autor. Questiono que todo trabalho pesquisado e publicado deve ser contextualizado, pelos diversos fatores que possam envolver a temática apresentada. Pensando nisso, trago sempre em mente as palavras do General Gleuber Vieira (Comandante do Exército em 2000), que disse: “A história que não se apaga e nem se reescreve”.Realmente não podemos apagar os feitos que fazem nossa história, mas ao mesmo tempo, também não devemos deturpá-la, como ultimamente tenho lido em ALGUNS jornais da cidade.   Já dissera Leslie Kaplan, grande romancista americana que “Escrever é manter-se sempre surpreso em frente ao mundo e não se manter passivo diante do que acontece ao redor”.

   Isto tudo me levou a não ficar impassível diante de certas aberrações que encontrei nesses dias, em que se comemorou, em nossa cidade, no dia 18 de setembro, mais um aniversário da “Rendição paraguaia EM Uruguaiana”. Já não chega nossos livros distribuídos pelo MEC, onde deturpam nossa cidade, quando mencionam “Rendição DE Uruguaiana”, como se a então Vila tivesse se rendido.

Praça-da-Rendição

         Compulsando os vários jornais da cidade sobre as comemorações dessa data, encontramos dois semanários que me chamaram muito atenção. Um deles, inclusive, considero erros gravíssimos na história e aí me questiono: Daqui uns anos, nossos jovens estudantes estarão pesquisando esses jornais, sem saberem dos erros gritantes que publicaram. E o mais lamentável ainda, que essa matéria não consta o nome do autor. Naturalmente que cabe a Direção do jornal toda a responsabilidade.

     Vejam, pois o meu repúdio a essa matéria publicada: Consta erroneamente o posto e o nome do Comandante paraguaio que se rendeu e errado, também, o nome do Presidente da Argentina que se fez presente ao ato da rendição, que era um dos nossos aliados na Tríplice Aliança.

     O Comandante dessa força inimiga era o TENENTE CORONEL ANTONIO DE LA CRUZ ESTIGARRIBIA, e não General Bernardino Solo Estigarribia (?), como mencionou o escriba. Estigarribia nunca chegou a ser General e o Presidente da República Argentina, que comandou o Exército aliado e estava presente no ato dessa rendição em Uruguaiana, era Dom BARTOLOMEU MITRE e não como constou na matéria daquele jornal.

     Para um maior esclarecimento ao articulista dessa matéria, devemos lembrar que Juan Manuel Rosas, como enfatiza o mesmo, era notadamente, governante da Argentina  que alimentava o sonho, como ditador, do retorno do Vice-Reinado do Prata, idéia que ameaçava o Brasil e o Uruguai, havendo, em 21 de novembro de 1851 assinatura de um tratado entre o Brasil, Uruguai e parte da Argentina capitaneada por Justo José de Urquiza (Província de Entre Rios – Argentina). Quando Rosas foi derrotado em 3 de fevereiro de 1852, na Batalha de Monte Caseros ou Moron, partiu para o exílio. (fonte: Dicionário das batalhas brasileiras, de Hernani Donato/BIBLIEx-2001).  O mesmo, nunca esteve na Rendição dos paraguaios em Uruguaiana.

     O outro jornal da cidade, do qual tenho muita admiração pelo seu cronista na temática histórica, tenho apenas que, com o meu mais alto respeito, contestá-lo desta vez, pois me parece que o mesmo tem dúvidas de certas localidades sobre a epopéia da guerra do Paraguai em Uruguaiana. Vejamos, pois parte de sua matéria que, ousadamente contesto:

     Enfatiza o autor da matéria no jornal que a barraca do Imperador indicava que a rendição teria sido nas imediações do prédio do antigo moinho, hoje o IRGA? Como assim?

     – Conforme o diário do Conde D’Eu (Viagem militar ao Rio Grande do Sul/Editora Itatiaia-1981) nos comenta que a barraca do Imperador “se encontrava na coxilha que aparece ao leste da cidade, entre o salso e o riacho a meia légua de Uruguaiana.” Sendo, portanto, erguida nas imediações hoje do CTG Sinuelo do Pago e o prédio que pertence hoje ao IRGA, na época da guerra, existia ali o cemitério velho da vila, que aparece num quadro pintado pelo artista argentino Candido Lopes.

       Na memorável data da rendição que comemoramos, quando o Ministro da Guerra, Ângelo Muniz da Silva Ferraz (mais tarde Barão de Uruguaiana), último parlamentar a levar as condições impostas ao Ten. Cel. Estigarribia, levou-o em presença do Imperador, o mesmo já era um prisioneiro das Forças Aliadas. O Imperador, conforme narração do Conde D’Eu (idem a obra já mencionada) se encontrava em frente ao cemitério, entre os batalhões do Exército de Porto Alegre.

       Concordo plenamente com o autor do texto publicado no jornal, de que neste local mencionado, onde mais tarde erigiu-se o obelisco (18 de setembro de 1965), muita gente ainda pensam ter sido o local da rendição, como de fato não foi, pois o que caracteriza a rendição de uma força a outra, é o ato pelo qual o Comandante vencido se submete incondicionalmente ao Comandante vencedor. E isto está provado pela declaração de próprio punho do Ten. Cel. Estigarribia ao Ministro da Guerra Ângelo Muniz da Silva Ferraz, quando o Ministro “dirigiu-se para as linhas fortificadas, onde do lado de fora foi recebido por Estigarribia e seu secretário, o oriental Salvañac. Feita a declaração do Ministro Brasileiro, pedio-lhe o Chefe paraguayio que lh’a desse por escripto, afim de conferenciar  com os outros Chefes, dentro da cidade; e sendo trazida para esse lugar uma mesa, sobre ella foi escripta a nota e entregue a Estigarribia, que prometteu resolver com brevidade. Effectivamente, poucos minutos depois voltava o mesmo Salvañac, que depositou nas mãos do Ministro Brasileiro a declaração do Chefe inimigo, rendendo-se com a força a seu mando, e pedindo a S.M. o Imperador do Brazil que fosse garante desse ajuste…” (Ten. Cel. Augusto Fausto de Souza – “A Redempção de Uruguayana/1887).

       “Existem os que acreditam que a rendição tenha ocorrido na praça principal da cidade” – trecho da matéria do jornal e do qual concordo.  Para que não haja dúvidas a respeito, me questiono apesar de ter em meu acervo documentos que possam provar a veracidade do fato. Porque, depois da Guerra do Paraguai, conforme uma ata da Câmara Municipal de 12 de abril de 1870, a antiga Praça da Matriz passou a se chamar Praça da Rendição? Que outra rendição teria havido na cidade para que a denominassem assim?

     Conforme narrações orais de antigos moradores próximo à praça, comentam ter havido há muitos anos, no canto da praça (Av. Duque de Caxias com Santana), um marco comemorativo aquela rendição, que com o passar do tempo foi retirado,

      Mais uma vez devo aqui mencionar que, quando participei de um encontro de historiadores, na cidade de Livramento, em 1998, apresentei minha preterição sobre dois aspectos históricos do assunto em pauta, para que se colocasse um pequeno marco na praça atual, Barão do Rio Branco, demarcando o local exato da rendição dos paraguaios e o outro, para o retorno da denominação desta praça para Praça da Rendição, que foi aprovado pelos presentes daquele simpósio e dirigida correspondência ao Prefeito de Uruguaiana. O Prefeito da época, pelo Decreto Mun nº. 093, de 31 de maio de 1999, nomeou uma Comissão de estudos, onde fui indicado como mentor do projeto. Essa comissão teve apenas uma reunião e, por falta de interesse do Presidente da mesma, nunca mais teve solução.

      Devo observar aos leitores e interessados na nossa história de que disponho em meu acervo farto documentos e fontes bibliográficas sobre o assunto, estando à disposição dos interessados e, como Delegado da Academia de história militar terrestre do Brasil, tenho condições de fazer pesquisas em todos os órgãos culturais do Exército.

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