Eu ia passar o Natal na Fazenda das Flores.
O velho Jeep sacolejava na estrada. Sozinho, pois minha mulher e meus três filhos foram pela tarde.
O trabalho obrigara-me a ir à noite. Relampejava. Com certeza vinha uma chuvarada de verão.
Um raio riscou o céu. O trovão fez vibrar o Jeep que, como com medo, apagou as luzes e o motor.
– Mais esta… Sozinho, aqui neste fundão… Ajuda que é bom, não vou conseguir.
Esperei um tempo. Já era quase meia-noite.
Outro relâmpago e consegui visualizar um rancho na beira da estrada e resolvi ver se conseguia algum socorro.
– Bueno, seu moço, meu marido anda numa tropeada. Tou com dor nas costas, uma pontada no pulmão, não posso dormir deitada. Só quero que o senhor não faça barulho porque meus filhos estão dormindo.
Entre o incômodo Jeep e uma cama aceitei a oferta da velha que, aliás, não era tão velha, era judiada pela lida do campo.
A cama tinha cheiro de fumaça, graxa de ovelha e cigarro palheiro.
Quando tentava dormir ouvi a voz de uma criança:
– É o Papai Noel?
– Vai dormir, guri! Cala esta boca, Papai Noel em casa de pobre! Fecha teus olhos!
Uma idéia me ocorreu. Meus filhos, com tantos presentes, não sentiriam falta.
Esperei a velha dormir em sua rangente cadeira de balanço e fui até o Jeep. Peguei uma bola, um caminhão de madeira e uma boneca. Voltei ao rancho e os pus na beira da cama dos guris.
O sono tomava conta de mim. Enxuguei a cara d’alguns pingos de chuva com o lenço. Apaguei a vela e dormi.
Lá pelas tantas acenderam a vela.
Cochichos.
Com os olhos fechados senti os guris se aproximarem.
– É o Papai Noel mesmo?
– Mas não tem barba?
– Ora, o barbeiro afeitou ele.
– Mas não é velho…
– Até que não é tão feio…
– Fala baixo, guria! Ele acorda e nos toma os brinquedos!
– A professora não vai acreditar que o Papai Noel dormiu aqui em casa.
– Olha o lenço dele. Tem até a letra P.
– Vamos roubar o lenço. Aí a professora vai acreditar!
– Roubar do Papai Noel… Tu tá louco, José! Ele nos deu os presentes!
Apagaram a vela. Dormiram. Dormi.
O sol despontava entre as frestas do rancho. Levantei.
Os três guris, abraçados nos brinquedos, olhos fechados, mas com um semblante de alegria sem igual. A velha, com um palheiro apagado no canto da boca, dormia.
Lágrimas encheram meus olhos. Lágrimas de felicidade por ter feito alguém feliz.
Pé ante pé abandonei o rancho. Antes, porém, deixei o lenço com a letra P em cima da mesa.
O sol invadia o campo.
Virei a chave do Jeep. Sem problemas, o motor ligou.
Os quero-quero gritavam.
Um galo garnisé cantou o amanhecer.
A estrada não tinha buracos.
Foi uma noite de Natal feliz. (Alegrete, 14/12/1988)
Lino Tavares é jornalista diplomado, colunista na mídia gaúcha e catarinense, integrante da equipe de comentaristas do Portal Terceiro Tempo da Rede Bandeirantes de Televisão, além de poeta e compositor.
As referências sobre essa matéria, tanto por parte da minha cunhada “catariúcha”, Marcelina Lucho Van Caeneghen, quanto dos familiárias do amigo alegretense que partiu, Daniel (Bada), Márcia, Henrique, Felipe e Eduardo, demonstram o amor e o carinho desfrutado pelo Pedro Fabres, junto a todos quantos lhe conheceram e hoje compartilham a dor de sua perda, eternizando sua saudade nesse documento virtual representado pelo GibaNet. Abçs a todos. Lino Tavares
Lino Tavares
Agradecemos o comentário sobre meu PEDRO, agradecemos a Deus pela sorte de ter Pedro como pai, irmão, amigo,avô , sogro, etc… Neste período todos os momentos que passamos por pior que fosse ele sabia transformar para superarmos, dos alegres há muitas histórias… enfim , Só temos a agradecer , agradecer, agradecer … grande abraço
DANIEL(BADA), MÁRCIA E OS FILHOS (HENRIQUE,FELIPE E EDUARDO)
Compadre, parei um trabalho urgente, on line, para ler este e-mail, me fez lacrimejar, mesmo que não acreditemos mais em histórias de Papai Noel, sempre nos emocionamos, ainda mais quando nos remetem à uma infância há tempo deixada para trás, porém jamais perdida. Abraços Alegretenses, apesar de agora ser 50% Catarinense.
Pois é, caro Homero. Mas, nesse caso, não havia a menor chance de esse Noel ser interpretado como “Ricardão”. Primeiro, porque as crianças estavam em casa. Segundo porque a dona da casa estava inválida, dormindo numa cadeira, sem possibilidade de prevaricar. A menos que o índio fosse desses que tem ciúme até da sombra da patroa. Essa história é muito bonita e o que fica é a bela lição de solidariedade humana deixada pelo meu saudoso amigo Pedro.
Mas bah, Lino, já pensastes, se o dono da casa se achegasse de arrepente, e visse o “Papai Noel” roncando na cama, dentro de sua casa??? Nem quero pensar, no destino do noel; no mínimo uns pranchassos e ele iria levar eh eh abrç hac