Lino Tavares

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Nem todos gostam de esporte de um modo geral, mas de futebol quase todo mundo gosta, afinal não é sem motivo que o chamamos “esporte das multidões”. Mas, acima dessa paixão nacional, está o sentimento de solidariedade que devemos cultivar, em relação aos nossos semelhantes, para nos tornarmos  dignos do conceito  que nos auto atribuímos, dizendo que somos  feitos à imagem e semelhante de Deus. Por isso, criticar os bilhões de reais que estão sendo gastos em estádios e obras de infraestrutura, em função da Copa de Mundo do ano que vem, enquanto pessoas morrem nos leitos e nos corredores dos hospitais por falta de recursos para tratar doenças que requerem atendimento de urgência, não é ser contra ao futebol nem aos eventos esportivos decorrentes dessa modalidade esportiva. É, na verdade, expor a discrepância dos poderes constituídos, que,  na leviandade e insensatez de seus governantes, esquecem que o supérfluo não deve preponderar em detrimento do essencial, uma vez que a enorme, brutal e injusta carga tributária que recai sobre os ombros do contribuinte, destina-se primordialmente à prestação de relevantes serviços à população e não às patriotadas sem fundamento, que tentam vender ao exterior a imagem de um Brasil farto e rico, capaz de bancar uma Copa e uma Olimpíada, em uma mesma década, como se este país de miseráveis assalariados  tivesse alcançado o ápice do desenvolvimento econômico e nadasse no dinheiros como uma potência econômica do primeiro mundo.

      Como exemplo do quadro desesperador vivido hoje pelas camadas mais pobres da população, toda vez que o infortúnio da doença as obriga a recorrer à precária rede de assistência do Sistema Único de Saúde, publica-se a seguir o apelo de uma filha, que vê seu pai doente, precisando ser operado com urgência, sofrer num leito de hospital da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, à espera de uma vaga na UTI, para passar por uma operação renal, decorrente de um câncer que ataca um de seus rins, com risco iminente de se propagar à outra víscera sadia.

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O Apelo Desesperado

Venho, através deste e-mail, tomar a liberdade de lhe relatar uma situação que tenho vivido junto à minha família. Situação essa que tem nos tirado o sono (e a paz) mas que acredito que possa contribuir com algumas tantas famílias que vivem algo semelhante.

O meu pai, sr. Joaquim, 57 anos, trabalhador como porteiro há anos, ironicamente em um edifício só de médicos, deu entrada pelo SUS na emergência do Hospital Sta Clara na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre urinando sangue e com muita dor nos rins. O diagnóstico foi de um câncer. Um tumor que já alcançara 10cm! A tomografia do abdômen levou vários dias para ficar pronta, o que nos desgastou demais, pois segundo o médico, pelo tamanho que o tumor já se encontrava, era algo que estava alí há anos e havia grande possibilidade de ter afetado os outros órgãos.

Passados dias de aflição, segundo os médicos milagrosamente, o resultado foi animador pois aquele tumor só afetara um rim. O outro funcionava bem e não havia metástase.

O rim teria que ser retirado, obviamente.

Porém hoje completa 23 dias que o meu pai está lá aguardando essa mesma cirurgia. Por ser cardíaco precisa de um leito disponível na UTI. Compreendemos a deficiência de leitos, o que não compreendemos é a situação desumana em que ele é submetido diariamente.

Nesses 23 dias, ele entrou em NBO quase todos os dias com a promessa de ser operado, entrando em jejum às 19h, no dia seguinte indo para o “bloco”, ficando a espera de ser chamado a qualquer momento até por volta das 15h, quando lhe mandavam de volta para o quarto e lhe liberavam a dieta. São VINTE HORAS sem comer, sem sequer beber água, na aflição de poder ser chamado a qualquer momento, renovando o medo a cada vez que abriam a porta da sala de cirurgia pois sabe que, por ser cardíaco, há sempre risco. A minha mãe deixando de trabalhar e eu de cuidar do meu bebê de 9 meses para estar ao lado dele antes das 7h da manhã. A espera é longa, o sofrimento, angústia, tantas horas sem se alimentar… Por VINTE E TRÊS dias. Há 3 dias ele começou a sentir dores muito fortes nos DOIS rins e nesses mesmos 3 últimos dias, não recebeu NENHUMA visita do médico. Simplesmente foi abandonado no quarto.

Então o que me faz vir até o sr., é o desespero de não saber mais o que fazer, o sentimento de impotência, de medo… De ver o meu pai, um homem bom, trabalhador e JOVEM, ter uma situação de saúde grave (pois o tumor pode se alastrar e afetar o outro rim), ser LARGADO, JOGADO em um quarto de hospital esperando liberar um leito na UTI.

Gostaria que esse caso fosse comentado pela imprensa que é a voz que temos perante o mundo, que é a única maneira de fazer situações como essa serem vistas por todos e, principalmente, por quem teria por obrigação ver muito bem mas finge não enxergar.

Divulgação, visibilidade, é isso que eu quero. Não só para o caso do meu pai, mas a todas as pessoas que sofrem diariamente dessa espera que angustia, que destrói por dentro e por fora.

Obrigada pela atenção e desculpe o incômodo.

Atenciosamente,

Roberta Amaral Miranda

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